A operadora ferroviária espanhola Renfe está a pensar em serviços diários na Linha do Norte para a Corunha, e em ligações entre Lisboa, Porto e Madrid. Para já, são planos ainda preliminares, mas a vontade de a Renfe expandir para Portugal é praticamente certa.
A operadora pública espanhola Renfe está a planear uma expansão para Portugal, aproveitando a liberalização do mercado ferroviário de passageiros, que foi concretizada em toda a União Europeia no início de 2019 e que no caso português ainda não foi aproveitada por nenhuma empresa. Segundo o jornal La Información, a Renfe pretende começar a operar os seus comboios em território português, ligando cidades como Lisboa e Porto não só a Madrid como a outras centralidades espanholas, e complementando a oferta potencial da CP.
Lisboa, Porto, Corunha, Madrid
As intenções são ainda preliminares. De acordo com o mesmo jornal, o plano da Renfe tem como horizonte o ano de 2027 e passa por conectar a costa atlântica portuguesa – o que inclui cidades como Lisboa, Porto e Coimbra – a Espanha, nomeadamente à capital, Madrid, e à Corunha. Uma das principais rotas em estudo, aliás, ligaria Lisboa e Porto, e terminaria na Galiza, na Corunha, passando por Santiago de Compostela, Pontevedra e Vigo; esta rota, que já tinha sido avançada pelo El Economista, teria frequências diárias e colocaria a Renfe a competir directamente com a CP naquela que é a coluna vertebral da rede ferroviária portuguesa, a Linha do Norte, servida por comboios Alfa Pendular e Intercidades.
De acordo com o La Información, a Renfe está a estudar também serviços diários entre Porto e Madrid, passando pela Guarda (Linha da Beira Alta) e por Salamanca; e entre Lisboa e Madrid, passando por Évora e Badajoz, de forma a aproveitar não só a Linha do Alentejo mas também a nova linha ferroviária que Portugal está a construir entre Évora, Elvas e a fronteira espanhola. Neste momento, a operadora espanhola pode vir a usar dois modelos diferentes de comboios: um eléctrico para as ligações onde toda a infraestrutura está electrificada, e um híbrido (funciona a diesel e a energia eléctrica) para percursos não electrificados.
Para adaptar parte do seu material circulante às exigências técnicas da infraestrutura ferroviária portuguesa, a Renfe prevê investir 15 milhões de euros. A empresa espanhola precisará de resolver dois obstáculos: um ao nível da tensão eléctrica [Portugal usa uma tensão de 25 kV em corrente alternada e Espanha usa de 3 kV em corrente contínua; segundo o La Información, esta situação ficará resolvida quando a Adif, a “IP espanhola”, executar as electrificações pendentes nas ligações ferroviárias de Salamanca e do sul de Vigo, previstas para os próximos anos]; o outro relacionado com a sinalização [Portugal usa o antiquado sistema de sinalização Convel, para o qual já não existem peças sobressalentes; um consórcio de operadores privados lançou um projecto para traduzir o Convel num outro sistema denominado ERTMS, o padrão para toda a Europa, mas só estará pronto, no mínimo, em 2025].
Ainda é só uma ideia
O La Información refere que todo este projecto de expansão para Portugal está em fase de concepção, aberto a discussões e que ainda não foi formalmente aprovado. A mesma informação disse a Renfe ao jornal Público: “é uma apresentação ou plano teórico (mais um entre os muitos que se fazem na empresa) para contemplar vários cenários”, não havendo nenhum plano de actuação aprovado. No entanto, o Público avança que a operadora espanhola lançou um concurso público para um contrato de assessoria destinado a preparar, junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), o certificado de segurança que lhe permitirá operar na rede portuguesa; e tem um protocolo com Instituto Camões para ensinar português aos maquinistas espanhóis que venham a conduzir comboios em Portugal.
A Renfe, como nota o Público, já se internacionalizou em França, com ligações entre cidades espanholas e francesas; e opera noutros países europeus e americanos através de subsidiárias independentes. Isso significa que a estratégia de expansão para Portugal encaixa no modelo de operação da empresa noutras geografias.
CP e B-Rail
Por cá, a CP tem em curso a compra de 117 novos comboios – 62 para os serviços urbanos e 55 para os serviços regionais – e, no futuro próximo, precisará de adquirir novos comboios para os serviços de longo curso. Para tal, precisará também que a sua histórica dívida de 2,1 mil milhões de euros seja sanada, como está previsto no Orçamento de Estado para este ano. O futuro da operação da CP dependerá também dos investimentos em infraestrutura a cargo da IP, nomeadamente a nova linha de alta velocidade entre Lisboa e Porto, calendarizada para 2030.
A operadora ferroviária espanhola Renfe não é a única interessada na Linha do Norte e na rede ferroviária portuguesa. A Barraqueiro, dona da Fertagus, pretende através da sua empresa B-Rail, já constituída e com licença para operar, assegurar ligações de passageiros de longo curso. Segundo o jornal Público, a B-Rail pediu à IP 24 canais horários na Linha do Norte, entre Lisboa e Porto, mas a empresa pública gestora da ferrovia só podia disponibilizar 10; por isso, a B-Rail resolveu adiar a sua estreia para 2029, quando já estiver concluído o primeiro troço da alta velocidade entre Porto e Soure, perto de Coimbra. O serviço da B-Rail teria 315-390 lugares e faria paragens em Campanhã (Porto), Aveiro, Coimbra, Oriente (Lisboa) e Sete Rios (Lisboa), com alguns serviços prolongados a Braga ou a Faro.