GeoBus sem acesso ao servidor da Carris depois de artigo do Lisboa Para Pessoas

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A Carris terรก mudado a fechadura da porta e Joรฃo Vasconcelos, que tinha criado uma aplicaรงรฃo para ajudar os passageiros da transportadora, ficam sem conseguir ver os autocarros em tempo real. Empresa nรฃo respondeu ร s diversas solicitaรงรตes do Lisboa Para Pessoas.

Lisboa Fotografรญa Para Personas

Horas depois da notรญcia do Lisboa Para Pessoas sobre a GeoBus, a aplicaรงรฃo que Joรฃo Vasconcelos criou voluntariamente para ajudar as pessoas a saber onde estรฃo os autocarros da Carris em tempo real, os dados da transportadora ficaram inacessรญveis. A Carris terรก trocado a chave, impossibilitando o acesso de Joรฃo ร  API. Sem informaรงรฃo em tempo real sobre os autocarros, a GeoBus torna-se inรบtil. “Deixa-me bastante frustrado e desapontado. Mais ainda por a Carris ser uma empresa pรบblica, agora sob gestรฃo da Cรขmara Municipal de Lisboa”, lamenta Joรฃo.

Passaram-se duas semanas e meia desde 19 de Dezembro, dia em que o Lisboa Para Pessoas publicou sobre a GeoBus e pouco depois esta aplicaรงรฃo ficou sem acesso aos dados da Carris. O Lisboa Para Pessoas contactou o gabinete de relaรงรตes pรบblicas da empresa municipal por diversas vezes mas nunca chegou a conseguir uma resposta. Perguntรกmos sobre o acesso da GeoBus ร  API e tambรฉm sobre como a transportadora perspectiva este tipo de projectos de gรฉnese voluntรกria e sem fins lucrativos que procura oferecer uma alternativa aos utilizadores do transporte pรบblico.

Tambรฉm Joรฃo voltou a contactar a Carris. A empresa respondeu-lhe a 26 de Dezembro, num e-mail que o jovem partilhou connosco: A Carris estรก, ainda, numa fase de evoluรงรฃo dos seus sistemas internos, nรฃo tendo, no momento, capacidade de suportar aplicaรงรตes adicionais, com pedidos ao estimador de tempos. Inclusive alguns serviรงos Carris que utilizam o estimador estรฃo desligados, pois o mesmo nรฃo aguenta a carga nas horas de ponta da manhรฃ e da tarde. Como tal de momento nรฃo conseguimos acomodar a solicitaรงรฃo da aplicaรงรฃo GeoBus, mas assim que a evoluรงรฃo esteja assegurada iremos responder ร  necessidade manifestada.” Joรฃo tinha trocado e-mails com a Carris pela รบltima vez em Setembro de 2020 para pedir a colaboraรงรฃo da empresa no acesso aos dados. Na altura, a Carris tinha-lhe dito que “o acesso ร  API” estava “a ser estudado”. Desde esse momento e atรฉ ร  insistรชncia de Joรฃo no final do ano passado, Joรฃo nunca recebera qualquer resposta.

Como Joรฃo tinha acedido ร  API

Ao Lisboa Para Pessoas, Joรฃo Vasconcelos, 27 anos, engenheiro do ambiente e programador, explicou que acedeu ร  API da Carris em 2019, quando estava “livremente disponibilizada no endereรงo carris.tecmic.pt, documentada e sem qualquer restriรงรฃo”, e que no inรญcio de 2020 comeรงou a desenvolver a GeoBus “para colmatar a falta de informaรงรฃo disponibilizada aos utilizadores de transportes, clientes da Carris”. Em Abril, publicou a aplicaรงรฃo na App Store gratuitamente para utilizadores de iPhone e, no Verรฃo, “a Carris decide fechar o acesso sem qualquer aviso prรฉvio”, segundo alega. “A API continuou, no entanto, a estar disponรญvel em gateway.carris.pt, agora acessรญvel apenas com uma chave/password. Pela forma como a internet estรก desenhada e pelo modo como รฉ implementada autenticaรงรฃo em todos os serviรงos online, รฉ sempre possรญvel aceder a esta chave. Uma vez que a Carris disponibiliza uma aplicaรงรฃo oficial na App Store que consome dados dessa API, basta inspecionar os pedidos HTTP dessa app para facilmente descobrir esta chave”, explica sem entrar em detalhes de como procedeu exactamente.

