Entregue proposta reformulada do referendo sobre AL depois do chumbo do Tribunal Constitucional

O Movimento Referendo Pela Habitação (MRH) fez ajustes às perguntas propostas para referendo sobre Alojamento Local (AL) em Lisboa. A nova proposta especifica quais os ALs que devem ser englobados no referendo e aumenta o prazo para que a autarquia cancele os AL já existentes.

Centro histórico de Lisboa (fotografia LPP)

O Movimento Referendo Pela Habitação (MRH) entregou, no passado dia 13 de Dezembro, uma proposta reformulada de referendo local sobre Alojamento Local à Assembleia Municipal de Lisboa (AML), que tem agora de realizar uma nova votação sobre a proposta alterada.

Esta entrega decorreu na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional (TC) de dia 3 de Janeiro sobre a proposta de referendo original, que destacava várias questões processuais, e após convite formal da AML permitindo ao movimento cidadão a reformulação, em consonância com a lei do referendo local.

Uma das questões processuais apontadas pelo acórdão do Tribunal Constitucional (e da competência da Assembleia Municipal de Lisboa) já foi resolvida; e o Ministério da Administração Interna (MAI) já validou as 612 assinaturas entregues no passado dia 6 de Dezembro, garantindo que, no total, foram validadas mais de cinco mil assinaturas de pessoas recenseadas em Lisboa, o mínimo legalmente exigido.

Segundo o MRH, as alterações às perguntas a referendar “mantêm o respeito pelo espírito da proposta inicial, ou seja, devolver as casas actualmente usadas para Alojamento Local à sua função social – serem habitadas –, garantindo que o referendo produz mudanças reais e efectivas na vida das pessoas e da cidade”, indicam em comunicado. “Tendo em conta o conteúdo do acórdão do TC, fizemos alterações às perguntas no sentido de especificar, o mais concretamente possível, quais os alojamentos locais em Lisboa que devem ser englobados no âmbito do referendo pela habitação.”

Os ajustes nas questões

A nova proposta de perguntas a referendar é a seguinte:

  1. “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, em prazo não superior a um ano, determinar o cancelamento dos alojamentos locais registados na modalidade apartamento?”
  2. “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que o uso habitacional deixe de ser adequado à exploração de novos alojamentos locais nas modalidades apartamento e moradia?”

De acordo com o MRH, à primeira pergunta foram feitas duas alterações: por um lado, aumentou-se o prazo para que a Câmara de Lisboa cancele os alojamentos locais já existentes em Lisboa, de 180 dias para um ano – “porque nos pareceu que o Tribunal Constitucional considerou 6 meses um período curto para senhorios deixarem de arrendar as casas a turistas”, diz o movimento de cidadãos; por outro lado, foi especificado que “o cancelamento deve incidir apenas nos alojamentos locais registados como apartamento, por essa ser a modalidade de alojamento local que mais corrói o direito à habitação, a convivência, as relações de vizinhança, e o sentido de comunidade dos nossos bairros.

Para a segunda pergunta, sobre registos futuros, o Movimento Referendo Pela Habitação (MRH) centrou-se tanto nos apartamentos como nas moradias porque, segundo os proponentes, “são as duas modalidades de AL que mais vão contra o uso habitacional das casas da cidade”. “E também porque são as modalidades que mais ferem os direitos de condóminos, que, com o decreto-lei do governo PSD, foram deixados com ainda menos ferramentas para reclamar o uso residencial dos prédios em que vivem”, indicam.

Uma unidade de AL em Lisboa (fotografia LPP)

Segundo no movimento, por lei, quando se regista um alojamento local, este deve ser registado numa modalidade, que pode ser de apartamento, de moradia, de estabelecimento de hospedagem, ou de quartos.

Em Lisboa, há, ao dia de hoje, 19 098 alojamentos locais registados. Destes, 119 estão registados na modalidade quartos, representando menos de 1% da totalidade dos ALs em Lisboa. Arrendar quartos a turistas, na própria casa, não viola a função social da habitação – que continua a ser o lar de alguém –, nem o MHR considera que seja prejudicial para os bairros da cidade “por serem uma percentagem tão ínfima da realidade”, refere. Por isso, o movimento decidiu especificar que os ALs na modalidade quartos não se incluem no propósito do referendo local proposto.

Na modalidade estabelecimento de hospedagem, existem 1732 unidades de Alojamento Local na capital portuguesa. No entanto, este tipo de AL só pode ser feito com autorização expressa do condomínio e tem regras mais restritivas do que as outras modalidades de alojamento local. “Por esta razão, optámos também por excluir esta modalidade do escopo do referendo”, indica o MRH.

