Através das redes sociais, foi lançado o convite para uma assembleia de vizinhos da Penha de França com o intuito de discutir problemas e soluções relacionados com a mobilidade em bicicleta na freguesia. Quatro dezenas de pessoas apareceram e, deste primeiro encontro, resultaram promessas e ideias de acção para tornar a bicicleta mais presente e…

Un levantamento exaustivo do parqueamento de bicicletas existente na freguesia da Penha de França, realizado por um grupo de vizinhos, permitiu confirmar uma evidência: esta é uma das freguesias mais populosas e densas de Lisboa mas das que tem menos disponibilidade de bicicletários. Contas feitas, se na vizinha freguesia de Arroios o rácio de lugares de estacionamento de bicicleta disponíveis é de 30 lugares por cada 1000 habitantes; na Penha de França, é de 7 lugares por cada 1000 habitantes. Para Laura, Rosa, Luísa e outras moradoras e moradores da Penha, é insuficiente para a procura e o resultado está à vista de todos: pelas ruas da freguesia, é comum encontrar-se bicicletas presas as postes dos mais variados tipos e feitios.
Já neste espaço falámos da história de Ana Matias, uma recente moradora da Penha que, quando se mudou para a freguesia, deixou de ter perto de casa uma solução para deixar a sua bicicleta em segurança. Reuniu com a Junta de Freguesia e com a Câmara Municipal com ideias e propostas concretas, como a de instalar na freguesia uma hangar para bicicletas – uma pequena caixa metálica com espaço no seu interior para pelo menos seis velocípedes e que outras cidades já adoptaram como solução para zonas residenciais. Ana não conseguiu respostas positivas e conta que, da autarquia, recebeu argumentos como ser uma estrutura demasiado cara o inestética. “Neste momento estou a pagar um preço exorbitante numa garagem para guardar a bicicleta”, conta Ana. “Ou seja, a Ana está a pagar parqueamento para a sua bicicleta e quem tem dístico de residente da EMEL não paga nada para estacionar o seu carro na via pública da freguesia”, reforça Laura.

“Eles [os decisores políticos] não sentem que existe um grupo representativo. Precisamos de estar unidos e de conseguir dizer que somos mais do que vocês pensam”, desabafa Ana. Esta vontade de unir forças e esforços pareceu unânime numa primeira reunião de vizinhos da Penha de França, utilizadores da bicicleta na freguesia, que decorreu na passada tarde de domingo, 5 de Fevereiro, no pátio exterior da cooperativa artística e cultural PENHA SCO. Tratou-se de uma assembleia informal onde diferentes pessoas, que responderam a um convite partilhado nas redes sociais, discutiram problemas e soluções para melhorar a experiência de pedalar e uso da bicicleta na freguesia onde residem. Deste encontro, que durou algumas horas e no qual diferentes vizinhos partilharam as suas experiências e preocupações pessoais, resultou um quadro com a identificação de vários problemas e soluções comuns, que vão além da escassez de estacionamento. “É curioso que nos focámos mais nas soluções que nos problemas”, comentou Ana Filipa, depois de olhar para o resultado final.

O grupo de vizinhos e de vizinhas vai agora trabalhar em próximas linhas de acção, mas, por agora, ficou criada uma lista de e-mails para que a conversa possa prosseguir no meio digital e ficou pré-marcada uma próxima assembleia presencial – a ideia é voltar a fazer num domingo à tarde para dar para mais pessoas, incluindo famílias com filhos, no dia 26 de Fevereiro ou 5 de Março. Falou-se em criar um manifesto, uma petição ou ambos, bem como de realizar uma “massa crítica local”, isto é, um percurso de bicicleta pela freguesia para gerar visibilidade nas ruas em torno dos utilizadores deste meio de transporte.

