O Outono chegou mais cedo?

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A seca prolongada no país, incluindo em Lisboa, e a vaga de calor estão a levar à queda de folhas mais cedo que o normal. Parece Outono, mas o Verão ainda nem vai a meio.

Lisboa Fotografía Para Personas

Nas ruas e jardins de Lisboa, equipas de limpeza vão amontoando e apanhando as folhas alaranjadas, secas, que em pleno mês de Julho já caem. O Outono chegou mais cedo? Uma senhora da Higiene Urbana da autarquia, na zona do Campo Grande, diz-nos que é mesmo isso que parece, e que a seca e o calor estão a levar a que a queda das folhas esteja a ocorrer mais cedo que o habitual – principalmente entre os plátanos.

Rosa Casimiro, criadora da Plataforma em Defesa das Árvores, que junta pessoas e associações que gostam de árvores e procuram defender o património arbóreo, em particular nos meios urbanos, aponta que “nunca tinha visto plátanos perderem as folhas nesta altura do ano” como denota, a queda das folhas dos plátanos em Lisboa dá-se habitualmente no final de Agosto, o que faz com que pareça o princípio do Outono.

Fotos de Lisboa para la gente

“Há árvores que aguentam melhor o calor que outras” e cada espécie vai tendo a sua forma de protecção, explica Rosa Casimiro. No caso dos plátanos, a queda das folhas que ocorre habitualmente no Outono é uma forma de estas árvores conservarem água e nutrientes no inverno frio e seco; sem folhagem, os plátanos deixam de transpirar, processo no qual libertam água por evaporação. Esta libertação ajuda a “manter o ar das cidades mais húmido”, aponta Rosa, temendo que, se estas árvores que existem em abundância em Lisboa não conseguirem recuperar as suas folhas, fiquemos com menos na atmosfera da cidade.

Rosa é, como ela própria se apresenta, “apenas uma pessoa atenta às árvores” que procura na ciência respostas para aquilo que observa no dia-a-dia. As alterações climáticas estão a desafiar-nos a reaprender o que vemos. As estações de ano tornaram-se menos definidas e mais confusas, fazendo calor no Inverno e frio no Verão; e as ondas de calor vão ser cada vez mais frequentes, tal como as secas prolongadas e as chuvas fortes e circunstanciais – em especial em cidades e regiões como Lisboa –, criando condições atípicas.

Um trabalho de investigadores de Zurique, publicado em 2020, indica que as alterações climáticas, e em particular os tempo quente e seco, estão a levar a uma antecipação do Outono no que à queda de folhas diz respeito. Analisando e modelando a partir de dados de queda de folhas no Outono de seis espécies de árvores diferentes, em quatro mil locais diferentes na Europa central e ao longo de seis décadas (1948-2015), os cientistas perceberam que, em vez de termos Outonos mais tardios (cerca de 2 a 3 semanas mais tarde do que hoje), como a ciência já apontou, teremos a queda das folhas antecipada em 3 a 6 dias, caso as emissões de CO2 continuem elevadas. Os resultados obtidos sugerem mesmo que níveis mais altos de carbono, temperatura e luz estão a levar a que as folhas sejam mais produtivas na Primavera e no Verão, acelerando a sua queda no Outono.

A queda de folhas no Outono significa o fim do seu período produtivo, durante o qual absorvem CO2 por meio da fotossíntese. Ou seja, se as folhas caírem mais cedo a absorção de CO2 pára. O trabalho que chega de Zurique traz novos dados e novas interrogações sobre este processo de senescência; os cientistas tinham vindo a observar que o aquecimento global estava a levar a períodos de vegetação (verde) mais longos nos últimos anos, com o surgimento de folhas na Primavera cerca de duas semanas antes do que há 100 anos e com a queda mais tardia dessas folhas no Outono.

Ou seja, num clima em aquecimento, esperava-se que as árvores permanecessem verdes mais tempo, capturando mais carbono. Mas a relação pode não ser esta. “Durante décadas assumimos que as estações de crescimento [as plantas, Primavera e Verão] estavam a aumentar e que o Outono estava a ficar mais tardio. No entanto, esta pesquisa sugere que, à medida que a produtividade das árvores aumenta, as folhas caem mais cedo“, referiu o professor Thomas Crowther, da ETH Zurique, na Suíça, “Por isso os aumentos [em armazenamento de carbono] não serão tão grandes quanto o que esperávamos”.

