Com nova cor, Santa Apolónia vai ter um hotel e uma residência universitária no mesmo edifício onde continuará a funcionar a estação ferroviária.

Um hotel, uma residência universitária e, na mesma, uma estação de comboios. O futuro do terminal ferroviário de Santa Apolónia, ponto de partida e de chegada de vários comboios de longo de curso, suburbanos e regionais, passa por diversificar os usos do edifício e também por uma nova cor: vermelho de vinho tinto, que vem substituir a actual cor azul-céu.

O vermelho, que agora regressa a Santa Apolónia, já tinha sido a cor da estação desde pelo menos 1967, conforme comprova a fotografia da autoria de John F. Bromley, e datada desse ano, que aqui reproduzimos. O azul a que nos habituámos recentemente só foi pintado nos anos 1990.
O fantasma do encerramento
Originalmente planeada como uma estação ferroviária e fluvial, pela sua proximidade com o Tejo, Santa Apolónia acabou por servir apenas como terminal de comboios. Foi inaugurada em 1865, mas os primeiros comboios pararam em Santa Apolónia em 1856 numa gare provisória, construída no âmbito do primeiro lanço de via férrea em Portugal, entre Lisboa e o Carregado. Com a abertura da estação do Rossio em 1891, Santa Apolónia, onde se iniciou a primeira viagem de comboio de sempre em Portugal, perdeu muito do protagonismo que tinha, pois os passageiros de longa distância passaram a sair nessa nova paragem, mais central na cidade.
Nos anos 1950, Santa Apolónia voltou a acolher os serviços de longo curso, tendo a estação sido alvo de obras de ampliamento para receber comboios de maior comprimento. Com a inauguração da Gare do Oriente em 1998, Santa Apolónia passou de novo para segundo plano, apesar de hoje os comboios de longo curso continuarem a parar na Baixa da cidade, onde também termina a Linha do Oeste ou a Linha da Azambuja. No entanto, com o tráfego ferroviário agora distribuído pelo Oriente e por outras zonas da cidade, com maior densidade populacional e maior centralidade como é o caso de Entrecampos, chegou a pensar-se no encerramento definitivo da estação ferroviária de Santa Apolónia.

Esta ideia foi defendida em 2008 pelo então Presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, entusiasmado com a perspectiva de a alta velocidade chegar ao Oriente. Costa sugeriu ao Governo de José Sócrates que Santa Apolónia passasse a servir o terminal de cruzeiros de Santa Apolónia (que em 2017 passaria a contar com um novo edifício), e que os terrenos afectos à estação fossem vendidos para projectos urbanísticos, com as receitas destes negócios a reverterem para o saneamento financeiro da então REFER – Rede Ferroviária Nacional, empresa pública hoje integrada na IP – Infraestruturas de Portugal.
Os projectos ferroviários de alta velocidade em Portugal acabaram por ficar suspensos (estão agora novamente em calha para 2030), mas em 2017, sob presidência de Fernando Medina na Câmara de Lisboa, o vereador do urbanismo, Manuel Salgado, voltou a defender o fim de Santa Apolónia, desta feita para a substituir por um jardim. Salgado argumentava que a estação de Santa Apolónia era mais usada para “estacionar e lavar os comboios”, que grande parte dos passageiros de longo curso desembarcavam no Oriente e que o centro de Lisboa migrara da Baixa para a zona de Entrecampos, por exemplo. O vereador disse estar a pensar “no longo prazo” e a ver um “enorme potencial” na área ocupada pela estação, querendo ali criar um espaço verde que ligasse os vales de Santo António e de Chelas ao rio e propondo ao mesmo tempo transferir a actividade portuária de Santa Apolónia para o Barreiro.

Santa Apolónia mantém-se… com novos usos
O encerramento de Santa Apolónia parece ter sido descartado, mas o fantasma vai manter-se, apesar de a nova estratégia do país apontar para levar o comboio até ao centro das cidades. Na ala direita/nascente um hotel, na ala esquerda/poente uma residência de estudantes. Durante 35 anos, áreas da estação que não são essenciais à prestação do serviço ferroviário vão estar subconcessionadas a privados pela proprietária IP – Infraestruturas de Portugal.
O hotel começou a ser construído em Julho de 2020 com a expectativa de estar pronto no Verão passado, mas as obras acabaram por atrasar. Com uma área total de nove mil metros quadrados, a nova unidade hoteleira de quatro estrelas vai ter 125 quartos e resulta de um investimento a rondar os 12 milhões de euros; o projecto de arquitectura foi elaborado pelo atelier Saraiva+Associados, do arquitecto Miguel Saraiva.
A promotora do hotel é o grupo Sonae, através da sua empresa The House Ribeira, que venceu o concurso público terminado no início de 2019. Note-se que Santa Apolónia não vai ser a única estação ferroviária do país com uma unidade hoteleira no seu interior – a icónica estação de São Bento, no centro do Porto, alberga um hostel desde o Verão de 2017.
Já a residência de estudantes vai resultar da adaptação da ala poente da estação e ter uma área total de 4,8 mil metros quadrados, traduzindo-se em pelo menos 173 camas. A criação de uma residência estudantil em Santa Apolónia resulta de uma colaboração entre a IP, o Instituto Universitário de Lisboa e a Universidade Nova de Lisboa; o concurso público para encontrar um subconcessionário para o espaço foi lançado no início de Agosto e terminou no final de Outubro, faltando encontrar e anunciar o seu vencedor. Este, enquanto futuro promotor, terá como responsabilidade, além da construção e gestão da nova residência, a conclusão das obras na fachada da estação iniciadas com a instalação do hotel – dessa forma, com a intervenção dos privados, a estação de Santa Apolónia ficará totalmente requalificada.
De acordo com Carlos Fernandes, vice-presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), citado pela TSF, a elaboração dos projectos e o licenciamento necessário à concretização da residência universitária deverão avançar em 2022 e a construção está estimada para 2023; “se tudo correr bem”, o espaço poderá abrir entre o final desse ano e o início de 2024. A IP pretende estabelecer residências universitárias junto a outras estações ferroviárias, uma perto da Linha de Sintra, outra junto à estação de Carcavelos (Oeiras) e uma no Pragal, Almada.