A Câmara de Oeiras está a olhar para o BRT (ou Metrobus) como uma oportunidade para concretizar a sua estratégia de mobilidade. A autarquia quer criar um corredor de autocarros rápidos na A5, e outro a ligar Algés, Miraflores, Linda-a-Velha e Carnaxide aos concelhos de Lisboa e da Amadora. Quer também adaptar o SATUO para o modo rodoviário, conectando as linhas de Sintra e de Cascais.

Oeiras quer mudar o paradigma de mobilidade no concelho e, em parte, usar a infraestrutura rodoviária já existente para isso. Criar, de uma vez por todas, um corredor BUS na A5, reactivar o SATU com um novo modelo rodoviário e concretizar o LIOS, que em vez de eléctrico poderá ser BRT, são os três grandes projectos estruturantes que a autarquia liderada por Isaltino Morais ambiciona implementar no concelho.
“Oeiras deixou de ser uma inexistência na Grande Lisboa. De um dormitório, onde cinco mil famílias viviam em barracas, Oeiras é, 40 anos depois, um Município que tem uma visão, que tem objectivos estratégicos e que um planeamento a longo prazo”, disse Joana Baptista, Vereadora da Mobilidade de Oeiras, na apresentação da estratégia de mobilidade do concelho. “Oeiras não planeia a quatro anos.”
A apresentação decorreu no Templo da Poesia, no Parque dos Poetas, no início de Novembro. A estratégia revelada é o resultado do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) que a autarquia apresentou em 2023. “Sabemos a dificuldade que é circular na Grande Lisboa e de sair de nossas casas. 60 mil pessoas entram em Oeiras todos os dias, outras tanta que saem do nosso território para concelhos vizinhos. Isto leva-nos a uma grande responsabilidade”, comentou Joana Baptista, referindo que a estratégia de Oeiras “não se restringe só ao concelho, sendo uma estratégia metropolitana. Pensar menos que isso seria redutor, temos de ter uma visão mais ampla e abrangente”.
Para a autarca, “a apresentação do PMUS foi importante, mas temos de chegar ao tempo da concretização. Temos objectivos estratégicos e não podemos adiar mais”.
O “cardinal” de Oeiras
A Câmara de Oeiras já tinha levantado o véu em relação ao cardinal e à relação deste símbolo com a estratégia. No fundo, o plano passa por dividir o concelho em dois eixos verticais e dois eixos horizontais, que se encontram como um cardinal. E que eixos são esses? Uma das linhas horizontais é a Linha de Cascais, que está resolvida. A outra é a A5. “Já é constrangedor a autoestrada com maior volume e receita do país não ter qualquer outra estruturante nos últimos 40 anos”, disse a Vereadora da Mobilidade de Oeiras. “Entre Lisboa, Cascais e Oeiras, está metade do PIB do país. Como é que é possível, nestes 30 anos, nada ter sido feito na autoestrada que liga estes três concelhos?”

A proposta da autarquia oeirense não é nova: criar um corredor BUS em toda a extensão da A5, que ajude a servir, dessa forma, a parte norte do concelho, como Linda-a-Velha, Carnaxide, Queijas, Barcarena ou Porto Salvo, onde existe uma elevada densidade de população e de emprego. Um corredor BUS serviria as muitas linhas da Carris Metropolitana que percorrem a A5 e constantemente vão ficando presas no trânsito da autoestrada. Contudo, mais do que um corredor BUS, a Câmara de Oeiras fala agora na vontade de criar uma linha própria de BRT na auto-estrada entre Lisboa e Cascais.
O BRT (Bus Rapid Transit) é um sistema de transporte colectivo baseado no uso de autocarros em corredores exclusivos ou prioritários. O BRT é, por vezes, apelidado de “Metrobus” porque os autocarros neste modelo circulam com uma linha clara, directa e rápida como se de um metro de superfície se tratasse. O BRT é particularmente popular na América do Sul, resolvendo um grande problema associado aos autocarros: a percepção (real, muitas vezes) de que ficam presos no trânsito e de que têm rotas confusas ou às voltas. No Porto, há uma linha de BRT já construída entre a rotunda da Boavista e Serralves, com entrada em operação prevista para este ano. Em Coimbra, o Metro Mondego promete assegurar de novo as ligações entre a “cidade dos estudantes” e a Lousã, mais de 10 anos depois de ter sido desactivado o comboio com o projecto inviável de construir no seu lugar um sistema de metro ligeiro semelhante ao Metro do Porto.
Oeiras quer avançar em força com o BRT e criar linhas de transporte público em sítio próprio que aproveitem as infraestruturas rodoviárias do concelho, como a A5. “Se quem deve fazer [o corredor BUS/BRT] que é o Governo e a Brisa não fazem, então transfiram a autoestrada para Oeiras, que Oeiras tem capacidade para fazer o que nunca foi feito”, referiu Joana Baptista, considerando a A5, como está hoje, a servir apenas o transporte individual, “um problema estruturante na mobilidade da Grande Lisboa”.
SATUO, também como BRT

