Os quase quatro quilómetros de muro foram pintados durante um só dia por uma centena e meia de voluntários, a convite do artista António Guimarães Ferreira. Estrutura constituiu um emblemático elemento da arquitectura lisboeta dos anos 1990.

Cerca de 150 voluntários responderam ao desafio do artista António Guimarães Ferreira e juntaram-se para, num só dia, dar cor ao muro de 3,8 quilómetros que acompanha a Avenida Infante D. Henrique e a sua ciclovia, entre Santa Apolónia e Braço de Prata.
Projectado pelo arquiteto Troufa Real, comissionado pela Administração do Porto de Lisboa e erguido em 1998, este muro vê hoje a sua extensão original (Santa Apolónia – Expo’98), interrompida pela construção de um empreendimento habitacional na Matinha. Apesar disso, passados quase 25 anos, mantém-se ainda sem interrupção significativa ao longo de quase 4 km. O muro constituiu um emblemático elemento da arquitectura lisboeta dos anos 1990. Simulando um movimento ondulatório, a estrutura simboliza as ondas do mar e estabelece uma ligação entre o centro de Lisboa e a zona Oriental da cidade.

Cinzento desde 1998, o muro recebeu no dia 15 de Maio pinceladas coloridas de uma centena e meia de voluntários. O convite foi lançado pelo artista António Guimarães Ferreira no âmbito do projecto Alfa Bravo, que lançou com alguns parceiros, entre os quais a Câmara Municipal de Lisboa, o Porto de Lisboa e as Tintas CIN.
Durante um dia de trabalho, os voluntários pintaram os 3 276 blocos de cimento que compõem o muro, uma área de 9 mil metros quadrados que atravessa quatro freguesias (São Vicente, Penha de França, Beato e Marvila). Terão sido usados mil litros de tinta.














O esquema cromático escolhido busca inspiração nas cores empregadas nas bandeiras do Código Internacional de Sinais – de onde, aliás, o título do projecto, Alfa Bravo, é retirado. “Alfa” e “Bravo” são as primeiras palavras do alfabeto fonético usado no ar, ou no mar, como referência que vence a distância e assegura a comunicação, independentemente da origem dos intervenientes.

Vermelho, Amarelo, Azul, Preto e Branco são cores contrastantes entre si e, por isso, facilmente identificáveis à distância. A este conjunto de cores foi acrescentado o Verde, lembrando a necessidade de entender o espaço urbano num contexto mais alargado do que apenas as construções humanas, seus fluxos e motivações.
El proyecto Alfa Bravo assentou no ritmo marcado pela estrutura pré-existente: uma série de blocos com a mesma profundidade e comprimento desfilam paralelos ao Rio Tejo, num movimento ondulatório. A pintura cobriu esta construção. Não alterou a sua estrutura mas marca, através do contraste entre uma cor e outra, uma cadência que acompanha o cenário da cidade, reactivando uma obra que envolve e renovando a sua relação com o espaço urbano e com quem o habita.
A intervenção reequacionou as características prévias do muro e autonomizou-se face à acção, disponibilizando um novo percurso físico e sensorial cuja operabilidade se materializará nas possíveis relações entre transeunte, espaço e património.
Na pesquisa para este projecto, a permanência de pessoas em situação de sem-abrigo residindo junto ao muro foi uma realidade com que, inevitavelmente, António se deparou. Assim, através de uma parceria com o NPISA – Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo de Lisboa, o projecto Alfa Bravo incluiu uma participação remunerada de um grupo de trinta pessoas em situação de sem-abrigo, nossa contribuição no sentido de dar visibilidade ao combate diário contra a vulnerabilidade, o isolamento e a indiferença.
António Guimarães Ferreira (Lisboa, 1975) é artista e criador audiovisual. O seu trabalho investiga espaços e comunidades, fazeres e estares, numa deriva aberta à poesia e à reflexão, encarando a prática artística como um campo de experimentação para pensar e propor relações e afinidades entre espaços, objetos e corpos. Alfa Bravo, pensado e trabalhado ao longo dos últimos anos, é o seu primeiro projeto de arte pública de grande dimensão.
