Opinión.
Nos últimos 10 anos, apesar do enorme investimento realizado pelo país em ciclovias, da aposta de muitos municípios em sistemas partilhados de bicicleta, do trabalho relevante do ativismo pela mobilidade ativa e do tema estar na agenda política nacional e europeia, o resultado é manifestamente desanimador.

Nos últimos 10 anos, apesar do enorme investimento realizado pelo país em ciclovias, da aposta de muitos municípios em sistemas partilhados de bicicleta, do trabalho relevante do ativismo pela mobilidade ativa e do tema estar na agenda política nacional e europeia, o resultado é manifestamente desanimador. De acordo com os Censos 2021, o número de utilizadores regulares de bicicleta aumentou em 168 pessoas numa década, passando para um total de 31 347. O peso relativo no total dos modos de transporte aumentou muito ligeiramente de 0,53 para 0,58. Muito longe dos 7,5% que a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável ambiciona para 2030.
Mas as más notícias não ficam por aqui. Contrariando as orientações nacionais e europeias de descarbonização da mobilidade, o peso do uso do automóvel nas deslocações quotidianas aumentou de 61,6% para 66,0%. O andar a pé baixou de 16,4% para 15,7% e os transportes coletivos reduziram de 20% para 16,2%. Tudo ao contrário do que seria desejável.
No Congresso Internacional Mobilidade Escolar Sustentável, organizado neste fim-de-semana em Ílhavo, pela Câmara Municipal de Ílhavo e pela empresa local Nuno Zamaro Mobility, tentou-se discutir a razão de tão fraco impacto de tanto trabalho realizado.
Foram várias as razões apontadas. A principal razão prende-se com a qualidade das infraestruturas criadas. Muitas das ciclovias construídas não oferecem aos utilizadores a segurança e comodidade necessárias, por descontinuidade, deficiência de conceção, por ex. não serem segregadas, ou falta de conexão com os destinos mais procurados, a escola ou o trabalho. A segunda está relacionada com a difícil convivência entre modos de transporte e a falta de cuidado com os utilizadores mais vulneráveis. O desconhecimento das recentes alterações ao Código da Estrada não ajuda. A crispação social geral tem muitas vezes na rua e na convivência um escape para as frustrações. A terceira com a organização da vida urbana não ser compatível com a utilização dos modos ativos. A última, com a falta de estratégia ou financiamento público para agir nestas várias frentes de forma concertada.
O que se pode fazer, então? Sete ideias fortes emergiram da reflexão:
- A mudança na mobilidade urbana para ser consequente implica ter por detrás um novo modelo urbano que permita reorganizar a vida e as deslocações regulares de casa para o trabalho, a escola, as compras e o lazer. Não há uma solução mágica e pronta a vestir e nem todos estão em condições para a mudar no curto prazo. O diálogo sobre o assunto podia ser o primeiro passo. Depois, tentar encontrar mediadores que ajudem na transição, sobretudo para os que estão mais disponíveis ou com melhores condições para o fazer.
- Uma política nacional para a redução da velocidade urbana (zonas 30), com apoios financeiros para experimentar soluções infra-estruturais baratas e depois de avaliadas para sua replicação a uma escala mais alargada.
- Uma política nacional de ruas escolares, em coordenação com os municípios, incentivando o encerramento progressivo ao transito das ruas de acesso às escolas, e criando novos espaços de brincar e lazer em frente às escolas, melhorando a segurança e a qualidade do ar.
- Um programa de sensibilização para o cumprimento do Código da Estrada e um outro de fiscalização cujo produto (coimas) revertia para as apoiar as mudanças de infraestrutura e de cultura.
- Um incentivo financeiro por quilómetro circulado ou em espécie, através de dias de férias.
- A criação de parcerias pela mudança na mobilidade urbana que juntassem autarquias, movimentos ativistas pela bicicleta, escolas, forças de segurança e universidades.
- Um programa de responsabilidade social de apoio ao ativismo urbano pela bicicleta, financiado pelo setor das duas rodas (ABIMOTA) e pelo setor automóvel.
Apesar das dificuldades, há experiências que mostram que é possível fazer diferente. Nos dois dias de trabalho neste Congresso, foram apontados alguns exemplos. Do último, que tive a oportunidade de moderar, registei o seguinte. Os cicloexpressos em Lisboa passaram a política pública, numa boa articulação com as organizações da sociedade civil, nomeadamente a Bicicultura. As ruas escolares que borbulham por essa Europa fora, e que Glenn Godin de MOBIEL21 promove na Bélgica, já começam a ser experimentadas em Portugal. A Ciclaveiro fez o Rota Segura para a Escola, e várias ações de brincar na rua vão no mesmo sentido, nomeadamente as de Cascais (A Rua é Nossa).
As forças de segurança (PSP e GNR) têm demonstrado um crescente interesse, nomeadamente com o patrulhamento em bicicleta. E a formação dada nas escolas pela Federação Portuguesa de Ciclismo (Ciclismo Vai à Escola) e outras organizações (como a POP) ilustram uma abertura do Ministério da Educação e dos agrupamentos escolares. O ativismo da MUBIde Braga Ciclávelde CiclaveiroEl Patrulheiros e de tantas organizações locais é um trabalho de proximidade com um valor imenso. O governo através do Fundo Ambiental tem apoiado vários projetos e ajudado a dar corpo a respostas mais robustas. As universidades, algumas envolvidas no U-Bike, outras com investigações nacionais e internacionais têm um relevante capital e conhecimento. A ABIMOTA representando o setor líder europeu tem promovido bem os seus associados, dando visibilidade ao que bem se faz por cá, nos mercados externos.