Os mitos e verdades dos 30 km/h

Fotografia cortesia de Artur Lourenço

A maioria das ruas espanholas – entre 60% e 70% – vai passar a estar limitada a 30 km/h; só em arruamentos com duas ou mais vias em cada sentido continuarão a ser permitidas velocidades de 50 km/h. Já em ruas sem passeio a velocidade máxima baixa para 20 km/h. Estas alterações têm como objectivo diminuir as mortes na estrada e proteger os mais vulneráveis – peões e ciclistas; nas cidades espanholas, quatro em cada cinco pessoas que morreram em sinistros rodoviários encaixavam na categoria vulnerável, segundo El País.

Em Portugal, os números não são animadores. Em 2019, morreram 26 utilizadores de bicicleta, registaram-se 106 feridos graves e 2104 feridos ligeiros. Nesse mesmo ano, 134 peões perderam a vida nas estradas portuguesas, a maioria dos quais por atropelamento; 409 ficaram gravemente feridos e contabilizaram-se 5180 feridos ligeiros.

Os dados são da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), que registou no ano de 2019 (pré-pandemia) um total de 35 704 sinistros – 78% destes ocorreu dentro das localidades e 75% envolveu veículos ligeiros (vulgo automóveis). 626 pessoas perderam a vida. São 3 aviões A320 a caírem por ano no nosso país sem qualquer sobrevivente. São pais, mães, filhos, avós, netos, amigos, colegas que partiram cedo demais e deixam de estar entre nós. São mais de mil famílias que ficam destroçadas, são milhares de pessoas afectadas, e é um custo económico e social anual para a sociedade superior a 2 mil milhões de euros”, como coloca a ANSR.

Em 2018, o Governo português disse estar a estudar uma medida semelhante à de Espanha, reduzindo a velocidade máxima em ambiente urbano para 30 km/h. O debate que então se gerou confundiu a intenção do executivo, trazendo para o de cima uma série de mitos e esquecendo os possíveis benefícios que tal medida poderia trazer.

No entanto, tudo parece apontar para que, mais dia menos dia, os 30 km/h venham a ser os novos 50 km/h. A própria Câmara de Lisboa tem essa vontade e tem implementado esse limite no interior dos bairros, mantendo os 50 km/h para as vias distribuidoras de trânsito (as grandes avenidas), com excepção da Segunda Circular e do Eixo Norte-Sul, onde se pode circular a uma velocidade máxima de 80 km/h.

Os 30 km/h em ambiente urbano podem ser decisivos para atingir as metas a que Portugal, por via da sua ANSR, se propôs até 2030: zero mortes na estrada. O plano está a ser delineado através da chamada Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária 2021-2030: Visão Zero 2030, um processo que pode ser acompanhado e participado no site visaozero2030.pt. Em Semana Mundial da Segurança Rodoviária, iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) que se realiza pela sexta vez, a ANSR está a promover uma acção nas ruas de Lisboa com o intuito de sensibilizar condutores para a temática da segurança rodoviária, em particular para a urgência de se reduzirem velocidades e de se estabelecer os 30 km/h como novo limite urbano. Os objectivos desta campanha enquadram-se no tema lançado pela própria ONU nesta Semana Mundial, através dos lemas “ruas para a vida” e “#love30”.

Neste artigo, exploramos os benefícios de ruas, bairros e cidades mais calmas, onde se circula a 30 km/h, e esclarecemos alguns dos mitos mais comuns.

30 km/h mais combustível e poluição

Se, em condições de laboratório, um motor a gasolina ou a diesel tende a libertar mais poluentes a 30 km/h do que a 50 km/h, as condições reais proporcionadas por uma cidade são diferentes. Em cidades onde se ande mais devagar, os veículos tendem a fazer menos acelerações e desacelerações, circulando a uma velocidade mais constante, o que se traduzirá em menos desgaste dos componentes dos veículos, menos consumo de combustível e menos poluição. Por outro lado, as velocidades mais baixas e contínuas também reduzem o nível de partículas derramadas pelas pastilhas de freio e pneus. Em suma, a 30 km/h é possível um estilo de condução mais económico, suave e permanente.