Semi-novidade é a vontade que a Câmara de Oeiras tem de reactivar o SATUO, dando-lhe um âmbito rodoviário. Na apresentação da estratégia de mobilidade do concelho, Joana Baptista confessou que o SATU foi “inaugurado precocemente em 2004”, mas considera-o agora um “projecto estruturante para o desenvolvimento de Oeiras e para colmatar um problema grande que é a falta de ligação ferroviária entre Oeiras e Sintra”, o que pode ajudar a alimentar as empresas que entretanto se fixaram entre esses dois eixos.
Um novo traçado para o SATU esteve a ser estudado, estando previsto que esta linha venha a ter 10 quilómetros de extensão e 15 paragens, ligando as estações de comboio de Paço de Arcos, na Linha de Cascais, e de Massamá-Barcarena, na Linha de Sintra. A ideia passa por aproveitar o viaduto existente entre Paço de Arcos e o centro comercial Oeiras Parque, adaptando-o para a circulação de autocarros eléctricos; a partir do Oeiras Parque, o traçado deverá desenvolver-se em via dedicada ao nível do solo, com um melhor enquadramento urbano e paisagístico em relação ao que significaria prolongar o viaduto.
Mais importante, o SATU irá dar resposta a uma ligação muito procurada na área metropolitana de Lisboa em termos de deslocações: o eixo entre transversal entre as linhas de Cascais e de Sintra, passando pelos maiores parques empresariais do concelho – Quinta da Fonte, Lagoas Park e Taguspark. Estimam-se 30 mil passageiros por dia numa perspectiva a 10 anos, segundo a autarquia de Oeiras.
De “monocarril” a BRT

O Sistema Automático de Transporte Urbano de Oeiras (SATUO) foi um sistema ferroviário de transporte de passageiros, não tripulado, que funcionou entre 2004 e 2015. Nasceu na febre do monocarril; aliás, a inspiração terá sido o monocarril de Sidney. Percorria pouco mais de que um quilómetro e três estações: a dos Navegantes, junto à estação de comboio de Paço de Arcos; a da Tapada, a meio do percurso, servindo o bairro da Tapada do Mocho; e a do Fórum, colado ao Oeiras Parque.

O projecto do SATUO foi lançado por Isaltino Morais num dos seus primeiros mandatos à frente da Câmara de Oeiras; e a construção resultou de uma parceria entre a autarquia e a construtora Teixeira Duarte, responsável também pela promoção e construção do Lagoas Park. O grande objectivo era fazer o SATUO chegar a este centro empresarial – seria a segunda fase do projecto, que acrescentaria mais um quilómetro ao projecto e que estaria prevista para 2005. Nunca chegou a ser feita, como também ficaram por fazer as eventuais terceira e quarta fases, que prolongariam o sistema ao Taguspark ou a São Marcos.
A exploração do SATUO foi feita pela empresa municipal SATUOeiras, detida em 51% pela Câmara e em 49% pela Teixeira Duarte. O projecto saiu do papel com cerca de 23 milhões de euros da construtora, a maior do país, e fazer todo o traçado até ao Lagoas Park deveria ficar pelos 43 milhões. No entanto, a SATUOeiras acabou por ser extinta em 2015 e o serviço suspenso – a empresa acumulava, nesse ano, uns 42 milhões de euros em prejuízos, segundo contas apresentadas pelo Público.
Em 2017, Isaltino Morais era reeleito Presidente da Câmara de Oeiras e lançou a promessa de reabrir o SATUO e de concluir a sua expansão até ao Lagoas Park e Taguspark; mas, depressa, o compromisso mudou para estudar melhor o assunto. Foi isso que a autarquia andou a fazer nos últimos anos, com o envolvimento da sua empresa municipal de mobilidade, a Parques Tejo, e das consultoras por esta contratadas, a TIS, AMB and the Transitory Journey. No total, os estudos de viabilidade, procura e traçado sobre o futuro do SATUO, encomendados entre 2022 e 2023, custaram mais de 210 mil euros. A este bolo é preciso soma cerca de 20 mil euros investidos pela Câmara de Sintra num estudo prévio.





Certo é que o SATUO é mesmo para avançar dentro da nova estratégia de mobilidade do concelho. Ao jornal Mensagem de Lisboa, Joana Baptista, que em 2004, como agora, já tinha o pelouro da mobilidade, admitia recentemente que o sistema “foi inaugurado prematuramente”. “A minha convicção clara é que o SATUO nunca, em tempo algum, deveria ter sido inaugurado numa extensão de 800 metros”, afirmou a autarca, salientando que a distância de um quilómetro entre Paço de Arcos e o Oeiras Parque, facilmente percorrida a pé, “não garante o desempenho funcional [do sistema]. Não há massa crítica para responder àquele sistema de transporte”. Na mesma entrevista, a Vereadora da Mobilidade defendeu que o SATUO “foi bem pensado do ponto de vista estratégico”. “Estamos a falar de um sistema de transporte que liga duas linhas ferroviárias, passando pelos parques empresariais e, portanto, a narrativa é a certa e nós não abdicamos dela”he underlined.
Na fase de estudo desta nova vida do SATUO, foram avaliadas duas grandes variáveis: por um lado, se o sistema ligaria à estação de Agualva-Cacém, como inicialmente previsto, ou a Massamá-Barcarena; por outro, se seria reconvertido para o sistema de metro ligeiro ou eléctrico, ou se se optaria por um sistema de autocarros eléctricos rápidos. Acabou por ganhar o BRT e Massamá-Barcarena.

A reactivação do SATUO no novo modelo rodoviário deverá precisar de um investimento de 70 milhões de euros e é um projecto para ficar concluído em 2029. O plano passará por garantir primeiro a ligação entre a estação de comboios de Paço de Arcos e o Lagoas Park, em Porto Salvo, e depois levá-lo até ao Taguspark e, por fim, à Linha de Sintra. Com a primeira fase concluída, isto é, a ligação ao Lagoas Park, a procura prevista situa-se na ordem das cinco mil viagens diárias, de acordo com a Mensagem de Lisboa. Quando chegar chegar a Massamá-Barcarena, a procura estimada é de 30 mil viagens diárias. Os veículos – autocarros eléctricos – poderão ser bidireccionais para evitar a necessidade de inversão de marcha, que não é possível na estação dos Navegantes/Paço de Arcos.
A concretização uma ligação entre a Linha de Cascais e a Linha de Sintra está prevista pela autarquia de Oeiras desde o Plano Diretor Municipal de 1994. Está também no Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT AML). É um eixo que terá procura. O SATUO falhou porque nunca foi concretizado na totalidade. O sistema tinha uma média de 550 passageiros diários. Nas horas de ponta, tinha uma frequência de quatro em quatro minutos e, fora destes horários, podia ser chamado como um elevador. Cada carruagem tinha capacidade para uma centena de pessoas e oito lugares sentados apenas, mas, em média, transportava duas pessoas.
O curto percurso contratavas com o tarifário pedido. Em 2015, um bilhete de ida e volta para viajar entre Paço de Arcos e o Oeiras Parque, para percorrer um quilómetro, custava 1,65 €. Um bilhete do mesmo valor permitia viajar, em 2023, em toda a rede da Carris e do Metro de Lisboa durante uma hora. Um bilhete só de ida ficava a 1,15 €, um bilhete diário ilimitado ficava a 2,85 € e um bilhete de 20 viagens ficava a 10,25 €. Não havia qualquer passe combinado do SATUO com a CP, os autocarros ou outro serviço de transporte. Naturalmente que, se existisse hoje, o SATUO estaria dentro do passe Navegante.


Oeiras quer o LIOS com autocarros
O SATU é uma das linhas verticais do cardinal que simboliza a estratégia de mobilidade de Oeiras. A outra linha vertical é o LIOS, um sistema de transporte proposto para ligar o nordeste Oeiras aos concelhos vizinhos da Amadora e de Lisboa. “LIOS” é sigla significa Linha Intermodal Sustentável e teria duas linhas, na verdade: uma Oriental, ligando Lisboa e Loures, e outra Ocidental, ligando Lisboa e Oeiras. Inicialmente previsto como uma linha de metro ligeiro, capaz de conectar a parte alta de Belém e da Ajuda ao concelho Oeiras, o projecto do LIOS Ocidental nunca chegou a sair do papel e das boas intenções dos políticos. Foi uma ideia que foi apresentada sem qualquer plano de acção ou de financiamento.
A Câmara de Oeiras, apesar de todas as incógnitas de Lisboa, nunca parece ter-se esquecido do LIOS e andou a trabalhar em alterações de traçado. A sigla foi rebatizada para significada “Linha Intermodal Ocidental Sustentável” e o projecto, em vez de ser baseado em metro de superfície ou eléctrico ligeiro, foi adaptado para ser um conjunto de novos corredores de BRT, isto é, de autocarros em sítio próprio, com vias segregadas, que vão ligar de forma mais eficiente e rápida zonas de forte pressão urbanística, como Algés, Miraflores, Linda-a-Velha e Carnaxide, a Lisboa e à Amadora.
“O LIOS é um sistema de transporte essencial para responder à zona nascente do concelho, que é a zona de Miraflores e de Algés e que tem uma grande densidade populacional”, explicou Joana Baptista no evento de apresentação que decorreu em Novembro. Para a Vereadora da Mobilidade de Oeiras o importante é criar espaços dedicados para o transporte público nos principais eixos onde vivem e trabalham pessoas. “Existem boas práticas, porque não as implementamos cá? Qual é a dificuldade de implementarmos corredores dedicados para o transporte público?”, perguntou a autarca durante a apresentação.
“Com a rede rodoviária podemos muscular a rede de transporte público e, assim, o cidadão pode abdicar do seu carro e do seu conforto a favor do transporte público.” Se o SATU pretende ligar Paço de Arcos a Massamá-Barcarena, a ideia com o LIOS é conectar Algés e Belém com a estação de comboio de Benfica. Estão previstas 13 paragens e cerca de seis quilómetros de extensão com o LIOS.
“Oeiras quer colocar o transporte público com previsibilidade, rapidez e conforto”

A estratégia de mobilidade da Câmara de Oeiras tem sido construída em conjunto com a sua empresa municipal de mobilidade, a Parques Tejo, que é gestora da marca “Oeiras Move”. Rui Rei, presidente da Parques Tejo, esclareceu, na mesma apresentação, que o objectivo é “construir um ecossistema de mobilidade baseado no cardinal que simboliza sistema de transporte público em sítio próprio”. “Não são faixas BUS que começam num cruzamento e depois acabam noutro”he said.
Rui Rei deu o exemplo do eléctrico 15 em Lisboa, que, precisa de um espaço canal dedicado e segregado para que possa ser um meio de transporte prático e rápido entre Algés e a Baixa lisboeta. “Ninguém quer usar o eléctrico 15 na sua totalidade. Falta-lhe espaço canal e conforto”he said. “Oeiras quer colocar o transporte público com previsibilidade, rapidez e conforto.”
Para o Presidente da Parques Tejo, originalmente uma empresa de estacionamento, este continua a ser a “base da mobilidade”. “Não posso dizer às pessoas que podem estacionar em todo o lado e depois esperar que utilizem o transporte público. Não vai acontecer”, referiu, criticando também a política de gratuitidade em relação aos carros eléctricos. “Tem quatro rodas iguais aos outros carros e ocupa lugares.” Para Rei, também “não há mobilidade sem construir novas vias e espaços canal. Sem isso, não vamos conseguir mudar coisas nenhuma. O que vamos fazer é continuar a chatear as pessoas”he added.
Enquanto estes projectos maiores vão sendo estudados, a Parques Tejo tem estado a trabalhar em questões mais imediatas, como um novo serviço de transporte de proximidade em autocarro e no lançamento de 11 novas carreiras da Carris Metropolitana, em articulação com a TML. “As pessoas que vivem em Oeiras não trabalham em Alcântara, Cais ou Terreiro do Paço. Não vale a pena continuar a transportes as pessoas para ali”, acrescentou o responsável, numa crítica à Carris por apostar essencialmente nesse eixo e num elogio à Carris Metropolitana por estar aberta a novas ligações, como aconteceu com o lançamento da 1701. “Parece que em Portugal continua a existir algumas quintas que não se pode mexer.”
A visão da Parques Tejo para a mobilidade assenta na aplicação Oeiras Move, disponível para iOS e Android. Com esta ferramenta, os utilizadores poderão ter toda a informação sobre transporte público, lugares disponíveis em parques de estacionamento, localização de trotinetas e bicicletas de utilização partilhada, com possibilidade de reserva, acesso aos táxis de Oeiras, a ainda carregamento eléctrico de carros. Vão também poder pagar todos os serviços com Multibanco ou MB Way, bem como aceder a ofertas específicas, como 120 minutos gratuitos de estacionamento para residentes no concelho.
No mesmo evento, Isaltino Morais, Presidente da Câmara de Oeiras, defendeu a criação de um governo metropolitano para a região de Lisboa, que possa ser eleito pela população e permita um olhar a uma escala mais ampla. “Há esforços que não podem ser de uma Câmara só. Tem de ser a Área Metropolitana ou o Governo. Lisboa é a única metrópole da Europa que não tem um governo metropolitano”, criticou, defendendo que uma mudança terá de partir de “uma grande força e determinação por parte dos autarcas e agentes locais”. “Mas sabemos que em Portugal os autarcas cooperam pouco.”
Isaltino deixou outra crítica para reflexão. “Este país está formatado de uma burocracia tal que temos de andar anos e anos para fazer”, comentou sobre a inércia para determinados projectos estruturantes avançarem. “Andamos a falar em algumas destas coisas há mais de 10 ou 15 anos.”