O Vice-Presidente, Filipe Anacoreta Correia, garantiu que “não houve nenhuma decisão definitiva” sobre restrições à circulação automóvel na Baixa-Chiado e Ângelo Pereira, o vereador com a pasta da mobilidade, disse que o tema vai ser enquadrado no âmbito da “elaboração de um plano de mobilidade urbana sustentável” que abrangerá toda a cidade de Lisboa.

Depois de em Novembro de 2021, a proposta do executivo de Fernando Medina de criar uma ZER na Avenida da Liberdade, Baixa e Chiado ter sido discutida e votada na Assembleia Municipal (AML), o tema voltou esta terça-feira ao debate na “Casa da Democracia”, a pedido do Bloco de Esquerda (BE). O partido pretendia um esclarecimento sobre as ideias do executivo de Carlos Moedas sobre o centro da cidade e a implementação ou não de restrições ao trânsito automóvel nessa zona, depois das recentes declarações ao jornal Expresso dando a entender um recuo na implementação da chamada ZER ABC.
A 4 de Março, Ângelo Pereira, o vereador da Câmara de Lisboa com a pasta da Mobilidade, tinha referido ao Expresso não existir vontade de avançar com a ZER ABC tal como estava planeada por Medina, admitindo, no entanto, a pedonalização de alguns arruamentos não estruturantes (na gaveta ficariam, por exemplo, restrições nas ruas do Ouro, Prata, Fanqueiros e Madalena), melhorias na oferta de transportes públicos na zona história e a expansão a rede ciclável que hoje tem várias descontinuidades entre a Avenida, a Baixa e o Chiado.
“Em que é que ficamos afinal?”
Segundo Isabel Pires, deputada municipal do BE, com as declarações ao Expresso ficou “a ideia de que Lisboa vai ficar para trás num processo que é vital para as nossas cidades, para a saúde e para o bem estar de quem cá vive e de quem cá passa. Por escolha política, Moedas, que tanto se tem arrogado da experiência europeia e da necessidade de responder à crise climática pôs um travão num processo que já vai, aliás, atrasado na sua implementação”.
A deputada bloquista, que abriu o debate desta terça-feira na Assembleia Municipal, mostrou-se confusa com a posição do actual executivo. Em Novembro, a controversa ZER ABC já tinha passado pela AML, com a discussão e aprovação por maioria de uma recomendação do BE que defendia a implementação das restrições no centro da cidade pela Câmara de Lisboa conforme previstas no plano de Medina. Segundo Isabel Pires, o BE obteve a seguinte resposta do vereador da Mobilidade à recomendação apresentada pelo partido: “Dado a ZER ABC consta em inúmeros compromissos nacionais e internacionais, serão retomados os respectivos estudos de implementação, no sentido de serem reavalidas as medidas propostas no plano da ZER ABC, e sub-consequentes procedimentos de submissão à Câmara Municipal e Assembleia Municipal para aprovação e respectiva consulta pública.”
“Em que é que ficamos afinal?”, questionou a deputada do BE. “Vai Lisboa acompanhar as capitais europeias? Ou vai ficar para trás em nome de uma visão, no nosso ponto de vista, ultrapassada e nada progressista em relação à forma como nos movemos na cidade?”
“Não houve nenhuma decisão definitiva”
Depois de hora e meia de discussão, o assunto ficou mais ou menos na mesma, com cada deputado e partido a marcar a sua posição sobre o assunto – reiterando, em certa medida, o que já tinham dito em Novembro. Em representação da Câmara de Lisboa, o seu Vice-Presidente, Filipe Anacoreta Correia, garantiu que “não houve nenhuma decisão definitiva relativamente a esta matéria” e lamentou que o debate tenha nascido de “um conjunto de afirmações que, por mais que sejam repetidas, não se tornam verdadeiras”. Anacoreta Correia assumiu que o actual executivo camarário continua “a acompanhar medidas dirigidas à redução das emissões de carbono, com empenho e interesse”, mas que é preciso ter noção dos contextos, até porque este género de medidas podem ter um “impacto grande na vida das pessoas, nas famílias, nos seus orçamentos, na vida dos comerciantes”. “Os comerciantes sentem muito ainda as circunstancias adversas em que se encontram. Quando julgávamos estar num período já pós-Covid, estamos agora numa situação de guerra que levanta enormes preocupações. E julgo eu que qualquer político nestas circunstâncias deve conduzir a sua actuação com uma enorme prudência”, argumentou, recuperando ao mesmo tempo o argumento da pandemia que Medina puxou em 2020 para adiar a ZER ABC.
