A TTSL (Transtejo Soflusa) comprou 10 barcos eléctricos, mas nove deles sem bateria, e queria adquiri-las à parte, com uma alteração contratual e com um ajuste directo. O Tribunal de Contas disse que não, e a administração da TTSL acabou por se demitir. O futuro do transporte fluvial da AML ficou mergulhado na incerteza. Esclarecemos…

A semana passada foi cinzenta entre as duas margens do rio Tejo. A TTSL (Transtejo Soflusa), que assegura o transporte público fluvial na área metropolitana de Lisboa, queria fazer um ajuste directo no valor de 15,51 milhões de euros para adquirir baterias para nove dos 10 barcos eléctricos que comprou anteriormente para renovar a frota. Mas o Tribunal de Contas não deu luz verde, alegando que o ajuste directo seria ilegal e lesivo do interesse público.
Os juízes afirmaram que comprar barcos sem baterias é como “comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais”, e não entendem porque é que a TTSL não decidiu incluir as baterias na encomenda dos navios, mesmo que, por uma questão de limitação financeira, tivesse de comprar um menor número de embarcações.
Com a nega do Tribunal de Contas, a TTSL fica com nove barcos encomendados mas sem os consumíveis assegurados. O caso abalou a comunicação social e marcou conversas nos últimos dias; as palavras dos juízes foram duras e o conselho de administração da TTSL, que se demitiu entretanto, também não se poupou nas respostas. Mas será que compreendemos tudo desta história? Se calhar não, por isso, vamos aos detalhes.
Os novos barcos
Com uma frota envelhecida e vários navios encostados, o que tem resultado em constantes supressões e outras perturbações na operação, a TTSL começou a trabalhar num projecto de renovação e reforço dessa mesma frota. Em 2019, foi decidida a compra de 10 barcos eléctricos, depois de o Governo ter autorizado a empresa por si tutelada a gastar um máximo de 57 milhões de euros; com este valor, poderia comprar um máximo de 10 navios, podendo decidir comprar menos desde que não gastasse mais que os 57 milhões.

Este processo de modernização da frota foi iniciado tendo em vista sobretudo as ligações fluviais entre a capital e o Montijo, Seixal e Cacilhas, geridas pela Transtejo, uma dos braços da TTSL. E foi, basicamente, segmentado em três partes: por um lado, a compra dos barcos em si; por outro, a aquisição das baterias para esses barcos e, por outro ainda, a instalação dos postos de carregamento nos cais fluviais.
Objecto | Procedimento | Estado | Datas |
---|---|---|---|
10 navios eléctricos | Concurso público | Concluído. Venceu o estaleiro espanhol Astilleros Gondán, que está a conceber e a construir os barcos à luz das necessidades da TTSL. | 1º navio já entregue (com bateria); seriam entregues mais três ainda neste 2023, quatro estavam previstos para 2024 e dois em 2025. |
Baterias | Ajuste directo à Astilleros Gondán | Chumbado pelo Tribunal de Contas. TTSL terá, provavelmente, de lançar concurso público. | Dependente da nomeação de um novo conselho de administração e do Governo. |
Postos de carregamento | Concurso público | Concluído. Venceu o consórcio CME/Seth. Estão previstos postos nos terminais fluviais do Seixal, Cais do Sodré, Montijo e Cacilhas. | Terminal do Seixal seria o primeiro a receber os postos. Prevê-se a entrada em funcionamento destas estruturas durante o segundo semestre. |
Cronologia
