A Lagoa de Albufeira, em Sesimbra, foi reaberta ao mar pela terceira vez este ano, devido ao assoreamento que tinha voltado a bloquear a ligação com o mar e a impedir a renovação da água. Para resolver o problema de forma mais permanente, será criado em 2025 um canal mais profundo e largo entre a lagoa e o mar, atendendo às fortes reivindicações da população e da Câmara de Sesimbra.
Era sexta-feira à tarde e o sol já estava a baixar, mas ainda há calor para aproveitar. Na Lagoa de Albufeira, em Sesimbra, dezenas de crianças e jovens entregavam-se à força da água do mar que entrava e saía da Lagoa num ritmo frenético. Havia mergulhos de alegria, corridas pela areia e brincadeiras com bóias e pranchas. A água salgada invadia a Lagoa com tal intensidade que mais pareciam rápidos, proporcionando um verdadeiro parque de diversão natural.
O dia era mesmo de felicidade. A Lagoa de Albufeira tinha acabado de ser aberta ao mar, pela terceira vez este ano. Após uma abertura tardia em Junho, já em plena época balnear, e outra em Julho, a areia tinha voltado a bloquear a ligação com o mar, impedindo a renovação da água da lagoa. A terceira reabertura, concluída nessa sexta-feira, 23 de Agosto, foi uma obra que a população e a Câmara Municipal reivindicavam há quase um mês. Populares e autarquia tinham pedido ainda uma intervenção maior que criasse um canal mais profundo entre a Lagoa e o mar de modo a tornar essa ligação mais permanente e robusta – algo que a Ministra do Ambiente e Energia, numa visita ao local, prometeu concretizar antes da próxima época balnear, em 2025.
“Esta lagoa tem que ser aberta todos os anos ao mar. Mas com o processo eleitoral, o processo de abertura da Lagoa de Albufeira ao mar atrasou e tivemos de fazer três intervenções. Esta é a terceira e foi completada esta manhã mas as máquinas vão ficar mais uma semana, como o senhor Presidente da Câmara nos pediu”, explicou Maria da Graça Carvalho aos jornalistas e também aos muitos populares que, nessa sexta-feira, se mobilizaram para receber a Ministra. “Mas é urgente fazer uma solução mais definitiva e a boa notícia que trago é que conseguimos financiar essa intervenção pelo Programa Operacional Sustentável 2030, que tem uma linha de financiamento para o litoral. Já há projecto da APA [Agência Portuguesa do Ambiente] e já tem estudo de impacto ambiental; e, portanto, pode avançar imediatamente”, detalhou a responsável, explicando que, se tudo no concurso público correr bem, a intervenção “não vai interferir com a próxima época de balnear”.
Excesso de areia na Lagoa
Situada para lá da Fonte da Telha, já no concelho de Sesimbra, a Lagoa de Albufeira é uma zona balnear muito procurada não só para fazer praia, mas também para desportos náuticos e para a aquacultura de mexilhão. A renovação da água da Lagoa é crucial para estas actividades mas também em termos ambientais. Só que naturalmente a areia que muitas vezes falta a norte da Fonte da Telha, há em excesso a sul, levando a que a ligação da Lagoa ao mar feche naturalmente todos os anos, depois do Verão. E todos os anos, antes do Verão, essa ligação é reaberta através de restroescavadoras.
A reabertura anual da Lagoa ao mar– processo também conhecido como desassoreamento, porque tem a ver com retirar areia – continuará necessária mesmo após a obra do próximo ano. O objectivo dessa empreitada é solucionar os problemas crónicos de assoreamento (isto é, de acumulação e areia) e melhorar o canal de ligação, tornando-o mais profundo e simplificando, assim, o processo anual de desassoreamento (de retirada de areia). Esta manutenção do canal entre a Lagoa e o mar será inevitável todos os anos devido à dinâmica das marés e às alterações climáticas, conforme destacou a Ministra. “As alterações climáticas têm consequências reais. Temos de estar preparados”, disse Graça Carvalho. “A erosão da costa é uma delas e estamos a fazer uma operação enorme em várias praias ao longo da costa de injecção de areia. Mas outras praias têm mais areia, como esta. Portanto, há que cuidar do litoral e isso exige financiamento.”
“Há uma nova dinâmica que está a acontecer na lagoa, muito daquilo que é o impacto das alterações climáticas. E o que é? A lagoa tem menos água, pelo que tem menos capacidade de empurrar a areia para o mar, e portanto, há uma tendência para aumentar o assoreamento”, consolidou José Pimenta Machado, Vice-Presidente da APA, aos jornalistas. O responsável adiantou que a intervenção que vai ser feita antes da próxima época balnear será “uma abertura mais robusta, um canal mais largo, com um cota mais profunda, para esta relação entre a lagoa e o mar, seja mais perene”. “Estamos a trabalhar empenhadamente para submeter a candidatura, e vamos esperar que seja aprovada rapidamente, para lançar o concurso para a empreitada”.
