Se falta chão nas cidades, porque não plantar na vertical? Eis a proposta da portuguesa Upfarming

No Museu de Lisboa, no Campo Grande, nasceu a primeira horta vertical da Upfarming. E em 2022 estará pronta uma segunda no Jardim e Parque Hortícola Aquilino Ribeiro Machado, para servir a comunidade de Alvalade.

Fotografia cortesia de Nuno Fox/Upfarming

A história das hortas é uma história de vazios. Vazios esses que ao longo dos séculos foram sendo ocupados com o intuito de semear e colher. O solo é o espaço de eleição para este processo, com a produção de hortas que tanto servem para alimentar, como para gerar rendimento a quem as cultiva. Mas porque não usar o céu com o mesmo objectivo?

A ideia faz ainda mais sentido quando se reflecte sobre a vida nas cidades, onde tantas vezes já falta o chão, e projectar para cima é a única solução. Foi precisamente a pensar nas comunidades urbanas que nasceu a portuguesa Upfarming, uma start-up que apresenta uma solução pioneira na Europa para os desafios do nosso sistema alimentar: a criação de hortas verticais rotativas enquanto ponto de partida para um sistema circular e eficiente que produz alimentos saudáveis e sustentáveis, com e para as pessoas que os consomem.

Da teoria à prática, estas hortas verticais rotativas – ou upfarms – materializam-se em torres com seis metros de altura, compostas por 22 prateleiras de 2,4 metros de largura que vão rodando lentamente ao longo do dia. Impulsionado por um moinho hidráulico localizado na base do dispositivo – com um consumo energético similar ao de uma lâmpada doméstica –, este movimento garante que todos os vegetais semeados possam beneficiar da mesma exposição a luz solar. A par disso, o movimento rotativo permite que seja feita a irrigação das plantas ao longo do seu ciclo, assim como a introdução dos fertilizantes líquidos de origem natural. Permite também que todo o trabalho de jardinagem possa acontecer depois ao nível do solo, assegurando-se o conforto e acessibilidade a qualquer utilizador que queria usar a horta vertical e participar nestes sistemas, sejam crianças, jovens, adultos, idosos ou pessoas com limitações motoras. As upfarms são ainda protegidas por resistentes estufas, que garantem um ambiente estável e controlado ao longo de todo o ano.

Fotografia cortesia de Nuno Fox/Upfarming

A Upfarming acredita que tem solução diferenciadora das já existentes hortas verticais, implementadas em grandes armazéns ou contentores, que recorrem a dispendiosas luzes LED para fazer a fotossíntese dos vegetais em produção. Nas suas upfarms, é a luz solar que faz esse trabalho, tirando-se assim partido das vantagens climáticas de um país onde há sol quase o ano inteiro. Modulares, as upfarms apresentam permitem reduções no consumo energético em 50% e de água em 90%, segundo a Upfarming, além de terem uma capacidade de produção dez vezes maior do que a agricultura horizontal convencional, refere também esta start-up. Cada torre pode ter mais de 800 vegetais distintos em produção ao mesmo tempo, produz cerca de 100 kg por mês (uma tonelada por ano) e consegue alimentar 40 pessoas.

A Upfarming começou quando a equipa de arquitectos do Atelier Parto foi desafiada pelo Museu de Lisboa a pensar na transformação da capital numa cidade auto-suficiente, capaz de promover uma consciência colectiva acerca do que se cultiva e consome. Tiago Sá Gomes, co-fundador deste atelier, já se tinha cruzado no passado com Bruno Lacey, um especialista em jardins verticais que se tinha mudado de Londres para fazer de Lisboa sua casa. Pediu-lhe ajuda nesta reflexão e a agricultura vertical captou a atenção de todos. A pesquisa e análise conjunta resultou em oito casos de estudo que repensam a cadeia alimentar de Lisboa, através de um modelo urbano assente na implantação precisamente de hortas verticais. Mas quanto mais pesquisavam, mais percebiam que passar da utopia à prática talvez não fosse um projecto a 30 anos, mas sim algo possível de concretizar em poucos meses.

Nessa altura, Bruno cruzou-se com Margarida Villas-Boas, que trazia na sua bagagem não só mais de 17 anos de experiência na área da gestão e angariação de fundos em Espanha e Reino Unido, como estava naquele momento a terminar um mestrado sobre alterações climáticas. O seu objectivo era precisamente vir a trabalhar nas questões da sustentabilidade urbana, portanto ficaram em contacto. Como num puzzle em que todas as peças são diferentes, porém encaixam na perfeição, o trio acabou por se juntar e começar a projectar o futuro: o seu e o da própria cidade onde vivem, Lisboa. No Outono do ano passado, decidiram lançar um crowdfunding com o intuito de construírem a primeira torre de agricultura vertical rotativa da Europa. E em menos de 24 horas conseguiram angariar os 30 mil euros propostos. Esta torre acabou por ser instalada nos jardins do Museu de Lisboa, convidando os visitantes da exposição a observarem na prática como funciona este tipo de produção.

A Upfarming não se posiciona somente como uma empresa vendedora de torres de cultivo, olhando para a agricultura como um serviço. O desenho e instalação das upfarms é só o ponto de partida, até porque pode efectivamente ser implementada apenas uma torre, mas é também possível juntar várias e fazer uma estufa de maiores dimensões. O trabalho da Upfarming prende-se, assim, com o delineamento de estratégias individuais para cada comunidade, seja num bairro ou numa empresa. O serviço inclui a manutenção da torre, formação de agricultores que façam o trabalho diário de plantação e colheita, e ainda um componente de desenvolvimento de acções pedagógicas. A Upfarming refere que os seus meios de cultivo, fertilizantes e substâncias de controlo de pragas provêm de fontes naturais, não sendo utilizados produtos geneticamente modificados. Por outro lado, todas as plantas, sementes e outros produtos são comprados a fornecedores portugueses, a menos que seja absolutamente necessário procurar no estrangeiro.

Fotografia cortesia de Nuno Fox/Upfarming

Além da estrutura montada para exposição no Museu de Lisboa, no Campo Grande, a Upfarming está a desenvolver um projecto social chamado “Do Céu Para a Mesa” e que é financiado pelo programa BIP/ZIP da Câmara de Lisboa, uma iniciativa direccionada para bairros e zonas de intervenção prioritária da cidade. A Upfarming está a criar uma horta vertical no Jardim e Parque Hortícola Aquilino Ribeiro Machado para a comunidade dos bairros das Murtas, São João de Brito e Pote D’Água, em Alvalade, de forma a promover auto-sustentabilidade alimentar. Além do intuito primordial de alimentar, é um projecto que se propõe também a potenciar as relações sociais, a revitalizar o conceito de vizinhança e ainda a gerar rendimentos àquela comunidade. A horta no Jardim Aquilino Ribeiro Machado, localizado na Rua das Murtas, é constituída por quatro torres, que, no início de 2022, já estarão a rodar as suas mais de 800 plantas cada uma, para produzir cerca de 400kg por mês de colheita. As quatro toneladas anuais de produtos hortícolas frescos e sem químicos serão cultivadas com residentes locais, partilhadas em refeições comunitárias, oficinas culinárias educativas, distribuídas às famílias necessitadas e vendidas localmente.

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