El nuevo modelo de alquiler asequible ha generado un bloqueo político en Lisboa: ¿qué está en juego?

A história remonta a Janeiro. A Câmara de Carlos Moedas apresentou um novo modelo de habitação acessível em parceria com privados. O objectivo era desbloquear o impasse no avanço de projectos como os de Benfica e do Parque das Nações. Mas a proposta do Executivo não foi bem recebida pela oposição, em particular pelo PS. E acabou por ser retirada, gerando um novo impasse neste assunto.

Terreno no Parque das Nações, reservado para um dos projectos de Renda Acessível que a autarquia pretende promover em conjunto com privados (fotografia LPP)

A construção de habitação pública pela Câmara de Lisboa e a sua disponibilização a preços acessíveis tem feito parte da estratégia nos últimos anos, tal como descrito na Carta Municipal de Habitação, documento que esteve em discussão pública até Fevereiro. Esta estratégia de habitação de renda acessível compreende duas tipologias: uma em que é o próprio Município a construir; e outra em que é um promotor a construir, fazendo-o em parceria com o Município. Se o primeiro modelo tem tido relativo sucesso, o segundo tem demorado a arrancar – o que significa que existem grandes projectos empatados, como é o caso de um em Benfica e de outro no Parque das Nações.

Esse segundo paradigma – também conhecido na comunicação social como “PRA Concessões” – permitiria à Câmara de Lisboa concretizar grandes projectos de habitação acessível, que a autarquia não tem capacidade financeira de concretizar sozinha. Contudo, o município tem tido dificuldade em encontrar um modelo que satisfaça os privados e também o interesse público.

Programa de Renda Acessível (PRA)

O Programa de Renda Acessível (PRA) é um programa de habitação pública na cidade de Lisboa que foi lançado pelo Executivo do Partido Socialista (PS) em 2017, tendo tido continuidade desde então. Foi integrado na Carta Municipal de Habitação como um pilar da estratégia da cidade, consistindo na disponibilização à população de casas para arrendamento a preços acessíveis.

PRA Público

Corresponde às casas que a Câmara de Lisboa constrói em terrenos municipais para ela própria gerir. Estas habitações resultam também de projectos concebidos pelo Município. Umas das operações mais substanciais de promoção de habitação pública municipal para renda acessível, dentro deste vector “PRA Público”, é o de Entrecampos.

PRA Concessões

Neste vector, a Câmara de Lisboa disponibiliza terrenos ou edifícios municipais para privados construírem/reabilitarem, em regime de concessão e por concurso público. No final da concessão, os imóveis retomam ao Município. As rendas são a preços acessíveis, sendo que até ao momento, existiram dois modelos propostos para este vector: um do PS e outro de Moedas.

O primeiro modelo do “PRA Concessões” foi o que o PS apresentou quando lançou este programa em 2017. Previa que o privado disponibilizasse 70% da construção para os concursos de renda acessível municipais, enquanto que os restantes 30% seriam para esse promotor disponibilizar no mercado aos preços livres. No entanto, veio a perceber-se que esse modelo não era vantajoso para os promotores privados, uma vez que os concursos públicos para os dois primeiros empreendimentos deste modelo – um em Benfica, junto à Avenida Marechal Gomes Teixeira, e outro no Parque das Nações, perto da Gare do Oriente – foram ficando desertos.

Face a esta situação, a autarquia agora liderada por Carlos Moedas tentou encontrar um outro modelo para o “PRA Concessões”. Um modelo que fosse mais vantajoso para os privados mas que permitisse, na mesma, salvaguardar o interesse público de aumentar a habitação acessível na cidade de Lisboa. Assim, no final de Janeiro, formalizou uma proposta prevendo que 100% (e não 70%) da construção fosse para arrendamento, sendo que as rendas seriam de valores superiores aos do programa “PRA Público” – seriam as rendas fixadas pelo Governo e não a tabela do Município.

“A nós, parece-nos mais simples. ideia é tentar fazer uma coisa que seja simples de perceber e muito flexível de executar. Há uma série de isenções, praticamente tudo aquilo que pudermos isentar, isentamos. E também estamos a reduzir a incerteza. Porque no anterior concurso também havia algumas incertezas no loteamento, reduzimos essas incertezas e achamos que também com isto pode tornar-se mais atractivo para os promotores. Vamos ver”, adiantava a Vereadora da Habitação, Filipa Roseta, no final do ano passado em entrevista ao LPP.

Localização do projecto de Renda Acessível de Benfica (fotografia LPP)

O novo modelo em detalhe

O novo modelo para o “PRA Concessões” configurava “uma solução de compromisso, capaz de simultaneamente assegurar a compatibilidade entre o interesse público e a atractividade das operações, por forma a optimizar a sua eficácia junto de privados disponíveis para a sua prossecução”, segundo se podia ler no texto formal da proposta, que Filipa Roseta levou a reunião de Câmara no final de Janeiro. O documento foi apresentado aos partidos da oposição com assento no Executivo, mas acabou por ser retirado antes sequer de ser discutido. Carlos Moedas disse depois, à agência Lusa, que “não tinha condições” para ser aprovado. Na verdade, essa oposição – em particular o PS – já tinha criticado a proposta na véspera, tornando expectável o chumbo.

