No início deste ano, a Bolt suspendeu o serviço de bicicletas e trotinetas partilhadas em Setúbal. A Câmara pretendia que empresas como a Bolt pagassem licenças para operar no município, mas os privados não aderiram à proposta.

Nos últimos anos, a Bolt, uma das várias empresas de base tecnológica com serviços de bicicletas e trotinetas partilhadas, entrou em múltiplas cidades e vilas portuguesas, através de parcerias com os respectivos municípios. Setúbal foi uma dessas cidades.
Foi com a Bolt que a cidade sadina ganhou, no Verão de 2021, um serviço de bicicletas e trotinetas partilhadas. Um ano depois, esta empresa estreou em Setúbal uma novidade a nível nacional: junto à renovada Interface de Transportes de Setúbal (ITS), instalou uma estação para estacionamento e carregamento das suas trotinetas, permitindo não só um espaço público mais arrumado mas também a articulação deste meio de transporte, adequado para o último quilómetro, com o comboio e os autocarros. De acordo com dados registados entre Junho de 2021 e Março de 2023, foram feitas quase 945 mil viagens nas bicicletas e trotinetas da Bolt em Setúbal, durando, em média, cerca de 8 minutos e percorrendo 1,53 quilómetros. Em Março do ano passado, Setúbal contava com 235 veículos da Bolt.
Bolt de fora da corrida às licenças

Dois anos e meio depois, a Bolt está fora de Setúbal. As bicicletas e trotinetas que andavam espalhadas pela cidade foram recolhidas, e o ponto de carregamento no ITS foi removido. Tudo isto porque, a 31 de Dezembro de 2023, terminou o memorando de entendimento entre a Câmara de Setúbal e a empresa privada que permitia o aluguer destes veículos partilhados. As duas entidades não se entenderam. A autarquia pediu, através de uma hasta pública – portanto, aberta não só à Bolt mas a outras empresas privadas do género – pelo menos 245 mil euros para a partilha de 350 bicicletas e trotinetas eléctricas durante cinco anos, não renováveis automaticamente.
A Bolt não quis, por considerar o montante elevado, e também nenhum outro operador teve interesse. A hasta pública ficou vazia. Note-se que, através deste procedimento, a Câmara de Setúbal previa a atribuição de duas licenças: cada uma das licenças seria do montante mínimo supra referido e cada uma previa 350 veículos. Ou seja, a autarquia sadina pretendia ter duas empresas a disponibilizar bicicletas e trotinetas na cidade – no total, 700 velocípedes partilhados, um aumento de quase 200% em relação ao existente. As licenças seriam atribuídas aos operadores que apresentassem as propostas economicamente mais vantajosas para o Município, ou seja, com os montantes mais elevados.

Colocar o Município a ganhar com isto
Através desta hasta pública, a Câmara também pretendia regular as bicicletas e trotinetas partilhadas, a partir da experiência consumada com a Bolt ao longo de dois anos e meio. Entre as novas exigências, estava um alargamento da área de operação onde as pessoas poderiam circular ou a implementação de estações físicas e virtuais pela cidade onde os utilizadores seriam obrigados a terminar as suas viagens, sendo que um terço dessas estações deveria ser como a do ITS, isto é, com carregamento eléctrico. Aos operadores também seria incumbida a tarefa de sinalizar as docas de estacionamento com um sinal vertical e pintura do pavimento, de acordo com os desenhos do Município. Por outro lado, quando lançou a hasta pública, o Município já tinha disponível o seu “Regulamento de Mobilidade Partilhada”, onde estavam estipuladas estas obrigações para os operadores privados, bem como outras regras e directrizes.
“Veio aqui [a reunião de Câmara] uma proposta a reunião de câmara de um regulamento e hasta pública em que a câmara definiu, tendo por base o serviço nos últimos dois anos, os pressupostos mínimos relativamente àquilo que considera uma futura operação”, explicou a Vereadora de Mobilidade de Setúbal, Rita Carvalho (PCP), numa reunião de Câmara recente, em resposta ao PS. “A hasta pública ficou deserta porque consideraram não haver condições. Para nós, a nossa exigência relativamente ao serviço, é aquela, consideramos que é o que melhor assegura o serviço prestado e a co-relação dos diferentes utilizadores do espaço público.”
Um projecto-piloto

