A Zona Franca dos Anjos foi obrigada a sair do rés-do-chão que ocupava há mais de uma década. A senhoria não quis renovar o contrato, que tinha terminado em Dezembro de 2024 – uma decisão à qual a associação estava a tentar resistir. A fechadura foi mudada nesta terça-feira.

É uma freguesia que vai ficando sem o seu tecido associativo. A Zona Franca dos Anjos foi despejada nesta terça-feira, 7 de Outubro, depois de ter estado a resistir, desde o início deste ano, no espaço que ocupava nos Anjos, em Arroios. O contrato de arrendamento tinha terminado em Dezembro de 2024 e a senhoria não quis renová-lo, mesmo depois de a associação ter proposto um aumento na renda. A colectividade não quis sair, o que motivou a saída forçada.
O despejo aconteceu na manhã desta terça-feira quando quando estava apenas uma pessoa nas instalações da Zona Franca dos Anjos, a tratar do habitual almoço da cantina social, como relata o jornal Público. A senhoria, acompanhada de um agente de execução e munida de uma ordem de despejo, bateu à porta. A fechadura foi, instantes depois, mudada e o acesso ao interior ficou bloqueado, refere o jornalista Samuel Alemão, que esteve no local.
“Fomos despejadas”

“Hoje chegámos à vossa Zona Franca e a senhoria, acompanhada de agente de execução, mudou a fechadura do espaço. Temos 15 dias para tirar tudo de lá de dentro. Acabou a Zona Franca nos Anjos? Precisamos da vossa ajuda, de ajuda legal, moral!”, pode ler-se num comunicado da colectividade nas redes sociais. Entretanto, por cima do número 42 da Rua de Moçambique, foi estendida uma tarja na qual se pode ler: “Fomos despejadas”.
O despejo era iminente. E a Zona Franca dos Anjos sabia-o. Há exactamente um ano, também a 7 de Outubro, a associação comunicava nas redes sociais o fim do seu contrato de arrendamento. “Após 12 anos de resistência, a nova senhoria não vai renovar o contrato de arrendamento, colocando em risco a continuidade deste espaço de criação, partilha e comunidade”, publicou, anunciando a realização de uma assembleia aberta para discutir o futuro. “Precisamos de todas e todos para pensar soluções, alternativas e lutar pelo que construímos ao longo de todos estes anos. É fundamental garantir que este projecto de solidariedade e cultura pode continuar.”
Segundo noticiou a Lusa na altura, o colectivo tentou negociar o contrato e estava disposto a pagar uma renda de mil euros (a actual era de 763,55 euros) e a fazer obras de melhoria do espaço, que, segundo a presidente da associação, Patrícia Azevedo, estava “bastante segregado”. Mas a nova senhoria, filha da anterior, “não se mostrou interessada”, adiantou a mesma responsável. Ao Público, Isabella Permanschlager, uma das voluntárias e associadas da Zona Franca, , disse que mais recentemente tentaram fixar uma renda de 1500 euros mensais. Mas esta proposta continuou sem acolhimento da outra parte.
Senhoria diz que quer o espaço para si

A senhoria do imóvel garantiu ao jornalista Samuel Alemão, do Público, que informou com quase um ano de antecedência os inquilinos da sua intenção de não renovar o contrato, que terminou, assim, em Dezembro de 2024. Desde então que a associação está a ocupar indevidamente o rés-do-chão do número 42 da Rua de Moçambique.
“Comuniquei a uma das pessoas da associação, logo em Janeiro desse ano (2024), que não estaria interessada no prolongamento da relação contratual. Isso foi-lhes dito com toda a antecedência. Em Janeiro próximo, faz dois anos que foram avisados”, explica a proprietária, que pediu anonimato ao Público. “Eles disseram-me que iam resistir.” A acção de despejo desta terça-feira resultou de uma notificação prévia de 22 de Abril. A senhoria disse ao Público que quer o espaço para si, não desenvolvendo mais.
Resistência cívica
Durante pelo menos nove meses, a Zona Franca dos Anjos conseguiu resistir e continuar a sua actividade no bairro. A cantina social, em que oferece refeições diárias a baixo custo a quem queira lá comer, é uma das principais iniciativas da associação, que se move à base de voluntariado. Mas a colectividade também acolhe conversas, concertos, exibição de filmes, oficinas e outros eventos direccionados para a comunidade local, na maioria dos casos, de entrada gratuita ou sob donativo livre. “Estamos a prestar um papel social muito importante: damos palco a artistas sem espaço noutras salas”, referia Patrícia Azevedo à Lusa há um ano.
A Zona Franca é um ponto de encontro e de activismo sobre habitação, funcionando como espaço de resistência cívica contra a gentrificação e as dinâmicas do setor imobiliário. Isto numa freguesia que tem vindo a perder algum do seu tecido associativo nos últimos anos, como a Sirigaita (que está sob ameaça de despejo desde 2023), a Casa Independente ou o Largo Residências, que saiu do Intendente para o Quartel até encontrar, em 2024, uma casa (ainda que temporária) nos Jardins do Bombarda.
Para Isabella Permanschlager, o despejo consumado nesta semana “encaixa perfeitamente neste rumo negativo que a cidade está a ter, nos últimos anos, com a marginalização crescente das pessoas que vivem e trabalham na cidade”, disse ao Público. “Isto é uma grande tristeza. Gera uma raiva que assim seja, que pessoas que têm vários prédios nos despejem assim, porque ainda querem ganhar mais dinheiro”, disse a voluntária, lamentando falta de opções para uma nova morada. “No mercado imobiliário, tal como está agora, é totalmente impossível.”
Se rendas até 1500 euros podem existir na cidade, o problema é que a atividade da Zona Franca se desenvolve numa zona específica, o que limita – ou mesmo impossibilita – o leque de opções. O futuro da colectividade é, para já, incerto. Os pertences têm de ser retirados no prazo de 15 dias, de acordo com a nota de despejo afixada.
Nesta terça-feira, uma onda de solidariedade correu as redes sociais e culminou num piquenique com amigos e vizinhos junto às instalações da associação.
Ana Jara, actual vereadora e candidata pela CDU à Câmara de Lisboa (na lista encabeçada por João Ferreira), e João Jaime Pires, ex-director do Liceu Camões e candidato independente à Junta de Arroios pela coligação Viver Lisboa (PS/Livre/BE/PAN), mostraram-se empáticos com a luta estabelecida pela Zona Franca dos Anjos. Ambos os candidatos estiveram presentes no local e fizeram publicações nas redes sociais.