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Por isso, as alterações climáticas podem levar a uma menor capacidade de as árvores absorverem o dióxido de carbono que a Humanidade, nas suas mais variadas actividades, dos transportes à industria, emite. Por outro lado, as situações de seca prolongada e a consequente escassez de água poderão também levar a uma menor absorção de CO2. O stress hídrico é um conceito que pode aplicar-se tanto a populações humanas como aos ecossistemas ambientais; significa quando há menos água que a procurada pelas pessoas ou pelas plantas. Segundo a Agência Europeia do Ambiente (EEA), as situações de stress hídrico não são raras na Europa; cerca de 20% do território europeu e de 30% dos europeus são afectados por stress hídrico durante um ano típico.

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De acordo com a EEA, as alterações climáticas devem piorar este problema, tornando-o mais frequente, maior e com mais impacto, em particular no sul da Europa. A agricultura, o abastecimento público de água e o turismo deverão exercer aqui a maior pressão sobre a disponibilidade de água, com pico sazonal significativo no Verão. As plantas procuram adaptar-se ao stress hídrico, sendo que a capacidade de cada uma para o fazer dependerá de espécie para espécie, e das respectivas respostas fisiológicas e bioquímicas . Mas se o stress for prolongando, o crescimento e produtividade das plantas serão severamente afectados, uma vez que estas se focam na sua sobrevivência.

No fundo, se a água começa a escassear, as plantas procuram formas de preservar o máximo deste bem precioso que possuem. Baixam a sua produtividade ao nível da fotossíntese e da absorção de CO2, e ficam concentradas na retenção máxima de água ainda disponível no ecossistema, baixando a taxa de transpiração e prevenindo eventuais perdas através das folhas – a planta troca o seu crescimento pela sua sobrevivência.

Portugal atravessa, neste momento, uma onda de calor que se tem feito sentir por toda a Europa, com termómetros a chegar próximo ou mesmo a superar os 40 ºC. A última grande onda de calor que o país sentiu foi em 2018. Os últimos meses, no entanto, foram particularmente quentes e secos, segundo o IPMA. No final de Junho, a situação de seca meteorológica mantinha-se em todo o território, verificando-se, em relação ao final de Maio, um aumento da área em seca extrema. A 30 de Junho, 3,7 % do território estava em seca moderada, 67,9 % em seca severa e 28,4 % em seca extrema.

A queda de folhas costuma ser observada em Lisboa por volta de Setembro, com os plátanos – que referimos no início do artigo – a serem das primeiras árvores a recolorirem a cidade. As árvores ganham novos tons e Lisboa enche-se de folhas secas, caídas no chão. Se, por um lado, podem causar quedas acidentais, sendo necessário reforçar a limpeza e varrimento das ruas e avenidas, por outro, quem nunca se maravilhou com uma ciclovia verde rodeada por folhas alaranjadas ou por uma rua onde o asfalto é surpreendido pelas cores outonais? As cores outonais costumam ser outras maravilhas desta estação, e as alterações climáticas podem também estar a torná-las mais vivas e densas estas cores.

O fenómeno de queda antecipada de folhas não é novo e já foi observado noutras cidades. Em 2021, em Vancouver, no Canadá, as autoridades locais apresentaram “medidas de irrigação de emergência” de forma a “mitigar o impacto do calor e da seca do Verão sem precedentes na floresta urbana da cidade”, que estaria a levar à queda repentina de folhagem. Com a utilização de canhões de água de alta potência e o com o reforço nutricional das árvores com aditivos para melhorar a sua resiliência, o governo da cidade pretendia responder à falta de água e à onda de calor que estava a afectar as árvores. A Câmara Municipal local fez também um pedido à população para regar as árvores dos seus bairros, deitando-lhes aproximadamente dois baldes de água duas vezes por semana.

Um professor de silvicultura da Universidade da Colúmbia Britânica (UBC), Stephen Sheppard, explicava a propósito do fenómeno observador em Vancouver que “algumas plantas acima de 30 °C começam a ter danos reais em seus tecidos. Mas, em muitos casos, é uma maneira de as árvores se protegerem se estiverem a perder muita água ou não conseguirem captar água suficiente do solo para manter todas as suas funções”. Certas espécies de árvores podem ser mais vulneráveis ​​a “quedas de folhas induzidas por ondas de calor”dijo.

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O Lisboa Para Pessoas contactou a Câmara de Lisboa para saber se estão previstas medidas de emergência para o impacto do calor e da seca no arvoredo da cidade, em particular durante o Verão. Actualizaremos este artigo quando e se for pertinente.

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