Já o vereador Ângelo Pereira avançou que a autarquia está a trabalhar na “elaboração de um plano de mobilidade urbana sustentável para a cidade de Lisboa”, onde pretende “inserir a questão da mobilidade na Baixa” mas que seja abrangente a toda a cidade, para que “tenhamos uma estratégia para toda a cidade e não só para a Baixa”. Segundo o vereador que tem a pasta da Mobilidade, o plano será elaborado por uma entidade privada seleccionada por concurso público, estando os serviços da Câmara de Lisboa a “finalizar o caderno de encargos”, isto é, o documento que permitirá o lançamento desse concurso. “Obviamente que as estratégias das ZERs e das ZAACs [Zonas de Acesso Automóvel Condicionado] serão inseridas neste plano que terá o objectivo de reduzir as emissões na cidade”, reforçou Ângelo Pereira, acrescentando que a elaboração deste plano significa dar cumprimento a uma deliberação unânime da AML de 26 de Janeiro de 2021 e que “não teve consequência no executivo anterior em final de mandato mas terá por este executivo”. Não ficou claro qual a diferença entre este futuro plano e o documento estratégico MOVE 2030 já existente.
ZER não deve ser “mais uma medida avulsa”
António Prôa, deputado municipal do PSD, salientou que “a exigência das metas [ambientais] não tem de ser sinónimo de radicalismo na acção” e defendeu uma política de mobilidade que não seja feita “contra a vontade das pessoas” e que não provoque “uns contra os outros” . A ZER “tal como foi apresentada” – reforçou – “não serve as pessoas porque não as respeita. Foi desenhada de forma impositiva, sem dialogo, ignorou as necessidades das pessoas, não previu ou acautelou os seus impactos”. Luís Newton, também do PSD, quis deixar claro que “a política de cidade pop-up, feita contra as pessoas”, “sem planeamento e sem estudos”, acabou; e questionou a moral “desta esquerda” para defender a ZER tendo permitindo um terminal de cruzeiros em Santa Apolónia ou feito “o flop de redução de emissões da Avenida da Liberdade”. Do CDS, o deputado Martim Borges de Freitas afirmou que uma ZER na Baixa-Chiado não deve ser “mais uma medida avulsa”, devendo “assentar num plano integrado e sustentado em dados credíveis, que retratem a realidade, nomeadamente as necessidades de mobilidade real e potencial dos cidadãos”, e que garanta que o centro histórico continua a ser uma zona urbana com vida. “Não podemos dizer às pessoas da Baixa pombalina que vamos fazer mais uma experiência. Não é justo e é, aliás, desumano. Não devemos ainda colocar mais risco em centenas de actividades que são a vida da cidade” com, aquilo a que chamou, de um “um jogo de tira e põe automóveis de um sitio para o outro”.
No geral, existiu um consenso em relação à urgência de responder às alterações climáticas e de resolver o problema das emissões poluentes ligadas à circulação automóvel na cidade. Mas, entre a esquerda e a direita, existiram diferenças. PSD e CDS mostraram-se alinhados com o executivo camarário, enquanto que a Iniciativa Liberal pediu que o debate seja feito mas considerando que a ZER ABC proposta não é uma Zona de Emissões Reduzidas mas uma Zona de Acesso Automóvel Condicionado, como as que existem no Bairro Alto ou na Mouraria. “E a diferença não é meramente semântica”, explicou, salientando que, à luz do Regulamento Geral de Estacionamento, para uma ZAAC ser implementada é necessário consulta pública e pareceres favoráveis da(s) Junta(s) de Freguesia afectadas(s). “Lisboa já tem neste momento uma ZER que abrange a zona da Baixa-Chiado. O que o anterior projecto designado como ZER ABC fazia era promover a criação de uma ZAAC”, afirmou Rodrigo Mello Gonçalves.
ZER ABC tinha um “propósito virtuoso”
Miguel Coelho, deputado do PS e Presidente da Junta de Freguesia Santa Maria Maior, sobre a qual recaia a ZER ABC, disse ser favorável a uma ZER “enquanto ideia” no centro histórico que seja “bem pensada e previamente defendida às pessoas”. Não defensor do projecto inicial, Miguel salientou o seu “propósito virtuoso” que “não pode ser colocado de lado” de reduzir em 40% a circulação automóvel no centro histórico. “O que defendemos é que a ideia inicial seja retomada, que a Câmara Municipal de Lisboa reabra e aprofunde o debate que entretanto foi interrompido pela pandemia”, reiterou o Presidente da Junta de Freguesia Santa Maria Maior, pedindo que “esta problemática” não se transforme “num romance igual ao da ciclovia da Almirante Reis”. Miguel Coelho deixou ainda algumas críticas ao actual Presidente da Câmara: “Esta capacidade eloquentemente evidenciada de distribuir por todos chá e simpatia não tem o mínimo correspondência com uma capacidade de decidir e de governar a cidade”, disse, acrescentando que a actual Câmara parece ter “um pavor a governar e a criar descontentes”pero “governar é decidir e há sempre alguém que não vai gostar [das decisões]”.
Duas novas recomendações, uma do Livre e outra do PS, foram aprovadas por maioria no final do debate na Assembleia Municipal, pedindo que seja retomado o processo de implementação de uma zona de tráfego restricto na Baixa-Chiado.