Esta é a primeira de quatro histórias de mulheres utilizadoras da bicicleta em Lisboa que iremos publicar ao longo das próximas semanas.
Luzia Borges
49 anos, Dafundo
“Talvez sinta também condescendência por ser mulher, como se ser mulher fosse de uma fragilidade tal que é quase sinal de loucura andar na estrada — que ‘estão a pôr-se a jeito’ e ‘depois não se queixem se forem atropeladas’.”

O Lisboa Para Pessoas publica quatro histórias de mulheres de Lisboa que fazem da bicicleta o seu meio de transporte preferencial. Uma parceria com a MUBi - Asociación para la Movilidad Urbana en Bicicleta e o seu projecto +MAP – Mais Mulheres a Pedalar.
Começamos com a história de Luzia Borges.
Qual a tua experiência em bicicleta na cidade?
Nem sempre é fácil. Desloco-me desde Junho de 2021 de bicicleta para o trabalho (em Alcântara) e não tenho ciclovia disponível a não ser um pequeno troço em Algés, que termina sem opções para além do passeio, que é proibido para as bicicletas. Ainda assim, faço parte pelo passeio até ao CCB e depois volto à estrada até ao meu local de trabalho. Felizmente tenho um parque de bicicletas na garagem da minha instituição e sinto-me bastante segura a deixar lá a minha cargobike durante 8, 12 ou mais horas. Quando regresso, é quando sinto maior insegurança. Não que me sinta ameaçada por assédio de género (nunca aconteceu), mas, sim, a nível de integridade física pela razia de vários carros, muitos de forma propositada, quando faço a Avenida da Índia até sair quase em Algés para ir buscar a minha filha de oito anos à escola (que transporto na minha bicicleta) de regresso a casa. A deslocação da escola para casa também não é pacífica; não há opção a não ser a estrada e há uma subida longa que temos de fazer de Algés para o alto do Dafundo.


O que preocupa mais são as razias, as ultrapassagens perigosas, o excesso de velocidade da maioria dos carros. Já apanhei sustos mas faço questão de ganhar o meu espaço, e sei que a minha resiliência faz com que os automobilistas se habituem à presença das bicicletas, que, noto, são cada vez mais. Só ressaltar que uma a duas vezes por semana tenho de ir à escola da Cruz Vermelha dar aulas e o trajeto da Avenida de Ceuta é de facto muito inseguro — já tive um incidente que poderia ter corrido bastante mal.
Principal dificuldade: falta de civismo e ignorância (as bicicletas podem andar na estrada e algumas pessoas acham que não).
Conselho: não desistir — temos esse direito e é uma liberdade imensa.
Fala-nos de como o teu género tem condicionado, ou não, essa experiência.
Confesso que não penso muito nisso. Quando quero fazer uma coisa faço. Mas lembro-me que decidi ir de bicicleta a uma consulta perto de Alvalade e, no regresso, já de noite (seriam umas 21h30), a aplicação que uso, o GPS Komoot, enviou-me por longas ciclovias, descampados, seguido de zona residencial que me pareceu insegura, com rapazes e homens na rua, que se meteram comigo à minha passagem. Pensei na fragilidade de estar sozinha com uma bicicleta, de me poderem assaltar e levar tudo. De qualquer forma, o que tirei dessa experiência foi a necessidade de estudar melhor os circuitos.


Se consideras que tem condicionado, que situações viveste, ao usar a bicicleta, em que sentiste de algum modo desigualdade, insegurança ou falta de acesso pelo facto de seres mulher?
Não tenho sentido muita desigualdade, acho que os automobilistas são tão agressivos para homens como para mulheres. Claro que há uma enorme desigualdade entre carros e bicicletas, o lobby é claramente poderoso. Apenas uma vez alguém me disse “vai para o passeio”, e eu não disse, mas tive vontade de dizer no mesmo estilo “volta para a caverna”… Insegurança, sim, muitas vezes, sobretudo nas razias a que sou sujeita, que entendo como avisos, sobretudo em estradas em que, apesar de o limite ser 50 km/h, os carros circulam em excesso de velocidade. Ainda há muita falta de civismo e, ao mesmo tempo, ignorância.
Mas talvez sinta também condescendência por ser mulher, como se ser mulher fosse de uma fragilidade tal que é quase sinal de loucura andar na estrada — que “estão a pôr-se a jeito” e “depois não se queixem se forem atropeladas”. Como já disse, faço questão de ganhar o meu espaço na estrada, mas acredito que muitas mulheres ficariam amedrontadas e até poderiam desistir. O ideal seria haver ciclovias; ao mesmo tempo, seria bom implementar-se formas de controlo do limite de velocidade na cidade.


Na tua perspectiva, o que falta para que mais mulheres usem regularmente a bicicleta como modo de transporte?
Claramente mais ciclovias e mais acesso à informação. As mulheres compreenderem que é possível mudar o paradigma, que se tiverem uma bicicleta eléctrica não vão sentir necessidade de tomar banho no local de trabalho, que vão viver melhor, vão estar mais tonificadas (exercício físico), que vão ganhar qualidade de vida, que não vão perder horas em filas de trânsito, que vão andar mais leves, e que as suas crianças vão ser mais felizes, mesmo em dias de chuva.
A falta de parques de bicicleta não ajuda. Falta também informação sobre os caminhos mais seguros para circular e informação sobre onde parquear, sobretudo quando se circula ao anoitecer ou de noite.
Lançado no dia 8 de Março, o projecto +MAP – Mais Mulheres a Pedalar é uma iniciativa da MUBi - Asociación para la Movilidad Urbana en Bicicleta que pretende funcionar como um ponto de encontro em torno das questões de género – um espaço onde se pode falar das lacunas evidentes no que toca à utilização da bicicleta pelas mulheres, e derrubar preconceitos e obstáculos sociais.