- após concurso público, a compra dos navios foi adjudicada, em Janeiro de 2021, ao estaleiro asturiano Astilleros Góndan por 52,4 milhões de euros. São 10 navios para as ligações de Cacilhas, Montijo e Seixal, sendo que, desses 10 barcos, apenas um foi comprado com bateria. Inicialmente, previa-se que as novas embarcações chegassem entre 2022 e 2024, mas o calendário derrapou. O primeiro navio – aquele com bateria – já está no estaleiro da TTSL em Cacilhas para se começar o processo de ensaios e de formação da tripulação; os restantes deveriam chegar até 2025: três até ao final de 2023, quatro em 2024 e os últimos dois em 2025. A nova frota 100% eléctrica foi especificamente concebida para as necessidades de operação da TTSL, e deverá melhorar a experiência de viagem dos passageiros – ao oferecer viagens sem ruído, vibrações e odores – e, do lado da TTSL, deverá permitir ganhos em eficiência energética e reduções ao nível dos custos de manutenção;
- por seu turno, a empreitada de construção e fornecimento de estações de carregamento da nova frota foi adjudicada em Setembro de 2022, pelo valor aproximado de 14,4 milhões de euros, ao consórcio CME – Construção e Manutenção Eletromecânica/Seth – Sociedade de Empreitadas e Trabalhos Hidráulicos. Os postos de carregamento serão colocados nos terminais fluviais do Seixal, Cais do Sodré, Montijo e Cacilhas. Prevê-se uma média de seis minutos de carregamento e uma autonomia superior a 1 hora e 20 minutos, e que essas infraestruturas fiquem prontas até ao final deste ano;
- em relação às baterias, a TTSL estaria a planear, em 2019, alugá-las através do modelo de leasing, por entender ser um caminho mais vantajoso que a aquisição – até porque as baterias têm um tempo de vida útil curto. Ao mesmo tempo, a empresa não teria verbas para fazer a compra das baterias juntamente com os 10 navios. No entanto, o contexto económico alterou-se, o preço das baterias subiu e o modelo de leasing ter-se-á tornado menos vantajoso, com a TTSL a acabar a propor ao Tribunal de Contas alterar o contrato com a Astilleros Góndan para adicionar as nove baterias em falta. Para tal, teria de fazer um ajuste directo de 15,51 milhões de euros. No entanto, o Tribunal decidiu bloquear esta opção, deixando a compra de baterias em futuro incerto. Exploraremos esta questão mais adiante.
Como referido, os barcos que a Astilleros Gondán está a fabricar para a TTSL (e que serão entregues faseadamente) surgem na sequência de um concurso de concepção e construção: ou seja, os navios foram desenvolvidos especificamente para a TTSL e estão a ser construídos segundo um conjunto de orientações que a TTSL fez, ao abrigo do chamado Caderno de Encargos. Mas, nesse processo, a Astilleros Gondán não está sozinha: contratou uma outra empresa, a ABB, para fazer a solução eléctrica compatível com as baterias da Corvus Energy (que seria a mesma marca pela qual os Estaleiros Navais de Peniche, segundo classificados, optariam caso a sua proposta tivesse vencido o concurso público).
Concorrente | Fornecedor da solução eléctrica | Marca das baterias | Preço global | Preço por bateria |
---|---|---|---|---|
Astilleros Gondán | ABB (responsável pela solução eléctrica e fornecimento dos equipamentos) | Corvus Dolphin Power | 52,44 milhões de euros | 1,60 milhões de euros/bateria |
Estaleiros Navais de Peniche | Danfoss Editron (responsável pelo sistema de controlo da propulsão; não refere um fornecedor para uma solução integrada) | Corvus Dolphin Power | 56,89 milhões de euros | (não refere valor da bateria de forma isolada) |
Majestic | Sistema eléctrico da responsabilidade da Majestic; Eaton (sistema de gestão das baterias); Vulkan (motores eléctricos) | Toshiba | 56,75 milhões de euros | 3,27 milhões de euros/bateria |
Enquanto o primeiro barco da nova frota chegava a Lisboa, a polémica estalou na capital precisamente sobre este trio empresarial.
As baterias
Quando em 2019 a TTSL lançou o concurso para as embarcações, incluiu apenas uma bateria. Ou seja, dos 10, apenas um navio foi encomendado com o consumível para permitir à TTSL realizar de imediato os primeiros ensaios no Tejo e, principalmente, formar as tripulações antes da chegada das restantes embarcações. Só que, não tendo tratado da encomenda das baterias no momento, a transportadora ficou agora numa embrulhada.