30 km/h = salvar vidas

A 30 km/h é possível salvar vidas. A capacidade de reacção do condutor é maior, uma vez que não só tem mais tempo para ver um peão e parar o seu veículo, como também tem maior ângulo de visão – o condutor consegue ver mais do que se passa na rua e reagir se necessário. Por outro lado, em caso de colisão, a probabilidade de um peão sobreviver é maior se esse veículo circular a 30 km/h do que a 50 km/h. O risco de morte para peões em situações de embate a velocidades mais altas é ainda maior no caso de crianças ou idosos.

30 km/h = menos ruído

Acalmar o trânsito torna-o mais silencioso. Ao baixar a velocidade para 30 km/h é possível reduzir o ruído gerado pelo tráfego automóvel em 2,5-3,9 decibéis, dependendo da qualidade do asfalto. O ruído urbano pode levar a desequilíbrios ao nível do sono, doenças cardíacas ou até diminuir a performance escolar. Por outro lado, ao proporcionar uma mudança modal do carro para o andar a pé ou de bicicleta, uma cidade a 30 km/h pode tornar-se mais silenciosa pela redução do número de carros na estrada.

30 km/h ≠ mais tempo de viagem

Tipicamente, a velocidade média de um carro na cidade situa-se abaixo dos 30 km/h, uma vez que, apesar de haver locais onde é possível andar a velocidades mais altas, há factores como semáforos, intersecções, congestionamento ou até outro veículo à procura de estacionamento, que atrasam aqui e ali o trânsito. O congestionamento e o tempo gasto à espera em semáforos costumam ser mais significativos nos tempos de viagem do que as velocidades a que os veículos que circulam entre esses pontos. Por outro lado, numa cidade desenhada para se circular a 30 km/h, podem não ser necessários alguns dos semáforos, promovendo-se uma relação mais igual entre os diferentes utilizadores do espaço público.

30 km/h = mais vida nas ruas

Ruas onde se circule mais devagar serão ruas com mais vida, onde mais pessoas se sentirão bem a caminhar ou a optar pela bicicleta. Serão ruas com mais zonas de estadia e esplanadas, ruas mais silenciosas e ruas com melhor qualidade de ar. Todos estes factores contribuirão para ruas mais activas, mais inclusivas e mais saudáveis, onde crianças poderão ir a pedalar para a escola ou pode existir uma ampla oferta comercial.

30 km/h mais congestionamento

A médio prazo, a redução da velocidade pode incentivar à troca do automóvel por outros modos de transporte, como o caminhar e o pedalar, e menos veículos na estrada levam não só a uma redução da poluição do ar e de emissões de CO2, mas também a estradas mais libertadas para os os veículos que continuarão a circular. Por outro lado, reduzir a velocidade máxima não leva a mais filas de trânsito, uma que afecta todos os veículos como um todo r porque, como vimos anteriormente, a velocidade média na cidade já se situa abaixo dos 30 km/h, existindo apenas momentos de aceleração que dão uma percepção de rapidez.

30 km/h ≠ mais multas

A redução de velocidade pode ser atingida com medidas baratas. Falamos não só de sinalização vertical (sinais de proibição), mas também de marcações no asfalto e de medidas de acalmia de tráfego que passem pela sobrelevação do piso ou de passadeiras, a redução da largura da via, a instalação de obstáculos dêem aos condutores a percepção de uma rua mais estreita, a plantação de árvores, a criação de percursos pedonais confortáveis, entre outras iniciativas. Uma rua, um bairro e uma cidade pode circular a 30 km/h por design, sem necessidade de fiscalização por parte de autoridades.

Podes saber mais sobre cidades a 30 km/h en esta página e também nesta. Se tiveres mais recursos, ideias ou argumentos para contribuir para esta discussão, envia para mail@lisboaparapessoas.pt. Até já!

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