Na proposta, era explicado que foi feita “uma análise ao ambiente económico e financeiro actual” com o objectivo de “construir um modelo contratual” que fosse atractivo o suficiente para permitir, por um lado, “garantir a participação social do sector privado” e, por outro, “reforçar a proposta de valor para o Município”. “Estas melhorias tiveram por base os seguintes princípios nucleares: maior simplicidade, maior flexibilidade, menor incerteza, maior confiança”, apontava o texto assinado por Roseta.

Assim, “optou-se por um regime de arrendamento acessível para a totalidade das habitações previstas”, com valores de renda das habitações iguais ou inferiores aos determinados pela formulação da Portaria do Governo, “permitindo, deste modo, maximizar a oferta de habitação acessível e, simultaneamente, garantir a viabilidade financeira da operação; sem prejuízo do direito das famílias que preencham os requisitos, recorrerem ao subsidio de apoio à renda, nos termos que, em cada momento estejam em vigor”. Por outras palavras, o “PRA Concessões” poderia funcionar em conjunto com o Subsídio Municipal ao Arrendamento Acessível, em que a Câmara de Lisboa apoia agregados familiares que gastam pelo menos um terço do seu rendimento na renda da casa.

Imagem ilustrativa do projecto “PRA Concessões” previsto para Benfica (via SRU/CML)

A combinação do “PRA Concessões” com o referido subsídio permitira que as rendas no novo modelo de Parceria Público-Privada (PPP) proposto para habitação acessível não fossem superiores a 30% do rendimento das famílias. Na prática, os privados ganhariam os valores de renda da Portaria governativa – que são 20% abaixo do valor mediano de mercado em cada freguesia – e o Município cobriria aquilo que as famílias não conseguiriam pagar, de modo a que a taxa de esforço não seja superior a 30%. Desta forma, e segundo o texto da proposta, o “modelo ora proposto, nos termos apresentados, permite a um agregado que aufira 1500 euros/mês aceder, por exemplo, a um fogo T1 no Parque das Nações, conjugando a renda acessível em parceria com o subsídio municipal de apoio à renda, assegurando a taxa de esforço definida”.

As rendas no novo modelo (via SRU/CML)

Em relação à construção, a Câmara de Lisboa cederia ao promotor privado, por 90 anos, terrenos municipais para este avançar com a construção de fogos para o Programa municipal de Renda Acessível, de acordo com projectos e desenhos elaborados pela autarquia. “No modelo contratual ora proposto, a propriedade do solo afecto a estas operações mantém-se no Município, adquirindo o superficiário apenas a faculdade de construir e de gerir os imóveis que venham a construir no âmbito das operações da renda acessível”, sendo que findos os 90 anos tudo passaria para as mãos da Câmara, pode ler-se no texto da proposta. Durante a concessão, o privado manteria “as obrigações e os riscos inerentes à concepção, construção, financiamento, exploração, manutenção e conservação das habitações com renda acessível ao abrigo das regras que, contratualmente, vierem a ser estabelecidas e parametrizadas pelo Município em linha com as regras urbanísticas, com o contexto económico-financeiro e com as normas jurídico-contratuais que se propõem”.

PRA Concessões

Neste vector, a Câmara de Lisboa disponibiliza terrenos ou edifícios municipais para privados construírem/reabilitarem, em regime de concessão e por concurso público. No final da concessão, os imóveis retomam ao Município. As rendas são a preços acessíveis, sendo que até ao momento, existiram dois modelos propostos para este vector: um do PS e outro de Moedas.

Modelo do PS (2017)

70% da construção para arrendamento acessível, aos mesmos valores do “PRA Público”, 30% para arrendamento no mercado livre;

Rendas segundo as tabelas municipais, salvaguardando uma taxa de esforço de 30% em relação ao rendimento das famílias;

Cedência de terrenos municipais por 90 anos ao privado, ficando este responsável pela construção de habitação segundo os projectos/desenhos elaborados pelo Município.

Modelo de Moedas (2024)

100% da construção para arrendamento acessível, aos valores fixados pelo Governo para cada freguesia da cidade;

Rendas segundo a tabela do Governo (valores que são 20% abaixo do valor mediano de mercado em cada freguesia). Através da conjugação deste programa com o Subsídio Municipal ao Arrendamento Acessível, seria possível uma taxa de esforço de 30% em relação ao rendimento das famílias;

Cedência de terrenos municipais por 90 anos ao privado, ficando este responsável pela construção de habitação segundo os projectos/desenhos elaborados pelo Município.

