Em vez de carros, lugar para pessoas. Novos parklets bem recebidos por comerciantes e residentes de Campolide

Fotografía de Mário Rui André/Lisboa For People

Num cabeleireiro na Rua General Taborda, em Campolide, as clientes vão chegando. Aurora, Maria e Edite vivem ali há mais tempo que a Dona Vanda tem o estabelecimento e visitam-no desde o início. Estão satisfeitas com o banco de madeira e o pequeno pátio que foi colocado à frente do cabeleireiro, no espaço de um lugar de estacionamento. “Ao menos aqui sempre dou um bocadinho à língua”, atira Edite, cansada de estar sempre sozinha em casa. Diz que agora é capaz de sair de mais vezes para se sentar ali, onde se apanha sombra.

O cabeleireiro da Dona Vanda fica numa estreita rua de bairro que, apesar disso e de ter a velocidade limitada a 30 km/h, parece servir para tráfego de atravessamento tal é o rodopio de carros que ali não param. Tem estacionamento de um lado e do outro, nenhuma árvore, passeios estreitos e apenas um ou dois bancos num cruzamento que existe no cimo. É uma rua inclinada. Para as três senhoras, este parklet é óptimo para quando as suas vidas obrigam a ir rua acima e rua abaixo, e precisam de um pequeno descanso a meio. Edite dá o exemplo de um casal que costuma avistar da sua janela de manhã, logo pela fresca, e que muitas vezes usa o banco para descansar os braços do peso dos sacos das compras.

Un parklet – termo que usámos em cima – é um lugar de estacionamento reconvertido em espaço público que qualquer pessoa pode usar. Este parklet na Rua General Taborda (na verdade, existem dois naquela rua mas já lá vamos ao segundo) é um dos quatro que a sParqs, uma iniciativa da cooperativa Bicicultura, está a instalar em Campolide. João Bernardino, co-fundador do projecto juntamente com Ana Pereira, explica que foi feito um contacto com várias Juntas de Freguesia e que a de Campolide foi das que mais se mostrou interessada em entrar como parceiro.

A sParqs já trabalhou com a Junta de Freguesia de Arroios, tendo colocado dois parklets na envolvente do Mercado, e está a planear com a do Beato a instalação de um parklet em frente a um espaço de cowork, o NOW_Beato. O financiamento de cada estrutura é assegurado em 70% pelo Fundo Ambiental e a restante fatia pela freguesia, mas a ideia da sParqs depois destes primeiros sete parklets experimentais é apostar num modelo comercial: os negócios que queiram humanizar o lugar de estacionamento em frente poderão contactar a sParqs e receber desta apoio no design, licenciamento e instalação do parklet. A manutenção fica depois a cargo do estabelecimento. Todos os parklets montados pela sParqs passam a pertencer a uma rede que é disponibilizada online na forma de um mapa, para que qualquer pessoa possa descobrir onde está cada um e assim conhecer diferentes negócios locais.

Dos quatro de Campolide, ainda faltam um parklet para montar, mas a sua localização está escolhida – será na Avenida Columbano Bordalo Pinheiro. Já o segundo da General Taborda fica em frente à Cantina Minúscula, um restaurante que é realmente pequeno e que viu desta forma seu espaço. Neste estabelecimento gerido por Camille Bichindaritz, as refeições servem-se para fora desde que abriu, há coisa de ano e meio, porque dentro quase nem há espaço para a imigrante francesa se mexer. Agora, os clientes podem comer no parklet, que conta com uma mesa de jardim e um pequeno pátio onde pode ser colocada uma mesa adicional.

Em boa verdade, o parklet colocado em frente à Cantina Minúscula, tal como o do cabeleireiro, não pertence aos estabelecimentos, apesar de ser pedido a estes a manutenção e dinamização dos espaços, assim como a rega das plantas decorativas. En parklets são espaços públicos, dos quais todas as pessoas podem usufruir, mesmo não sendo clientes. Esta mensagem é difícil de passar, como confessa João Bernardino, até porque nos últimos meses temos assistido ao surgimento de muitas esplanadas em lugares de estacionamento pela cidade fora, e essas esplanadas pertencem aos estabelecimentos e não à cidade – não são “verdadeiros” parklets, como explica João, resultando de espaços privados que expandem para a rua. De acordo com dados da autarquia, entre Maio de 2020 e Maio deste ano nasceram cerca de 300 esplanadas em lugares de estacionamento na cidade.