Um resumo
- inicialmente, quando preparou o concurso para a compra dos navios, a TTSL decidiu autonomizar a aquisição das baterias, alegando que estas não acompanhavam a vida útil dos navios (duravam 7-9 anos). A primeira opção considerada foi a de alugar as baterias em vez de comprar, explicou aos juízes. O aluguer seria a “melhor opção financeira” à data, “pois os custos da anualidade para o renting das baterias para os primeiros 7 anos seriam entre um mínimo de 800 mil euros e um máximo de 1,2 milhões de euros”, o que dava um “custo anual de renting inferior a 9 milhões de euros”. Na altura, o custo de aquisição seria “superior a 10 milhões de euros”, explicou a TTSL ao Tribunal de Contas;
- no entanto, a opção de alugar foi descartada devido à alteração do mercado e ao encarecimento das componentes eléctrónicas, aquando da pandemia de Covid-19, conforme a empresa justificou em conferência de imprensa aos jornalistas; e, no início 2020, a TTSL começou a olhar para a opção de compra. “Se esta opção tivesse ocorrido antes do lançamento para a aquisição dos navios, teria necessariamente levado à inclusão da totalidade da aquisição dos conjuntos das baterias no mesmo concurso”, garantiu em resposta ao Tribunal de Contas. A empresa TTSL disse que, à data da celebração do contrato de compra dos navios, não teria dinheiro para comprar todas as nove baterias e, através do programa operacional de fundos europeus POSEUR, não conseguia co-financiar essa aquisição;
- em 2022, a TTSL fez dois convites directos à Corvus Dolphin para fornecer as nove baterias em falta para os navios. Um primeiro convite em Abril por 10 milhões, e um segundo em Junho por 12,5 milhões. A Corvus Dolphin era a entidade com quem a Astilleros Gondán elaborou o projecto de instalação eléctrica dos navios, pelo que tinha as baterias para as embarcações. Segundo a TTSL, era o “único [fornecedor] capaz de as fornecer dadas as especificações técnicas e certificações marítimas dos navios e das baterias” – algo que a transportadora fluvial não tinha em mente no início de todo o processo. Em detalhe: “A solução vencedora desse concurso público continha a definição, de entre outros aspectos, de uma solução concreta respeitante ao Sistema de Armazenamento de Energia (SAE), a qual foi construída especificamente no âmbito e para este projecto (…). Trata-se de uma solução customizada (…). Consequentemente, apenas as entidades que colaboraram como adjudicatário na conceção do projecto, em particular a Corvus Energy, possuem a capacidade técnica para fornecer os conjuntos de baterias para todos os navios capazes de se adequar à solução escolhida no âmbito do concurso público referido.”
- no entanto, esses procedimentos de ajuste directo/convite ficaram vazios, isto é, a Corvus Dolphin não quis fornecer as baterias directamente à TTSL. A empresa explica que a Corvus Dolphin teve dificuldades em responder à venda das baterias por “não ser uma empresa da União Europeia e não conseguir oferecer um preço fixo” devido às “flutuações do câmbio do dólar norte-americano face ao euro e ao aumento constante do preço mundial do lítio”;
- a TTSL referiu, ao Tribunal, que, “em finais de 2019 e princípios de 2020, quando se tomou a opção inicial pela não inclusão da aquisição da totalidade das baterias no mesmo concurso de aquisição dos navios e se lançou este concurso, não era entendimento da Transtejo que as baterias só podiam vir a ser fornecidas pelo fabricante dos navios”. Não tendo conseguido comprá-las à fonte, a Corvus Dolphin, a TTSL pretendia este ano fazer a compra das baterias através da Astilleros Gondán – por via de um ajuste directo de 15,51 milhões de euros e de um aditamento ao contrato inicial com esses estaleiros;
- para fazer essa alteração ao contrato original, a transportadora fluvial alegou a figura de “trabalhos complementares”, presente no Código de Contratos Públicos, que “configura um regime especial de alterações contratuais” e que exige o cumprimento de um conjunto de requisitos que a empresa diz seguir, como a “impossibilidade técnica” de substituir o empreiteiro ou fornecedor original, e a contratação desses trabalhos complementares não constituir acréscimo de valor superior a 50% do preço contratual original. Nessa alteração contratual proposta e submetida ao Tribunal de Contas, pode ler-se que a Astilleros Gondán “obriga-se a fornecer adicionalmente 9 (nove) conjuntos modulares de baterias que constituem o Sistema de Armazenamento de Energia a instalar a bordo dos navios a fornecer”. O Tribunal de Contas decidiu chumbar este procedimento, considerando-o lesivo para o interesse público e ilegal.