As críticas do PS

O novo modelo do “PRA Concessões” recebeu críticas da oposição com assento no Executivo, em particular do PS. Os socialistas foram os mais vocais em relação a este assunto, tendo recorrido às redes sociais para tecerem as suas críticas. “Carlos Moedas apresentou uma proposta onde muda a forma de cálculo das rendas”, partilharam os vereadores do PS, nas vésperas da reunião de Câmara onde a proposta iria ser discutida se não tivesse sido retirada da ordem de trabalhos por Moedas.

“Assim, a renda acessível deixará de ser 30% do rendimento líquido para passar a depender do valor de mercado em cada freguesia. (…) Como a proposta tem uma taxa de esforço de 35% do rendimento bruto, exclui a esmagadora maioria dos jovens, professores dos primeiros escalões, enfermeiros ou polícias. Quando Lisboa mais precisa de fixar jovens e profissões essenciais, os Novos Tempos mais que duplicam as rendas”, acrescentaram os socialistas, mostrando dois gráficos:

Os vereadores do PS tinham uma proposta alternativa: manter as rendas nos valores do “PRA Concessões” do seu mandato, ou seja, “dependentes dos rendimentos dos candidatos e não da flutuação dos valores de um mercado imobiliário inflacionado e inacessível à maioria dos lisboetas”. Mas, com a retirada da proposta original de Roseta, também a do PS acabou por não ser discutida em reunião de Câmara. Também os vereadores do PCP tinham uma proposta de alteração. Podes consultar todos os documentos relevantes no final deste artigo.

Os projectos em espera

Recorde-se que, em Dezembro de 2022, a Câmara de Lisboa aprovou em reunião do Executivo a não adjudicação dos “PRA Concessões” previstos para Benfica, Parque das Nações e Paço da Rainha. Nessa reunião, foi ainda acolhida a proposta do BE para converter a operação no Paço da Rainha, em Arroios, num programa inteiramente público. “Votámos favoravelmente a reconversão do Paço da Rainha, porque achamos que a tipologia de intervenção neste edificado não se adequa ao modelo das concessões”, sublinhou na altura a Vereadora da Habitação, Filipa Roseta.

Tendo o edifício do Paço da Rainha passado para outro modelo – o cooperativo, sobre o qual falaremos em breve –, no modelo do “PRA Concessões” ficaram as intervenções de Benfica e do Parque das Nações, que são operações de maior envergadura e que, por isso, a Câmara de Lisboa não conseguirá desenvolver sozinha. Os concursos de concessão, que acabaram por não ser adjudicados, foram aprovados em Abril de 2021 e decorreram até Maio de 2022, com diversos adiamentos, tendo os júris considerado que nenhuma das quatro propostas apresentadas – duas em Benfica, uma no Parque das Nações e uma no Paço da Rainha – estaria apta para adjudicação.

Em Benfica, a estimativa de habitações é de 688 fogos, 459 das quais seria para Renda Acessível no modelo do PS, com um custo previsto de 120 milhões de euros. Esta operação está prevista para um terreno baldio junto à Avenida Marechal Teixeira Rebelo – uma localização privilegiada, numa zona de transição entre uma estrutura residencial consolidada (a de Benfica) e uma grande área verde pública, a Quinta Histórica da Granja, estando a cinco minutos do interface de transportes do Colégio Militar, com Metro e múltiplas ligações em autocarro, ao lado do Centro Comercial Colombo, a cinco minutos do complexo desportivo do Sport Lisboa e Benfica e em frente ao Hospital da Luz. Estaria prevista a construção de 8 edifícios destinados maioritariamente ao uso habitacional, os quais incluem uma creche e um jardim infantil, bem como espaços comerciais e de serviços.

“PRA Concessões” de Benfica

No Parque das Nações, a estimativa era de 235 habitações, 154 das quais para Renda Acessível no modelo do PS, e um custo estimado de 31,2 milhões de euros. A operação contempla a construção de quatro edifícios, numa área de mais de 18 mil metros quadrados. Para além do espaço habitacional, a regeneração urbana desta área de intervenção implicará a construção de uma cresce e de espaços públicos de qualidade, a poucos minutos da interface de transportes do Oriente.

“PRA Concessões” do Parque das Nações

Estes dois projectos ficam agora num impasse. Há dois projectos de “PRA Concessões” a avançar, no entanto. Um deles na Rua Gomes Freire, em Arroios, com um total de 92 habitações, tendo os trabalhos de reabilitação sido iniciados em Outubro de 2022. E outro na Rua de São Lázaro, também em Arroios mas mais perto da Baixa, com um total de 131 habitações, mas que aguarda ainda consignação, uma vez que o processo se encontra em tribunal desde 2020.

Se o novo modelo do “PRA Concessões” sugerido pela Câmara de Carlos Moedas pudesse avançar, a autarquia teria seis meses para preparar e lançar os concursos de cedência de direito de superfície. Seguir-se-iam 18 meses para a assinatura do contrato entre a autarquia e o privado e para o desenvolvimento do projecto de edificação. Por fim, dois anos para a construção. Contas feitas, em 2028, na melhor das hipóteses, estariam prontos os projectos de Benfica e do Parque das Nações.

O calendário previsto no novo modelo (via SRU/CML)
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