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Sem comboios internacionais, Lisboa está isolada do resto da Europa

Marcha de devolução das carruagens do Sud Expresso a Espanha (fotografia cortesia de Filipe Fernandes)

Em Março do ano passado, a CP e a Renfe decidiram interromper os comboios internacionais que faziam a ligação de Lisboa a Madrid (Lusitânia Comboio Hotel) e de Lisboa a Hendaya, na fronteira com França (Sud Expresso). Desde então e até hoje, Lisboa tem estado isolada do resto da Europa. O Lusitânia e o Sud não deverão mesmo regressar.

Segundo o jornal Público, Lisboa e Atenas são as únicas capitais verdadeiramente isoladas em termos de transporte ferroviário internacional. Tanto o Lusitânia como o Sud eram comboios nocturnos, dado o tempo que demoram entre os pontos de partida e de chegada: mais de 10 horas. Um comboio diurno não seria competitivo, uma vez que a infraestrutura portuguesa e espanhola não permitem ainda ligar as duas capitais por alta velocidade, apesar de Espanha ter a segunda maior rede de alta velocidade da Europa.

Comboios históricos

Lançado em 1995 como o sucessor do Lusitânia Expresso, o Lusitânia Comboio Hotel era um comboio explorado em conjunto pela CP e pela espanhola Renfe, que circulava em conjunto com o Sud Expresso – a cargo apenas da CP – para poupar custos. O Sud Express existia desde 1887 e só tinha sido interrompido durante a guerra civil espanhola e as duas guerras mundiais. Já o Lusitânia Expresso, antecessor do Comboio Hotel, foi criado em 1943.

Os dois comboios seguiam acoplados entre Lisboa-Apolónia e Medina del Campo, separando-se nesta estação: um deles continuava para Madrid e o outro para Hendaya, na fronteira francesa, onde os passageiros podiam apanhar a alta velocidade até Paris. O Lusitânia e o Sud ofereciam preços para diferentes carteiras; por exemplo, era possível ir de Lisboa a Madrid por 25 euros em bancos normais, existindo, para outros valores de bilhete, compartimentos de quatro pessoas com camas e espaços ainda mais privados com casa-de-banho própria.

Espanha fecha a porta

A Renfe, parceira da CP no Lusitânia, disse no ano passado que não estava interessada no regresso desse comboio quando a situação pandémica estabilizasse e as fronteiras entre os dois países voltassem a abrir, como sucedeu a 1 de Julho. Já neste 2021, um ano depois da suspensão do Lusitânia, María José Rallo, secretária-geral dos Transportes e Mobilidade do Governo espanhol, disse no Parlamento vizinho que o Lusitânia não deverá voltar porque a alta velocidade, prevista para breve, tem tempos de viagem mais competitivos que não compensa manter a ligação nocturna entre as duas cidades.

Em relação ao Sud Expresso, sob alçada da CP, não deverá regressar sem o Lusitânia, uma vez que as duas ligações partilhavam custos – “Sem a economia de escala que a junção dos dois comboios proporcionava, dificilmente a CP retomará um serviço que, além do mais, era deficitário”, como escreve o jornalista Carlos Cipriano, especialista em ferrovia, no Público. Aliás, a CP devolveu em Setembro do ano passado as composições alugadas à fabricante espanhola Talgo. Segundo o Dinheiro Vivo, o serviço não era lucrativo e registou perdas de três milhões de euros nos últimos anos; também o Lusitânia, explorado em conjunto pela CP e Renfe, gerava prejuízos anuais de dois milhões de euros.

Uma realidade em contra-tendência

A cessação dos comboios nocturnos na Península Ibérica solidifica-se neste 2021 em que se celebra o Ano Europeu do Transporte Ferroviárioconsiderado um dos modos de transporte mais sustentáveis e seguros e o único que reduziu quase continuamente as suas emissões de CO2 desde 1990, ao mesmo tempo que aumentou os volumes de transporte.

Dado a crescente consciência ambiental, a União Europeia está interessada em apoiar o desenvolvimento do transporte ferroviário como uma alternativa à aviação e, em particular, na recuperação das ligações nocturnas. Novos comboios têm sido postos a circular de noite entre várias cidades europeias, oferecendo uma forma eficiente e prática de viajar uma vez que os passageiros podem aproveitar o tempo para dormir e acordar no destino que desejam.

Do lado português, o Ministério das Infraestruturas e da Habitação não fecha a porta ao regresso dos comboios nocturnos. Ao Dinheiro Vivo, referiu estar “a estudar, com a CP, possíveis modelos de operação ferroviária internacional com a devida articulação com Espanha” e atenta que “o que está em causa não é uma proibição dos comboios noturnos em Espanha, mas uma eventual decisão de abandonar a oferta desses serviços por parte da Renfe”. De notar que continua a ser possível chegar de Lisboa a Espanha através de comboio, seja pela ligação entre Porto e Vigo, na Galiza, seja através da Linha do Leste até Badajoz.

A alta velocidade aqui tão perto?

O troço ferroviário Évora-Elvas em construção não vai ser, afinal, apenas para mercadorias, como tinha vindo a ser apresentadas desde 2018. No final de Dezembro do ano passado, o Ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, referiu numa audição por videoconferência no Parlamento Europeu que a linha entre Évora e Elvas vai permitir a alta velocidade entre Lisboa e Madrid com velocidades de 250 km/hora. Segundo Pedro Nuno Santos, esta ligação está prevista até ao final de Dezembro de 2023.

Mas a alta velocidade vai fazer-se também entre Lisboa e Porto. A ideia está inscrita no PNI – Programa Nacional de Investimentos 2030 e passa por encurtar as distâncias no país: primeiro em bitola ibérica e com velocidades entre os 220 e os 250 km/h (para as quais os Alfa Pendulares estão preparados); mais tarde em bitola europeia com velocidades até 300 km/h. Lisboa e Porto ficarão, nessa altura, a 1h15 de distância (hoje a viagem dura perto de 3h); haverá paragens em Coimbra e Leiria, que passará a ficar a 30 minutos de Lisboa. O Governo precisa de 4,5 mil milhões de euros para o projecto e conta aproveitar a disponibilidade financeira da União Europeia para projectos ferroviários.