A polémica estalou depois de o Tribunal de Contas ter rejeitado a proposta da TTSL de comprar as nove baterias à parte e por ajuste directo à Astilleros Gondán. Em síntese, o que a empresa fluvial pretendia fazer agora para resolver a falta de consumíveis para os navios era uma alteração ao contrato original com a Astilleros Gondán para que esta fornecesse também as baterias – contratando-as, por seu lado, à Corvus Energy. Para fazer esta alteração, a TTSL teria de actualizar o valor do contrato – adicionando 15,51 milhões de euros – e para tal iria usar o regime de ajuste directo, alegando trabalhos complementares e a não existência de concorrência à Corvus Energy, tendo em conta que os navios são uma solução costumizada.
Com o ajuste directo, todo o negócio ficaria em cerca de 67 milhões de euros, mais 200 mil euros que se a TTSL tivesse inicialmente comprado as 10 baterias necessárias. Mas, como veremos de seguida, houve mais questões levantadas pelo Tribunal.
Opções de compra | Astilleros Gondán | Estaleiros de Peniche |
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10 navios + 1 bateria | 52,4 milhões de euros | 56,9 milhões de euros |
10 navios sem baterias | 50,8 milhões de euros | 56,1 milhões de euros |
10 navios + 10 baterias | 66,8 milhões de euros | 64,4 milhões de euros |
10 navios + 1 bateria c/ ajuste directo das restantes 9 baterias | 67,0 milhões de euros | – |
O Tribunal e a administração

No acórdão que foi divulgado na quarta-feira dando a conhecer a decisão de não autorizar a alteração contratual e o ajuste directo propostos pela TTSL, o Tribunal de Contas não se poupou na dureza das palavras. Em síntese:
- disse que comprar navios sem baterias “seria, com as devidas adaptações, comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais”. “Na verdade, não se pode sequer falar em navios sem as baterias, como não se pode falar, p. ex., em navios sem motor ou sem leme. Isto porque elas constituem uma parte integrante (ou seja, compõem) desses mesmos navios”, acrescentou;
- referiu que, para “qualquer observador com mínimo de experiência”, encomendar navios sem poderem “cumprir a sua função básica de navegar” –e sem verbas asseguradas para fazer “aquisição futura” dessas baterias – não tem “qualquer explicação razoável”. Se a TTSL estava limitada financeiramente no momento de adquirir os navios, “não diria esse observador com um nível experiência mesmo básica que teria sido melhor comprar menos navios, mas completos? Com as baterias, que lhes permitissem navegar?”, questiona o Tribunal. “É plausível afirmar que se o concurso tivesse por objecto os navios completos – eventualmente em menor número –, o que seria o jurídica e economicamente razoável, sem ter sido adotada a solução de excluir as baterias, economicamente sem justificação, o seu resultado final poderia ter sido diverso”;
- explicou que, em relação à figura de trabalhos complementares que a TTSL alegou para fazer este contrato por ajuste directo, não estão incluídos nesta regime “os casos em que foi o próprio ente público que os [esses trabalhos complementares] excluiu do contrato”. “Ora, foi a entidade [TTSL] que não quis incluir as baterias no concurso de aquisição dos navios quando o poderia ter feito e tinha mesmo verba para isso (comprando menos navios, eventualmente incluindo no contrato um direito de opção a novas unidades, como é comum). A aquisição futura das baterias não só não era imprevisível como foi mesmo prevista”, argumentou o Tribunal de Contas;
- acusou a administração da TTSL de dizer “ao Tribunal de Contas, num curto período de tempo, uma coisa e o seu contrário” e de “faltar à verdade” aos juízes. Disse ainda que, em todo este processo, “o princípio da boa administração foi aqui clamorosamente violado, com consequências sérias para o interesse financeiro público”. Acrescentam que “com a prática de um conjunto sucessivo decisões que são não apenas economicamente irracionais, mas também (…) ilegais, algumas com um elevado grau de gravidade, atinge o interesse financeiro do Estado e tem um elevado impacto social. Que lhe é directa, e exclusivamente, imputável”. Por isso, o Tribunal “ordenará a remessa de certidão do presente acórdão ao Ministério Público, a quem caberá aferir da necessidade de instauração de procedimento tendente ao completo apuramento de tais responsabilidades”;