Essa intervenção, que será levada a cabo pela APA em concertação com a Câmara de Sesimbra, vai arrancar já em meados de Outubro, com trabalhos de monitorização, seguindo-se depois a obra de ligação da Lagoa ao mar, que terá início em meados de Março de 2025. A papelada avançará rapidamente. “A APA vai já submeter todos os elementos para ter já o financiamento e pode lançar o concurso o mais rapidamente possível”, garantiu a Ministra do Ambiente e Energia.
Três reaberturas este ano
As operações de reabertura da Lagoa de Albufeira ao mar são responsabilidade da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), mas já foram feitas no passado pela Câmara de Sesimbra por autorização desta entidade. Este ano, após os trabalhos de alguns dias de preparação, uma primeira abertura ocorreu a 25 de Junho. Devido ao assoreamento natural, foi necessária uma reabertura a 11 de Julho. No entanto, o canal aberto pela APA voltou a fechar, o que motivou uma ampla contestação da população e da Câmara de Sesimbra desde meados de Julho até à terceira reabertura concluída agora.
A 27 de Julho, o Presidente da Câmara, Francisco Jesus, chegou a participar num protesto organizado por moradores da Lagoa de Albufeira. Além do protesto, o Município e também a Junta de Freguesia do Castelo – na qual recai território da Lagoa – também promoveram um abaixo-assinado, subscrito por milhares de residentes, e no qual se pedia a solução mais permanente agora anunciada pela Ministra. Abaixo-assinado que continuou a circular, mesmo assim, pela população, que, mesmo já tendo a promessa, quer continuar a fazer pressão política. Porfírio Tomé e a esposa, um casal emigrado em França, e que tem casa na Lagoa para férias, foram dois dos novos subscritores. “Nos anos 80, isto era tudo muito diferente”, disse Porfírio ao LPP. “A abertura da Lagoa era lá em cima, ao pé daquele restaurante, o Princípe”, explicando que a ligação entre a Lagoa e o mar caminhou de sul para norte. “Cada vez há mais areia. Metem areia na Costa da Caparica e ela vem toda para aqui. Vem toda para aqui”, lamentou.
Sandra Saraiva, também subscritora do abaixo-assinado e uma das promotoras do mesmo, concordou e explicou que “o que nós queremos não é abertura que tem que ser feita todos os anos, mas a solução para o problema que decorre deste excesso de areia e da má abertura da lagoa. Houve uma série de intervenções que não foram feitas”. Tal como Porfírio, Sandra tem na Lagoa uma casa para férias e fins-de-semana, mas não é por isso que não deixa de estar ligada a este território. “Isto para mim é minha segunda terra.” A popular lamentou que o desassoreamento tenha atrasado tanto este ano. “Este ano abriram nos finais de Junho, o que nunca tinha acontecido”, disse. “Há muitos anos, abriram na sexta-feira santa, mas depois como aparecia muita gente e havia pessoas que às vezes quase se afogavam, decidiram atrasar um bocado. Começou a ser em Abril ou Maio. Mas finais de Junho foi inédito”, explicou, mostrando-se pessimista com mais uma solução provisória. “Acho que não vai resultar, porque é demasiada areia e a ligação tem pouca profundidade.”
Gonçalo, tem 19 anos, estuda engenharia geológica na FCT e passa férias na Lagoa. “Esta é a nossa casa de férias e eu costumo vir aqui ver a abertura da lagoa.” Ao ver a comitiva da Ministra em direcção à abertura da lagoa, decidiu ir a correr atrás desta. “Vim aqui também para ver a Ministra”, confessou; mas o tema do assoreamento e desassoreamento também lhe toca: “Já estamos quase na final da época balnear quando eles voltaram a abrir aqui a lagoa. Cada vez mais eles têm atrasado a abrir, a qualidade da água piora e o próprio cheiro da água, sente-se mesmo cheiro nauseabundo”, argumentou.
Os maus cheiros foram outra das queixas da autarquia e da população. A APA garante que monitorizou activamente a qualidade da água, com recolhas de amostras realizadas em várias datas, cujos resultados indicaram que as águas balneares se mantiveram próprias para a prática balnear, conforme os padrões legais vigentes. Isso mesmo explicou José Pimenta Machado. “Nós aumentamos a frequência das análises” para uma base semana, fazendo análises à água, quer na lagoa, quer no mar. “A água no mar está óptima, na lagoa também está boa. É essa a garantia da APA”, disse. Sobre os maus cheiros reportados, o responsável da APA garantiu que resultam “das algas que estão depositadas na margem e que fazem aquele cheiro”. “Agora há menos. Vamos também agora trabalhar com o Município para fazer uma recolha das algas e retirar assim a causa dos maus odores. Mas quero que isto fique claro: a água tem qualidade”, acrescentou Pimenta Machado.
Para o Presidente da Câmara de Sesimbra, o arranque da empreitada de fundo para criar um canal mais amplo entre a Lagoa de Albufeira e o mar é “uma grande notícia” e o culminar de uma forte pressão de todos. “Sabemos que os processos de contratação pública têm seus tempos e que, às vezes, há alguma incompreensão pública sobre esses tempos”, deixou a ressalva, acrescentando que “saber que avançará antes da próxima época balnear é a melhor notícia que podíamos receber para a Lagoa da Albufeira e para a sustentabilidade deste ecossistema”.