Devolver a Avenida de Ceuta às pessoas é a proposta que Rui Tavares (Livre) levou à Câmara de Lisboa. Cidade pode ganhar um novo rio em Alcântara, com novos espaços verdes abertos à circulação de peões e bicicletas, com mais transporte público e sem prejudicar a circulação automóvel.

Em 2016, o então vereador responsável pela estrutura verde da cidade, José Sá Fernandes, anunciava o Corredor Verde de Alcântara, um projecto ambicioso que criaria uma ligação pedonal e ciclável entre Campolide e o rio pelo vale de Alcântara. A obra, que tinha sido apontada para estar pronta no final de 2017, ainda decorre e a empreitada referente à Avenida de Ceuta encontra-se a aguardar a conclusão de um concurso público. A ideia é reperfilar esta avenida, criando um corredor ciclopedonal num dos lados e recuperando um curso de água no separador central entre as três vias de trânsito em cada sentido.


A vontade de mexer na Avenida de Ceuta e de concluir o Corredor Verde de Alcântara mantém-se com o novo executivo, que, em campanha eleitoral, inscreveu no seu programa o “reperfilamento da Avenida de Ceuta como uma avenida urbana” y “extensão da ciclovia até ao rio”. O trajecto ciclável previsto no projecto do Corredor Verde e que tem uma configuração mista com o peão termina à entrada da Quinta da Cabrinha, ainda longe do rio. Em Agosto, a EMEL dizia estar a estudar uma ciclovia bidireccional que parta daí, passe pelo Viaduto de Alcântara e faça uma ligação à zona das docas. A empresa não se comprometeu com datas nem com mais detalhes mas agora é incerto se essa ciclovia se mantém em estudo.
Entretanto, na última reunião de Câmara de 2021 o vereador do Livre, Rui Tavares, apresentou uma proposta do seu partido para a Avenida de Ceuta, que procura ser mais ambiciosa que a simples transformação do separador central da avenida e criação de um percurso ciclopedonal. Inspirado pelas actuais obras naquele eixo que obrigaram ao corte de um dos lados da avenida – que, segundo o partido, “não provocou até hoje quaisquer aumentos significativos do congestionamento” –, o Livre propõe manter essa configuração, reabrindo o lado encerrado pelas obras com duas faixas BUS e duas ciclovias undireccionais. O trânsito automóvel passaria apenas para um lados do actual separador central, nos dois sentidos.
A proposta do Livre sugere a reabertura, 75 anos depois, do caneiro de Alcântara para trazer a Ribeira de Alcântara de novo à superfície, criando, como previsto na proposta actual, um curso da água no centro da Avenida de Ceuta. Já o percurso ciclopedonal previsto no projecto do executivo municipal anterior seria somente pedonal, uma vez que as bicicletas passariam a circular junto aos corredores BUS. A ideia do Livre foi apresentada na reunião pública do executivo municipal de 22 de Dezembro de 2021, na forma de uma moção – o texto da moção pode ser consultado na parte final deste artigo.



Uma rotura no Caneiro de Alcântara junto à ETAR de Alcântara determinou o corte do trânsito na Avenida de Ceuta no sentido Sul-Norte, passando ambos os sentidos a fazer-se no espaço antes reservado ao sentido Norte-Sul até Abril de 2022. “Mas esta alteração drástica ao trânsito automóvel não provocou até hoje quaisquer aumentos significativos do congestionamento ou de circulação do tráfego automóvel na avenida”, refere o Livre.

“Assim, o Livre entende que, imediatamente após esta intervenção de emergência da CML, a Avenida de Ceuta não deve ser reaberta à circulação automóvel nos moldes anteriores, procurando-se um outro perfil para esta avenida urbana, mais seguro, ecológico e humano.” O partido quer uma avenida para as pessoas, privilegiando o transporte público, libertando mais espaço para a criação de passeios e condições de acessibilidade e segurança pedonal em ambos os lados do eixo, a plantação de árvores e outra vegetação, de forma criar percursos pedonais sombreados, bem como a construção de ciclovias, fazendo a ligação da rede ciclável a norte (através do túnel recém-aberto, que liga ao Parque Urbano da Quinta da Bela-Flor, a Alcântara às ciclovias da Avenida 24 de Julho e da frente ribeirinha a sul).
“A moção do LIVRE surge em linha com a promulgação, pelo Presidente da República, da Lei de Bases do Clima, no passado dia 13 [de Dezembro], que reúne as orientações para a política climática portuguesa e admite a antecipação da neutralidade carbónica do país, e vai de encontro ao compromisso assumido pelo próprio Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que assumiu pessoalmente o Pelouro das Alterações Climáticas”, lê-se em comunicado.
Ao Lisboa Para Pessoas, fonte do Livre explicou que a sua proposta para a Avenida de Ceuta consiste essencialmente em mudar o espaço entre lancis que o projecto anterior mantinha inalterado. A nova proposta não pretende colocar o que já estava previsto para aquela avenida na gaveta, antes pelo contrário, procura melhorá-la, sendo que as alterações não são substanciais, referiu. Contactado pelo Lisboa Para Pessoas, Duarte d’Araújo Mata, arquitecto paisagista e especialista em infraestrutura verde, que trabalhou no gabinete da Câmara de Lisboa onde se desenvolveu o projecto do Corredor Verde do Vale de Alcântara, a renaturalização da ribeira de Alcântara, como proposto pelo Livre, não é exequível, explicou, uma vez que “é um esgoto”. “Se abrirmos hoje é um esgoto misturando esgotos ainda por tratar com águas das chuvas.” Isto acontece porque, à semelhança da generalidade das bacias urbanas, as águas das chuvas e os esgotos acabam misturados num único canal até à estação de tratamento de águas residuais (ETAR).
“A solução para separar tudo implica dois mega-trabalhos: por um lado, apanhar as águas das chuvas evitando que vão para os esgotos (tornar o esgoto tendencialmente só esgoto); e, por outro, separar o esgoto do pluvial em toda a generalidade dos edifícios, o que implica ir até dentro dos prédios na maioria dos casos”, clarificou. “Isto, numa cidade consolidada, é quase impossível. E custa muitos e muitos milhões.” Por exemplo, no Parque das Nações, existe uma separação entre o que é água das chuvas e o que são esgotos. “Na bacia Alcântara/Benfica/Amadora, não.” Para Duarte d’Araújo Mata, a melhor proposta é a que já tinha sido apresentada. “O mais aceitável é assumir que a Ribeira é esgoto e ir tentando “criar uma Ribeira ao lado” que vá recebendo as águas das chuvas. O que se propôs na solução em concurso de empreitada é simbolicamente isso, com a recolha de pluviais das zonas verdes para drenagem ‘in loco’ e depois a criação de uma ribeira formal com recurso a águas tratadas da ETAR. Mais do que isto é uma discussão de muitos milhões de euros.”
A moção apresentada pelo Livre foi aprovada por unanimidade na reunião pública da Câmara de 22 de Dezembro de 2021, tendo, por isso, reunido consenso geral.