A inauguração destes três dos quatro parklets da sParqs em Campolide decorreu esta quarta-feira com a presença do arquitecto que os concebeu, Bruno Maltez, fundador do ateliê Square Panda e autor de vários espaços de cowork e de trabalho. Bruno aventurou-se neste desafio com a sParqs e, enquanto se destapavam simbolicamente as placas da inauguração, ajudava a identificar soluções para problemas levantados pelos proprietários e primeiros utilizadores dos parklets. Naquele em frente ao cabeleireiro percebeu-se que faz falta mais bancos porque as pessoas procuram-no essencialmente para se sentarem a falar, enquanto esperam (ou não) pelo atendimento no cabeleireiro. No parklet da Cantina, falta uma protecção junto à estrada, pois de acordo com Camille há famílias que já ali almoçaram com receio de que as crianças pudessem escapar para o meio da rua. Também se apanha ali muito sol durante todo o dia, pelo que ficou falado de se arranjar uma forma de colocar um toldo ou um chapéu. A complicação, dizia Bruno, é apenas com o orçamento; já estão a ultrapassá-lo, mas ainda assim, vão procurar forma de fazer estas melhorias.

As localizações para os parklets foram decididas entre a sParqs, a Junta e, claro, os comerciantes. Houve vários factores em jogo, como o parklet não tirarem estacionamento em zonas de muita pressão ou haver alguma relação social com o negócio local em frente do qual poderia ser instalado. Na Avenida José Malhoa, uma artéria sobredimensionada para o tráfego que tem, ao longo do qual se erguem escritórios e hotéis, encontra-se o terceiro parklet da sParqs em Campolide, o primeiro a ser inaugurado esta semana. Ao contrário dos da Rua General Taborda, uma zona residencial, este encontra-se em frente a uma empresa de call-center, a Konecta. João Bernardino diz-nos que o contacto com esta firma não foi imediato mas que apoiaram o parklet, que ocupam dois lugares oblíquos de estacionamento, mal o viram instalado à porta. A Konecta assegura a limpeza e facultou um caixote do lixo e um cinzeiro para os seus colaboradores poderem usufruir convenientemente do espaço. Aqui há duas mesas para se estar em pé, cinco bancos, uma mesa comprida e vários móveis que, de acordo com Bruno, podem ser usados para deixar livros e outros objectos para troca. A ideia, conta o arquitecto, era criar aqui uma sala de estar dinâmica e convidativa, ao lar livre.

A sParqs tem vindo a monitorizar os parklets para avaliar a sua utilização e diz que tem visto este da José Malhoa a ser usado – pelo caixote do lixo também dava para aferir isso. No entanto, enquanto ali estivemos para a inauguração observámos que os colaboradores continuavam a juntar-se à porta do edifício, à frente do qual existe um passeio largo. É certo que o parklet também tinha sido ocupado por “estranhos” de um momento para o outro, que o ambiente era muito ventanhoso e que vários carros passavam por vezes a velocidades elevadas mesmo ao lado da “sala de estar” concebida por Bruno. À entrada do edifício está-se mais resguardado, além de ser um hábito já enraizado nos colaboradores que podem não estar ainda familiarizados com o novo espaço. Talvez faça falta também um trabalho do lado da Konecta, que ao nível de comunicação interna, quer da dinamização de eventos naquele parklet, por exemplo. A sParqs mostra-se optimista, até porque estes parkets são experimentais e, se algum não correr tão bem como se esperava, pode ser mudado de local ou adaptado no futuro. Tal como nos outros locais, também neste da José Malhoa se discutiram ideias para melhorar, como a pintura do chão para disfarçar o asfalto e aumentar o conforto.

En parklets tornaram-se uma tendência mundial acelerada pela pandemia de Covid-19. Em Lisboa, como referido, cerca de 300 lugares de estacionamento acabaram reconvertidos em esplanadas, numa medida da autarquia para apoiar o comércio local e estimular novos usos para o espaço público. Apesar de zonas privadas, não deixam de permitir a dinamização da vida de bairro, permitindo sentar grupos de pessoas a comer, a beber e a falar num espaço onde estaria uma viatura privada parada e sem ninguém lá dentro. A missão da sParqs é um bocadinho diferente – é a de propor novos usos para os lugares de estacionamento, que possam servir quem reside, trabalha ou vive na cidade e procura zonas para estar, sentar, falar, brincar… e o que encontra são ruas atulhadas de automóveis de uma ponta à outra, muitas vezes sem qualquer apontamento verde (como era o caso da Rua General Taborda). O cabeleireiro de Vanda agradeceu o parklet; Aurora, Maria e Edite, a quem a idade já custa algumas deslocações e empurra para uma solidão domiciliária, também.

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