- não tem dúvidas de que “o contrato de compra dos navios” criou uma “dependência da entidade pública relativamente a um fornecedor” e questionou a subordinação da TTSL a um único fornecedor de baterias, com essa empresa a poder “fixar o preço, dada a dependência económica, pelo período de tempo de vida útil dos navios”, que será de 16 a 22 anos. “A Transtejo diz que decorreu do resultado do concurso. Contudo, quem elaborou o concurso nestes termos, definiu as peças do procedimento e as avaliou, em todas as suas vertentes, foi a Transtejo. E essa solução, objetivamente, tinha potencial para só por si favorecer o concorrente que ganhou o concurso”, entendem os juízes;
- sobre a Corvus Energy não querer vender as baterias à TTSL (os dois procedimentos por ajuste directo que ficaram desertos), escreveu que, “se a Corvus Energy não vende à Transtejo, por que razão o faz só à Astilleros Góndan, S.A., por um preço sempre superior ao dos ajustes diretos, para esta vender à entidade?”. Os juízes rejeitam as justificações dadas pela TTSL sobre o preço do lítio e o valor do dólar, e dizem que, “recorrendo a regras de experiência e de conhecimento, mesmo básico, da realidade empresarial, a resposta só pode ser uma: havendo um intermediário, aumenta o preço”. “Esta dependência atinge claramente os interesses financeiros públicos”, escrevem;
- disse que “a abertura subsequente de um concurso público para a aquisição das (restantes) baterias” seria um processo respeitador dos “princípios estruturantes da contratação pública da igualdade e concorrência, que, de outra forma seriam violados”, em comparação com a alteração do contrato inicial proposto pela TTSL através de um ajuste directo. Apontam que o argumento da “inexistência de concorrência por motivos técnicos” – uma das excepções que as empresas públicas podem alegar nos ajustes directos – “não se verifica aqui”, pois o proposto é a Astilleros Góndan adquirir as baterias à Corvus Energy. “Ora, qualquer empresa pode adquirir bens a outra, ou seja, qualquer outra empresa poderia ter adquirido estas baterias. Não há relação de concorrência assente em motivos técnicos com a Astilleros Góndan, S.A., embora tal possa suceder com a Corvus Energy.”
O acórdão do Tribunal de Contas pode ser lido na íntegra aqui:
Por seu lado, e numa conferência de imprensa marcada em cima da hora na quinta-feira seguinte, o conselho de administração da TTSL respondeu aos juízes. Apresentando a sua demissão, Marina Lopes Ferreira, Presidente demissionária, afirmou que “não nos revemos minimamente naquilo que o Tribunal de Contas diz” e que “o que fizemos foi bem feito, foi razoável do ponto de vista da gestão e que promove o interesse público”. No entanto, “assumimos na totalidade as responsabilidades das decisões que tomamos” e foi, neste sentido, que Marina justificou a decisão de demissão. “Ser gestor público é isto mesmo. É ponderar a informação, decidir e assumir as responsabilidades daquilo que fazemos.”
“Se soubéssemos em 2019 o que sabemos hoje, não teríamos feito tudo igual, mas não sabíamos”, admitiu Marina sobre a decisão de não optar logo pela compra das baterias. “À semelhança do que acontece com algumas marcas de automóveis, procurámos lançar o concurso e assumir as baterias em formato de renting. Nada disto se compara a comprar automóveis sem motores ou bicicletas sem rodas. Compramos casas sem electrodomésticos, por exemplo. Não é nada de outro nível uma bateria ser comprada em separado. São consumíveis”, explicou a responsável. “Nós sabemos que a pandemia é desculpa para tudo”, mas Marina esclareceu que, em 2019, antes da escassez de componentes electrónicas no mercado global e das dificuldades ao nível das cadeias de abastecimento devido à pandemia de Covid-19, era mais vantajoso para o interesse público alugar as baterias.
“Havia dois elementos de grande insegurança. Por um lado, a duração das baterias, que teriam de ser substituídas antes da vida útil do navio, pois estão programadas para durar 7-8 anos. Por outro, a insegurança em relação ao preço das baterias. São um elemento muito caro do projecto e, em 2019, o preço das baterias estava a descer muito. À semana, quase”, declarou aos jornalistas a administradora demissionária. “Decidimos lançar só com um pacote de baterias para ter a certeza de que funcionava e o resto íamos comprar mais à frente para tentar optimizar e capitalizar para o interesse publico a queda do valor.” Acrescentou que as baterias “não são equipamentos que se compram no retalho. São feitos à medida para os navios”, salientou. “Estes navios e estas baterias foram concebidas em conjunto.”