Mas foi por essa via que Joรฃo Vasconcelos voltou a tornar a GeoBus funcional, isto รฉ, com informaรงรฃo em tempo real dos autocarros. “A atitude da Carris nรฃo รฉ a mais produtiva, ignorando e isolando-se da comunidade que se dedica e trabalha para melhorar o seu prรณprio serviรงo. Quando a Carris fechou o acesso ร  API tentei por vรกrias vias entrar em contacto, nunca tendo resposta”, lamenta. O autor da GeoBus nรฃo ficou satisfeito com a resposta que recebeu da Carris: “A Carris indica que permitir o acesso ao GeoBus pode comprometer a estabilidade da sua infraestrutura. Tal nรฃo รฉ verdade pelo simples facto de que a GeoBus รฉ bastante conservadora nos pedidos que faz ร  API, mais conservadora que a prรณpria aplicaรงรฃo oficial, e na minha opiniรฃo รฉ uma aplicaรงรฃo muito mais รบtil, bem desenhada e com uma experiรชncia de utilizaรงรฃo mais confortรกvel.”

O jovem programador sente-se “frustrado e desapontado” e entende que a Carris “deveria ter como principal preocupaรงรฃo proporcionar um serviรงo de transporte de excelรชncia, confiรกvel e รบtil ร  populaรงรฃo”. “A GeoBus vai de encontro a esta preocupaรงรฃo e nรฃo sรณ รฉ ignorado como rejeitado pela prรณpria entidade”aรฑade. “Os meus votos para 2023 sรฃo que a Carris ganhe bom senso e disponibilize o acesso ร  API, permitindo que a comunidade consiga construir ferramentas de informaรงรฃo que contribuem para uma cidade mais inclusiva, sustentรกvel e acessรญvel para todos.”

“Um exemplo a nรฃo seguir”

Quando com acesso pleno aos dados da Carris, a GeoBus nรฃo sรณ mostra a localizaรงรฃo em tempo real dos autocarros e elรฉctricos de Lisboa, mas tambรฉm apresenta estimativas dos tempos de espera com base num algoritmo de aprendizagem automรกtica que analisa padrรตes, segmento a segmento, de um determinado percurso, tendo em conta factores como o trรขnsito da cidade. Estas estimativas complementam os tempos de espera mostrados de forma oficial pela Carris e podem, em determinadas situaรงรตes, serem mais realistas.

Ouvida pelo Lisboa Para Pessoas, a associaรงรฃo D3, que se dedica ร  defesa dos direitos digitais, entende que a Carris รฉ “um exemplo a nรฃo seguir” mas diz que “nรฃo serรก caso รบnico”. As entidades pรบblicas estรฃo muito atrasadas na implementaรงรฃo das polรญticas de dados abertos, sendo que nalguns casos, como o da Carris, o problema revela-se mesmo ao nรญvel cultural da prรณpria entidade, completamente contrรกrio ao que รฉ indicado pela Legislaรงรฃo vigente.” A D3 refere a Lei dos Dados Abertos no sector pรบblico, de 2021, que indica que entidades pรบblicas como a Carris “devem assegurar que os documentos e dados que produzam ou disponibilizem sejam, sempre que possรญvel, abertos desde a sua concepรงรฃo, tendo em vista a sua disponibilizaรงรฃo futura aos cidadรฃos e organizaรงรตes sociais”. Jรก a anterior Lei de Acesso a Dados Administrativos (LADA), de 2016, esclarece que essas mesmas entidades devem disponibilizar “dados dinรขmicos para reutilizaรงรฃo imediatamente apรณs a respectiva recolha”, isto รฉ, em tempo real, atravรฉs de API.