Se para Ana a falta de estacionamento é a principal apreensão – e o factor que a leva a usar mais ou menos a bicicleta –, para outros residentes da Penha há outras preocupações. Diogo, que vive na Paiva Couceiro e usa a bicicleta há 30 anos na cidade (“vi toda a evolução, desde os anos 1990 até agora”), entende que a Penha está “completamente enclausurada”, dada a pouca acessibilidade ciclável das principais entradas e saídas da freguesia. “A Morais Soares é inacessível. A saída pelas Olaias é perigosa. A Mouzinho de Albuquerque é muito chata e perigosa também. Do lado da Graça também não é fácil”dijo. “Falta um acesso cá acima [ao topo da freguesia, na Paiva Couceiro]. É muito importante.”
João corroborou: “A Morais Soares, Paiva Couceiro e General Roçadas são eixos que deveríamos reivindicar [para se tornarem amigos da bicicleta].” Na Avenida General Roçadas, que foi intervencionada há pouco tempo e onde existem várias escolas, poderia ser concretizado um percurso ciclável com a pintura de duas vias 30+bici. “Era algo fácil de concretizar como primeiro passo”, disse João, pedindo também uma acalmia efectiva daquela artéria, onde reside e onde diz haver carros a atravessar muito rápido durante o período nocturno. Outro moderador, também chamado João, acrescentou que poderia ir-se mais longe e ser tirado à General Roçadas um dos sentidos para transformar numa ciclovia.
“Sem dúvida que precisamos de uma ciclovia na Morais Soares”, comentou Julia, que se mudou há cerca de dois anos da Alemanha para a Penha. “Enquanto não há, gostava que houvesse sinalização para alertar os condutores para a presença de ciclistas na estrada”, sugeriu, deixando uma outra ideia: nas escolas, as crianças serem desafiadas a tirar uma carta de condução de bicicleta com um teste prático na rua, como disse fazer-se na Alemanha. Por seu lado, Maria João, que reside há uma década na freguesia e que passou a deslocar-se de bicicleta depois de vender o seu carro, queixou-se especialmente da Mouzinho de Albuquerque, que utiliza para ir para o trabalho. “Não percebo: existem duas vias em cada sentido, não há trânsito e mesmo assim escolhem fazer-se razias quando têm uma via à esquerda para me passar. Irrita-me mais porque não há trânsito. Já tentei de tudo e ando com colete refletor, capacete, etc. Também me apitam e já chegaram a dizer-me para sair da estrada”, desabafou. “Vou sempre em stress. Vou com essa preocupação de não os chatear [aos condutores] e acabam por chatear a mim.”



“Os grupos de vizinhos da Penha de França que existem no Facebook estão tomados pelos partidos de direita, e cai o Carmo e a Trindade sempre que se fala de bicicletas”, comentou João Monteiro, morador no Alto de São João e membro da Assembleia de Freguesia da Penha de França pelo partido Livre. Disse que tem pressionado o executivo da Junta para haver GIRA na freguesia, mostrou a sua disponibilidade para falar com os restantes vizinhos e sugeriu um abaixo-assinado para mostrarem aos decisores que quantitativamente até existem muitos ciclistas na Penha. O tema da GIRA foi transversal a várias das intervenções, ao não existir nenhuma estação na Penha. “Não tenho bicicleta própria, pelo que uso a GIRA. Vou até à Alameda e de vez em quando tenho de ficar à espera porque não há bicicletas disponíveis”, comentou Sara. “Para mim, haver uma ou mais estações GIRA aqui seria útil. Espero que venham essas estações mas não sei se terei coragem de subir e descer a Morais de bicicleta”, acrescentou, referindo-se à insegurança percecionada daquela artéria. Sara deixou uma sugestão: os grupo organizar-se para ir à Assembleia de Freguesia “falar com os vários representantes que foram eleitos”.

Rita, vizinha de Sara, concorda com a utilização dos mecanismo da Assembleia de Freguesia e também com idas à Assembleia Municipal. “É bom irmos chateando aos poucos e poucos”, referiu. A sua experiência com a bicicleta mudou desde que em 2009 começou a utilizá-la de forma regular. “Andava sem problema. Agora uso menos e sinto-me menos confiante. Acho que a cidade está muito dominada pela cultura do automóvel e já não tenho energia para me chatear. Não quero ter aquela fonte de stress na minha vida e vou preferindo ir a pé do que de bicicleta”, desabafou. Uma outra moradora, que disse ter residido em Amesterdão durante alguns anos, não conseguiu transportar o hábito de usar a bicicleta quando regressou a Lisboa. “Para mim é impensável colocar um bebé numa bicicleta em Lisboa. Tenho muito medo.” Sugeriu uma campanha de comunicação que aproveite o contexto das alterações climáticas e a subida do preço dos combustíveis para impulsionar o uso da bicicleta e, ao mesmo tempo, “um plano de acção para chegar lá a cima [aos decisores] para eles, por seu lado, chegarem cá abaixo [à população]”, com medidas concretas e comunicação. “A bicicleta é um recurso mais pessoas usariam se pudessem. É muito perigoso andar de bicicleta nesta cidade.”
Rafael, a única criança entre as três dezenas de participantes, também fez a sua participação. “É completamente ridículo não haver ciclovias na Penha e no Beato. Quando isso acontecer, dou as minhas palmas à Câmara”, comentou, olhando para o chão como quem quer quebrar os nervos e concentrar-se na sua exposição oral. “Acho que é preciso haver mais crianças a estes eventos para terem uma sensação de como é a mobilidade na cidade.” Para Rafael, “andar de bicicleta é como andar de carro” no que toca ao cumprimento da sinalização e em particular dos sinais vermelhos, e disse ser necessário haver uma maior sensibilização junto de outras crianças para esse acatamento do Código da Estrada. Rita Ferreira, mesmo não sendo moradora da Penha, aproveitou para falar da KidicalMass, um encontro global de crianças a andar de bicicleta (e dos seus pais) que se realiza em várias cidades e que se estreou no ano passado em Lisboa. Havia um motivo para a KidicalMass estar ali presente: “Este ano queremos duplicar os participantes e estamos a pensar fazer a KidicalMass aqui na Penha no dia 7 de Maio. Pensámos começar na Alameda e percorrer várias ruas da freguesia.”