“Restam-nos as modalidades de moradia e de apartamento, que são ambas casas inteiras a serem exploradas como alojamento local”, explica o movimento. Na modalidade moradia existem hoje 240 unidades de AL em Lisboa. Já os alojamentos locais registados na modalidade apartamento são mais de dezassete mil, perfazendo 90% dos alojamentos locais na cidade.

O MRH esclarece, a propósito da reformulação de perguntas, que “não vamos usar as assinaturas de milhares de pessoas que querem ver esta proposta ir a votos para fins outros; a reformulação sempre foi uma possibilidade do processo que admitimos, mas nunca de tal modo que subverta as intenções da iniciativa e daqueles que a apoiam: devolver as casas à sua função social – serem habitadas”.

Do lado da AML

Além de novas questões, o Movimento Referendo Pela Habitação (MRH) requereu à presidência da Assembleia Municipal de Lisboa, a cargo de Rosário Farmhouse (PS), a resolução dos dois vícios processuais levantados pelo Tribunal Constitucional e que são da sua competência, nomeadamente:

  • pedir o parecer em falta ao Presidente da Câmara, Carlos Moedas;
  • a regularização da identificação dos mandatários do MRH, “tendo para tal entregue uma declaração assinada por todos os mandatários que comprova que sempre se identificaram publicaram durante todo o processo”, indica o movimento.

A proposta reformulada de referendo terá agora de contar novamente com o apoio da maioria dos deputados e deputadas da AML, para que que esta volte a ser remetida para avaliação do Tribunal Constitucional (TC). “Queremos que o Tribunal Constitucional volte a apreciar a proposta de referendo, que se debruce e se pronuncie sobre a função social da habitação. Queremos que Lisboa seja ouvida”, indica o MRH.

Depois do chumbo do TC, anunciado a 3 de Janeiro, o Movimento Referendo Pela Habitação referiu que o mesmo representava um “duro golpe contra a Democracia participativa”, mas que não desistiria de “lutar para que as casas cumpram a sua função social”. “No Movimento Referendo Pela Habitação, iremos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para lutar pelo nosso direito à cidade e fazer valer a nossa vontade de sermos ouvidos em referendo. No entanto, sabemos que vai ser muito difícil, porque o Tribunal Constitucional decidiu ser especialmente intransigente com a proposta popular.”

Chumbo foi, “acima de tudo, uma decisão política”

Casas no centro histórico de Lisboa (fotografia LPP)

A leitura que o movimento que está a propor o primeiro referendo local de iniciativa popular em Lisboa fez do acórdão do Tribunal Constitucional é a de que esse chumbo foi, “acima de tudo, uma decisão política, que reflecte, na sua interpretação da lei e da Constituição, a incapacidade das instituições em reconhecer e responder à gravidade da crise habitacional que assola o país”.

“O Tribunal Constitucional faz uma leitura errada da realidade. Afirma, no texto do presente acórdão, que o problema da habitação está directamente ligado à ‘administração da escassez’ de espaços para habitar”, escreve o MRH, explicando que, “no universo de Lisboa, em que mais de 19 mil casas são afectas a Alojamento Local, não existe um problema de escassez, mas sim de uso”. Há casas para todos, referem, acrescentando que “o problema é que elas não estão ao serviço dos habitantes, mas de uma actividade económica que nos empurra para fora da cidade”. Em nenhuma linha do acórdão se faz menção à função social da habitação, preceito consagrado no artigo 4º da Lei de Bases da Habitação e basilar a esta proposta de referendo. Não é um mero esquecimento, é uma opção ideológica, indica ainda o movimento de cidadãos.

“A decisão do TC também aponta para erros processuais que não podem ser imputados a cidadãos que tentam trilhar um caminho nunca antes percorrido na Democracia portuguesa”, indicam ainda.

Segundo o MRH, o acordão expõe “a fragilidade do referendo local enquanto instrumento democrático. Para além de estar sujeito a uma carga burocrática excessiva (por exemplo, as assinaturas só podem ser recolhidas à mão, estando sujeitas ao erro humano e aos efeitos do tempo – eleitores que falecem ou mudam de residência entre a assinatura e o ato de entrega da proposta), enfrenta a volatilidade legislativa do Governo (a lei nacional que quis retirar poder de decisão aos municípios em matéria de AL foi aprovada duas semanas antes da entrega de assinaturas à AML por parte do MRH) e a necessidade de apoio jurídico especializado – algo inacessível para a maioria da população. Parece que o referendo local por iniciativa popular foi uma ferramenta criada sem intenção de que pudesse ser realmente usada. Desta forma, cria-se um entrave à participação e iniciativa populares em questões fundamentais para a vida dos cidadãos”.

Lê aqui, na íntegra, o primeiro comunicado do movimento sobre o chumbo:

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