“O que estava em funcionamento era um projecto-piloto com uma das operadoras da mobilidade partilhada, que era a Bolt, que teve dois anos desse projecto”, acrescentou Rita Carvalho. Este projecto-piloto foi lançado em Junho de 2021, no início do Verão, para durar seis meses. Com a Bolt, foram acordadas, na altura, nove estações virtuais e a disponibilização de 200 a 300 trotinetas. Em Novembro de 2021, já com 22,8 mil utilizadores sadinos registados na plataforma da Bolt, o projecto-piloto foi renovado por mais seis meses, com uma novidade: a redução da velocidade máxima dos veículos de 25 para 20 km/h. Entre 2022, foi feito um novo prolongamento e acrescentadas as bicicletas às trotinetas. O projecto-piloto terminaria, então, no Verão de 2023, quando a autarquia já poderia ter a hasta pública pronta para poder atribuir as duas licenças.
Só que este procedimento atrasou; e a parceria da Câmara de Setúbal com a Bolt acabou por ser, em Junho do ano passado, prorrogada por mais seis meses, “até conclusão do procedimento por hasta pública (que se estima que possa estar concluído até final do ano de 2023)”, de acordo com a documentação oficial. O objectivo era “evitar a interrupção do serviço”. Só que, chegados a Dezembro de 2023, a hasta pública tinha terminado deserta e não havia nem licenças atribuídas, nem novos prolongamentos do projecto-piloto em curso com a Bolt.
O resultado foi a saída do operador privado da cidade. À publicação New in Setúbal, Frederico Venâncio, responsável pela operação da Bolt em Portugal, explicou no início de Fevereiro que “o montante mínimo exigido para cada licença está para lá do que é passível ser comportado” y eso, “para já, fomos forçados a cessar actividade em Setúbal no decurso de uma hasta pública, que, numa primeira fase, ficou deserta de qualquer operador”. “Assim, lamentamos ver uma cidade-referência a nível europeu para a Bolt deixar de ter atividade de micromobilidade; não obstante, estamos completamente abertos ao diálogo para, quem sabe, voltarmos a servir os setubalenses de meios de deslocação alternativos e sustentáveis”, acrescentou à mesma publicação.
Resolver a situação?
Na reunião de Câmara já referida, o Vereador do PS, Joel Marques, criticou o facto de Setúbal ter ficado sem qualquer serviço de bicicletas e trotinetas eléctricas, referindo que tal aconteceu também porque a Câmara decidiu em 2021 seguir o caminho do “monopólio” com um único operador, permitindo-lhe “ter a capacidade de (…) deixar os setubalenses sem qualquer tipo de opção de mobilidade partilhada”. O socialista disse ainda que, “a última adenda que aqui [reunião] aprovámos era uma adenda sem um prazo limite, ou seja, o projecto-piloto terminaria no momento em que estivesse concluída a emissão de licenças, através do procedimento de hasta pública”. Ou seja, no entender de Joel Marques, a Bolt deveria continuar a disponibilizar bicicletas e trotinetas partilhadas em Setúbal.
Ao New In Setúbal, no início de Fevereiro, a autarquia disse estar a “desenvolver todos os esforços para garantir que continuará a haver no concelho de Setúbal a prestação de serviços de mobilidade suave partilhada”; e reforçou que não existiu uma “rescisão unilateral” mas “um ato que decorre de deliberações camarárias que a Bolt conhecia perfeitamente desde 2021”. De facto, desde esse ano, que a documentação oficial do Município falava na “tomada de decisão de uma solução mais permanente”, e desde 2022 que estava previsto “desenvolver um procedimento concursal, de acordo com o Código de Contratação Pública (CCP), para a atribuição de uma licença de Operação deste tipo de Equipamentos no Concelho de Setúbal”.
A Câmara apontava, também por altura, que 40% dos residentes em Setúbal despendem apenas entre quatro e 30 minutos nas suas deslocações diárias e que existe “um potencial considerável de transferência de viagens dos modos motorizados (em especial do transporte individual) para os modos suaves, uma vez que as deslocações motorizadas com menos de 1,5 km de distância têm um peso significativo em várias zonas da cidade”. Falava a autarquia num “importante potencial de utilizadores de soluções de mobilidade suave em modos ativos e semi-ativos, na ordem dos 82 400 habitantes (não contabilizando o potencial de população flutuante), sendo oportuno investir em soluções de first ou last-mile“, conjugado, por exemplo, com os autocarros ou o comboio.
Por enquanto, Setúbal está sem bicicletas e trotinetas partilhadas. A Câmara pretendia que empresas privadas como a Bolt pagassem licenças para operar no município, mas as empresas não aderiram à proposta. Será que a autarquia sadina vai conseguir dar a volta?