Esta mesma lei “refere que os dados de mobilidade sรฃo dados de elevado valor e que devem ser legรญveis por mรกquinas, acessรญveis atravรฉs de API e disponibilizados gratuitamente. Nรฃo รฉ por acaso que a lei define estes dados como dados de elevado valor”, refere a D3. “Por exemplo, sรฃo fontes riquรญssimas para contextos educativos (ex. cursos de anรกlise de dados ou planeamento urbano). De igual forma, o aparecimento de plataformas alternativas รฉ fundamental para possibilitar outras formas de olhar para a informaรงรฃo e melhorar as soluรงรตes existentes.” Para esta associaรงรฃo empenhada na defesa dos direitos digitais nรฃo parece haver “razรตes vรกlidas para recusar o acesso, jรก que o custo de manutenรงรฃo de uma API nรฃo รฉ significativo, e do ponto de vista tรฉcnico nรฃo hรก qualquer razรฃo para que acessos de terceiros prejudiquem o sistema da Carris”.

Dados da Carris “sรฃo pรบblicos, o que nรฃo quer dizer que sejam livres”

Em Outubro, a Carris tinha dito ao Lisboa Para Pessoas que os acessos ร s suas APIs โ€œdeixaram de ser pรบblicos, passando a ser mais restritos e controlados no tempoโ€, para salvaguardar a “rapidez e disponibilidade” da informaรงรฃo sobre os autocarros na aplicaรงรฃo oficial da operadora. A Carris tinha detectado que havia mais pessoas e entidades a aceder ร  sua API e a sobrecarregar, por isso, o seu servidor, pelo que sentiu necessidade de “introduzir novos processos de seguranรงa e de utilizaรงรฃo das credenciais”. A transportadora disse ainda que os seus dados โ€œsรฃo pรบblicos, o que nรฃo quer dizer que sejam livresโ€, e que estรก disponรญvel para facultar as credenciais de acesso ร s suas APIs mediante uma anรกlise โ€œtendo por base diversos parรขmetros: finalidade, tipo de dados, descriรงรฃo do projecto, medidas para a manutenรงรฃo dos sitesโ€. โ€œPara alรฉm disso, sempre que solicitado, acompanhamos a implementaรงรฃo com suporte tรฉcnico e recomendaรงรตes, de modo a preservarmos o valor e a credibilidade da informaรงรฃoโ€, informou ainda a empresa.

Contrariamente ร  Carris, o Metro de Lisboa disponibiliza publicamente as suas APIs com informaรงรฃo em tempo real da localizaรงรฃo dos comboios, tempos de espera, perturbaรงรตes no serviรงo e outros dados. Essa abertura por parte deste operador tem permitido o surgimento de projectos comunitรกrios, como a aplicaรงรฃo Prรณximo Metro, que mostra de forma simples e prรกtica quanto tempo falta para o prรณximo metro em qualquer estaรงรฃo; ou o site Perturbaรงรตes.pt, que apresenta a mais completa anรกlise da disponibilidade e indisponibilidade do serviรงo do Metro de Lisboa ao longo de vรกrios anos.

Apesar de o Metro de Lisboa disponibilizar dados em tempo real atravรฉs das suas APIs pรบblicas โ€“ que qualquer pessoa ou entidade pode utilizar โ€“, essa informaรงรฃo alimenta o site da prรณpria empresa ou a conta de Twitter, onde รฉ possรญvel consultar o โ€œestado das linhasโ€ e saber se existe alguma perturbaรงรฃo no serviรงo, e tambรฉm os painรฉis fรญsicos das estaรงรตes. O Metro pode assegurar que os pedidos de acesso ร s APIs por terceiros nรฃo perturbam a disponibilidade de informaรงรฃo nos canais oficiais da empresa, privilegiando tecnicamente a resposta do servidor aos canais oficiais em detrimento dos pedidos de terceiros; dessa forma, numa situaรงรฃo mais crรญtica de sobrecarga, os meios de comunicaรงรฃo mais importantes do Metro de Lisboa, como o seu site e painรฉis, poderรฃo nรฃo falhar enquanto todos os outros falham.

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