“Sempre pautei o meu comportamento pelo interesse público. Considero muito ofensivas e ultrajantes as afirmações do Tribunal de Contas”, afirmou a presidente demissionária da TTSL. “Lamento profundamente que o respeito que temos pelo Tribunal de Contas não seja minimamente reciproco. Na sua interpretação dos documentos, conta uma história diferente daquilo que se passou. É da vida. Iremos procurarmos defendermos das afirmações do Tribunal de Contas com os meios que temos a disposição.”
Em jeito de despedida, Marina Lopes Ferreira desejou que o “futuro seja mais calmo” para os “passageiros da Transtejo que tanto têm sofrido”; lamentou que não seja possível prosseguir o plano de modernização da frota. “Admito que agora possam haver atrasos. A primeira ligação a ter os novos barcos seria a do Seixal. Só iríamos meter os barcos a funcionar quanto tivéssemos três ou quatro, ou seja, até ao final do ano”, explicou, acrescentando que a primeira embarcação a chegar – aquela que tem bateria incluída – permitiria à empresa também rever os horários para estudar como iria reforçar a oferta.
“Penso que agora terá de haver um concurso público. É esse o caminho que o Tribunal de Contas aponta”, referiu Marina, explicando que essa é tarefa para a nova administração. “Gostaria muito de ver os navios a fazer as ligações do Seixal até ao final do ano”, sendo que, para a responsável demissionária, “nove, oito meses parecem razoáveis” para a realização do concurso público. “Eventualmente será razoável, mas depende sempre de quem está do outro lado [as empresas que concorrente] e de como irão reagir.”
Segundo a agora ex-administradora, os barcos que a Astilleros Gondán está agora a construir para o cumprimento dos prazos de entrega até ao final do ano só poderão ser entregues com as baterias. O que significa que o calendário da modernização da frota poderá atrasar-se. “Nós tínhamos um plano e fizemos as coisas de uma forma pensada e ponderada. Estou triste. As coisas acabam, mas eu gostaria que terminassem de outra maneira”, rematou.
O futuro
Neste momento, a TTSL tem em suas mãos apenas um dos 10 navios encomendados aos estaleiros espanhóis. Baptizado de Cegonha-Branca, a embarcação chegou ao Porto de Lisboa neste fim-de-semana, após uma viagem que começou no Porto de Avilés, Espanha. O Cegonha-Branca foi levado para as instalações da empresa em Cacilhas, onde fará a sua primeira ligação a terra para carregamento de energia, sob acompanhamento de equipas técnicas especializadas. Durante esta semana, o navio fica disponível para vistorias técnicas, por parte da DGRM – Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, fase à qual se segue o processo de legalização, em que se destaca a emissão do certificado de navegabilidade e do registo do título de propriedade. De seguida, vai iniciar-se um processo de formação das várias tripulações da TTSL.
Paralelamente à construção dos próximos três navios, cuja chegada a Lisboa está prevista para o final deste ano, encontra-se em curso a construção das modernas estações de carregamento nos terminais fluviais do Seixal, do Cais do Sodré, de Cacilhas e do Montijo, que proporcionarão o carregamento rápido dos navios, durante as operações de tomada e largada de passageiros. Prevê-se a conclusão destas infra-estruturas de carregamento durante o segundo semestre deste ano. Até lá, durante a fase de formação das tripulações, será utilizado o sistema de carregamento instalado na doca localizada em Cacilhas.
Contudo, tudo agora depende do futuro conselho de administração da TTSL. O jornal ECO avança que o Governo estará a considerar fundir a Transtejo e a Soflusa, duas empresas que operam em conjunto os barcos no rio Tejo, mantendo não só a mesma administração, como o mesmo departamento de marketing e comunicação conjunto. Em cima da mesa de Duarte Cordeiro, o Ministro do Ambiente, que tutela a TTSL, estará também passar a empresa fluvial para a alçada dos municípios através da Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML).