
A MUBi congratula-se com o programa de medidas de promoรงรฃo da mobilidade activa anunciado pelo presidente da Cรขmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, em 3 de Junho passado. Jรก em Abril, e ainda durante o estado de emergรชncia, a MUBi tinha apresentado ร CML um conjunto de propostas de medidas concretas: Recomendaรงรตes para Lisboa combater a pandemia COVID-19. A dramรกtica transformaรงรฃo do quotidiano da cidade era de facto o momento de colocarmos questรตes com uma profundidade que a mesma merece. O que durante dรฉcadas fizemos errado e nรฃo queremos continuar a fazer? Como podemos aproveitar esta crise para tomar decisรตes transformativas, e comeรงar a fazer aquilo que a saรบde pรบblica e a sustentabilidade dos Lisboetas e do planeta exigem de nรณs?
Infelizmente, o desafio que, muito antes das consequรชncias nefastas do desconfinamento para a cidade, lanรงรกmos ร CML de iniciar um diรกlogo construtivo e urgente, nรฃo obteve a necessรกria resposta e atenรงรฃo por parte do Executivo. Como temos vindo a afirmar e a lamentar, a sociedade civil continua arredada da participaรงรฃo e colaboraรงรฃo produtiva com a CML.
No inรญcio de Maio, a MUBi voltou a alertar para os problemas que surgiriam no pรณs confinamento da COVID-19. Mais uma vez, enviรกmos um conjunto de recomendaรงรตes concretas para Lisboa. Prevendo a necessidade de medidas de acรงรฃo atempadas e urgentes para transformaรงรฃo do espaรงo pรบblico e apoio da mobilidade activa (caminhar e andar de bicicleta) para protecรงรฃo da saรบde dos cidadรฃos, a missiva foi novamente enviada para a CML. Nรฃo obtivemos qualquer resposta.
Foi por isso que, quase dois meses depois dos nossos alertas iniciais, soubemos pelos jornais do anรบncio do programa da CML acima mencionado. Apesar de nรฃo ser tรฃo ambicioso e transformador como as nossas propostas, sรฃo passos na direcรงรฃo correcta.
Continuamos com poucos elementos sobre as propostas. No entanto, รฉ com agrado que ouvimos as propostas do projecto โA Rua รฉ Suaโ, se bem que vagas para nos pronunciarmos em concreto. Desde a sua fundaรงรฃo que a MUBi defende a reduรงรฃo da presenรงa automรณvel e a sua velocidade na cidade como um elemento chave para a qualidade de vida de todos e dos utilizadores de bicicleta em particular. Lembramos que uma das nossas propostas era a reduรงรฃo dos limites de velocidade nas vias de hierarquia inferior, a exemplo de cidades como Bruxelas, Milรฃo, entre muitas outras. Ficamos, assim, sem possibilidade de comentar, para alรฉm de elogiar a intenรงรฃo, e teremos de aguardar os pormenores de intervenรงรฃo, antes da concretizaรงรฃo deste programa. Mais uma vez reiteramos a nossa total disponibilidade para participar e colaborar com as equipas que imaginamos que neste momento estejam a trabalhar nos projectos.
Em relaรงรฃo ร s vias de hierarquia superior congratulamos a coragem de retirar vias de circulaรงรฃo e lugares de estacionamento em algumas vias. Ficamos tambรฉm satisfeitos com a abandono da opรงรฃo de colocar ciclovias no passeio na Av. da รndia e na Av. Gago Coutinho โ o que jรก era algo inconcebรญvel em 2020. Num contexto da necessidade de distanciamento fรญsico รฉ de facto a รบnica decisรฃo acertada. Chamamos tambรฉm a atenรงรฃo para a necessidade de implementaรงรฃo de corredores adjacentes a passeios estreitos (menos de 3 metros) e impossรญveis de manter um distanciamento fรญsico entre peรตes. Estes corredores deveriam ser projectados para o acomodamento multimodal (peรตes, bicicletas, micromobilidade).
Elogiamos, por isso mesmo, a vontade polรญtica de criar corredores seguros para utilizadores de bicicleta, conquistando esse espaรงo ao automรณvel. Apesar de mais modesta que as nossas propostas de Abril, รฉ no entanto uma excelente notรญcia. Acrescentamos que se deverรก resistir ร tentaรงรฃo de sรณ fazer corredores bidirecionais retirando uma sรณ uma via de um dos lados. Tendo em consideraรงรฃo o aumento do uso da bicicleta no futuro, o encorajar do uso de cargo-bikes, atrelados, trabalhadores pendulares com alforges, a prevista proliferaรงรฃo da micromobilidade, faz todo o sentido comeรงar a projectar corredores multimodais mais largos que as tradicionais ciclovias. Para alรฉm disso, estรก muito bem documentado, em todos os manuais da especialidade, a perigosidade das ciclovias bidirecionais na generalidade dos contextos em meios urbanos.
Chamamos, por isso e tambรฉm, a atenรงรฃo para a perigosidade das intercepรงรตes โ mesmo em soluรงรตes unidirecionais. No fundo, os corredores sรฃo importantes para o conforto dos utentes e o simbolismo polรญtico que o governo da cidade estรก a favorecer os modos sustentรกveis, mas a maior parte dos sinistros mais graves sรฃo nas intercepรงรตes. Por isso recomendamos uma intervenรงรฃo muito ponderada de reduรงรฃo efectiva de velocidades motorizadas nas intercepรงรตes nos projectos de corredores. ร fundamental a reduรงรฃo da dimensรฃo da intercepรงรฃo e dos seus raios de viragem, elevaรงรฃo de toda a intercepรงรฃo para uma cota mais alta, caixas de espera para bicicletas, reprogramar semรกforos, melhorar a visibilidade de todos os utilizadores. Se acreditamos que os corredores incentivarรฃo pessoas que nunca pedalaram na cidade, esta atenรงรฃo a situaรงรตes particularmente perigosas torna-se ainda mais importante.
Saudamos tambรฉm a Cรขmara Municipal de Lisboa pela criaรงรฃo das medidas de apoio aos modos activos de transporte. A MUBi, ao longo dos รบltimos dois anos, tem trabalhado junto do Governo e da Assembleia da Repรบblica no sentido de promover os programas de incentivo ร aquisiรงรฃo de veรญculos de baixo consumo, tendo conseguido englobar a bicicleta elรฉctrica, convencional e de carga nestes programas, pela primeira vez em Portugal. Temos por isso a lamentar, mais uma vez, que nรฃo tenhamos sido auscultados na definiรงรฃo destas medidas agora elencadas pela CML.
O apoio ร aquisiรงรฃo de bicicletas convencionais nรฃo devia estar limitado a estudantes: no ano em que o Fundo Ambiental recuou, passando tambรฉm a apoiรก-las (ainda que com uma comparticipaรงรฃo bastante inferior), Lisboa prolonga o mito de que em โdeslocaรงรตes sรฉriasโ sรณ รฉ possรญvel andar de bicicleta elรฉctrica na cidade. Uma bicicleta sem assistรชncia รฉ a melhor opรงรฃo de mobilidade para muitas pessoas. Uma boa bicicleta dobrรกvel, por exemplo, pode custar o mesmo que uma bicicleta elรฉctrica de qualidade inferior, e รฉ uma opรงรฃo mais vantajosa para a conjugaรงรฃo com transportes pรบblicos ou para conseguir subir escadas e arrumรก-la em casa, por ser bastante mais leve.
Nรฃo sendo possรญvel o apoio ร aquisiรงรฃo de bicicletas em 2.ยช mรฃo, seria importante criar um apoio ร reparaรงรฃo de bicicletas (e aquisiรงรฃo de acessรณrios), como em Franรงa e no Reino Unido, nรฃo sรณ para evitar o desperdรญcio como para fomentar o emprego e negรณcio das lojas e oficinas locais. Seria, ademais, uma medida que se enquadraria por completo no espรญrito e objectivos de Lisboa โ Capital Verde.
O apoio ร instalaรงรฃo de kits elรฉctricos, excluรญdo pelo Fundo Ambiental mas admitido por exemplo em Paris, seria tambรฉm uma forma de promover a reutilizaรงรฃo de boas bicicletas e ainda apoiar as oficinas locais.
ร incompreensรญvel que o apoio ร aquisiรงรฃo de bicicletas de carga sรณ se aplique a elรฉctricas, ao contrรกrio do que sucede com o Fundo Ambiental. As bicicletas de carga sรฃo um investimento de vulto, e mesmo as convencionais sรฃo mais caras que muitas bicicletas elรฉctricas. O motor nรฃo รฉ imprescindรญvel, mesmo em Lisboa, e pode ser adicionado posteriormente, permitindo assim a diluiรงรฃo do investimento.
Nรฃo sendo claro que o Fundo Ambiental apoie a aquisiรงรฃo de atrelados, apesar de os incluir na definiรงรฃo de bicicleta de carga, nรฃo compreendemos o porquรช da CML os excluir ร partida. Um bom atrelado, por exemplo para crianรงas, รฉ uma excelente forma de transformar uma bicicleta normal (elรฉctrica ou convencional) numa bicicleta de carga, principalmente para quem tenha dificuldades de espaรงo. Jรก para nรฃo falar em atrelados โpesadosโ que poderiam ser boas soluรงรตes de logรญstica em Lisboa. Neste contexto nรฃo se percebe que a CML dedique o seu programa de apoio apenas a particulares, nรฃo o estendendo a empresas e outras entidades colectivas , ร semelhanรงa do Fundo Ambiental. Por um lado, existe desde 2015 um incentivo fiscal ร s empresas para que ofereรงam bicicletas aos funcionรกrios para as suas deslocaรงรตes (em vez de automรณveis), que nรฃo รฉ suficientemente conhecido e que poderia assim ter um impulso acrescido em Lisboa. Por outro, perde-se a oportunidade de incentivar a utilizaรงรฃo da bicicleta como meio de transporte logรญstico junto das empresas.
Todas estas observaรงรตes poderiam ser evitadas se tivesse existido uma vontade genuรญna de ouvir a sociedade civil numa plataforma formal, regular e transparente desde o inรญcio dos processos de decisรฃo. Terminamos reiterando a nossa disponibilidade para colaborar na definiรงรฃo das futuras soluรงรตes a implementar na cidade de Lisboa.