A Morais Soares foi outro tema transversal a várias das intervenções – uma rua que começa na Almirante Reis (“lembram-se dela com duas vias para cada lado?”, disse um morador que também trocou o carro pela bicicleta) e que liga à Paiva Couceiro e Alto de São João, funcionando como uma espécie de espinha dorsal da freguesia. É uma rua com um tráfego pedonal intenso, várias carreiras da Carris, muito comércio e segunda fila recorrentes. “A própria polícia é a primeira a parar o carro em segunda fila para comprar frango na Morais Soares”, denunciou um vizinho, pedindo uma maior sensibilização da parte das forças policiais. “O condutor que buzina a mim não se chateia com quem está em segunda fila porque é um comportamento que já está normalizado”, relatou Laura a partir da sua experiência, lamentando não ter nenhuma solução para parquear a sua bicicleta quando se desloca ao comércio da Morais Soares.
Quem também vai às compras nesta rua é Fernando Oliveira, de 86 anos, que pode ser encontrado habitualmente em cima de uma bicicleta por Lisboa fora. “Há 60 anos que utilizo a bicicleta como meio de transporte. Hoje em dia uso mais como lazer. Apesar da minha idade, sou muito fã das ciclovias e tenho pena que aqui não haja”, referiu, explicando os trajectos que faz para “se safar do trânsito” e evitar ruas movimentadas como a Morais Soares; diz que a usa apenas quando vai “comprar comida para o cão”. Francisca também falou dos seus receios. “Vivo na Morais Soares e tenho a bicicleta em casa, mesmo dentro de casa, e quase não uso porque tenho medo de andar na Morais Soares. Tentava usar as ruas interiores dos bairros mas muitas são de sentido único”, comentou. “Acho que Lisboa mudou muito e acho que, além de pedir uma ciclovia, devíamos pedir que a circulação de carro fosse mais difícil. Há demasiados carros na rua.”






A ideia para a realização desta reunião-assembleia de vizinhos deu-se há três semanas depois de um encontro sobre mobilidade ciclável que decorreu na Biblioteca Municipal da Penha de França. O levantamento de parqueamento de bicicletas na freguesia realizado por Laura, Rosa, Luísa e outras moradoras e moradores na freguesia foi apenas um ponto de ignição para juntar mais pessoas e começar a reunir uma massa crítica. “Sinto que eu sozinha tenho um peso zero. Sou uma gota de água no meio do que se está a passar. Temos de mostrar que somos muitos e de fazer pressão”, sugeriu Rosa, falando da necessidade de organizar e formalizar o colectivo de três dezenas de pessoas que naquela tarde de domingo se juntou. “Temos de passar um sinal à Junta e, da parte desta, tem de haver um sinal político junto da Câmara. Não interessa dizer que aquele assunto é da Câmara e não da Junta. Têm de, pelo menos, de comunicar a vontade de um grupo relevante de vizinhos”, comentou Laura. Para Ana Filipa é importante “alargar o âmbito” da discussão e envolver “os muitos peões que há na freguesia”. “Era importante chegar a eles também. Há um semáforo na Paiva Couceiro que demora 5 segundos com verde. Eu fico a meio da via, nem imagino uma pessoa com menor mobilidade que eu”, contou. “Se os privados não avançam, se as autarquias não avançam, avancemos nós com propostas que interliguem estas questões todas da bicicleta com os espaços verdes e outras abordagens à mobilidade”, adicionou João.
Laura, Rosa e Luísa explicaram aos participantes que já tiveram duas reuniões com a Junta da Penha de França onde mostraram o trabalho de levantamento de estacionamento ciclável que realizaram nos tempos livres. Disseram que o acolhimento foi maior na segunda reunião, que decorreu em Setembro do ano passado, mas contam que desde então que existiu um silêncio na corrente de e-mails até terem sido divulgados nas redes sociais os cartazes desta reunião de vizinhos. “Não sabemos se foi por isso que voltámos a receber uma resposta, mas houve uma grande coincidência”, comentou Laura.
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