Atรฉ hรก bem pouco tempo, pessoas com mobilidade condicionada tinham de marcar um comboio com 12 horas de antecedรชncia. No final de Julho, a CP reduziu o tempo exigido para 6 horas. Empresa garante esforรงos tanto ao nรญvel da operaรงรฃo como do material circulante para eliminar esta barreira atรฉ ao final de 2023.

Pessoas que se desloquem em cadeira de rodas precisam de marcar as suas viagens de comboio com pelo menos seis horas de antecedรชncia atravรฉs de um nรบmero de telefone pago (808 100 746) ou de um formulรกrio online gratuito. Foi o que fez Diogo Martins para vir ao nosso encontro na estaรงรฃo de Benfica, tal como faz sempre que precisa de apanhar um comboio. “Sempre que quero viajar, tenho de ir ao site da CP e marcar o comboio exacto em que quero viajar.” – conta-nos.
O formulรกrio disponรญvel pede alguns dados pessoais como o nome, contacto telefรณnico e o tipo de incapacidade (nรฃo รฉ possรญvel fazer login na conta CP e saltar este passo), e pede ao passageiro que indique os horรกrios exactos de partida e de chegada, bem como as duas estaรงรตes da sua viagem. Na perspectiva de Diogo, este formulรกrio poderia ser mais simples e pedir para seleccionar o serviรงo disponรญvel (como na bilheteira online) sem ter de preencher dias, horas e nome de estaรงรตes. Mas os atritos nรฃo terminam aqui. Na parte final do formulรกrio, em letras mais pequenas, lรช-se: “A CP aconselha a efectuar a compra do bilhete apenas apรณs a confirmaรงรฃo da prestaรงรฃo do SIM. No caso de ser uma viagem de ida e volta, ou de haver necessidade de transbordo, efectue dois pedidos de assistรชncia SIM.”
SIM รฉ sigla para “Serviรงo de Mobilidade Integrada”, que a CP disponibiliza para todas as pessoas com mobilidade condicionada e que precisem de assistรชncia โ estรฃo incluรญdas pessoas com deficiรชncia motora โ como รฉ o caso de Diogo โ, mas tambรฉm auditiva ou visual, e ainda pessoas idosas com dificuldades de locomoรงรฃo ou atรฉ mรฃes com bebรฉs ao colo. Desde 2010 que a CP tem vindo a reduzir a antecedรชncia necessรกria para requisiรงรฃo da assistรชncia SIM: passou de 48 para 24 horas, depois para 12, e em Julho foi diminuรญda para seis horas. A expectativa da empresa รฉ que no final de 2023 seja possรญvel marcar o comboio no momento, sem antecedรชncia mรญnima. E sรณ nessa altura, uma pessoa com mobilidade reduzida poderรก ir ร bilheteira de uma estaรงรฃo e pedir para viajar. Ainda assim, “poderรก nรฃo ter possibilidade de o fazer no prรณximo comboio, mas noutro logo a seguir, por exemplo”, explica-nos a CP.

Viajรกmos com o Diogo e responsรกveis da CP entre Benfica e o Oriente para perceber as dificuldades das pessoas em cadeiras de rodas numa viagem de comboio, e para tambรฉm vermos como funciona o SIM no terreno. O comboio proveniente de Sintra chegou a Benfica ร s 10h26, hora marcada; Diogo estava posicionado na parte da plataforma onde costuma parar a carruagem com espaรงo para cadeiras de rodas; de dentro sai o revisor jรก pronto para operacionalizar a rampa mecรขnica pela qual Diogo consegue subir para o comboio, vencendo a altura entre este e a plataforma. O tempo de espera do comboio na estaรงรฃo nรฃo รฉ significativo e rapidamente toda a operaรงรฃo se desenrola e a composiรงรฃo pode seguir viagem.
Correu tudo bem, mas Diogo diz-nos que nรฃo รฉ sempre assim. Jรก lhe aconteceu o revisor nรฃo estar avisado. “O meu truque pessoal รฉ posicionar-me a meio da estaรงรฃo e tentar ver onde estรก o revisor”, conta. Diogo tem de perceber onde estรก o revisor para garantir que ele o vรช e que o vai auxiliar no embarque. “Teoricamente todos os revisores sรฃo avisados, mas ร s vezes…” Nรฃo existe um sรญtio prรณprio nas estaรงรตes onde as pessoas de cadeira de rodas possam esperar, nem marcaรงรตes na beira das plataformas dos locais onde param as carruagens acessรญveis โ a CP explica que, se de uma forma geral determinado serviรงo รฉ feito quase sempre pelo mesmo comboio, ร s vezes existem variaรงรตes e existem tambรฉm linhas onde passam diferentes serviรงos/comboios regulamente. “Nunca fiquei apeado”, garante Diogo, apesar das dificuldades que ร s vezes enfrenta. “Alguns revisores pedem confirmaรงรฃo” da reserva do SIM, mas “no inรญcio pediam mais vezes”, garante. “Comecei a notar que, com a entrada de pessoas mais novas, elas querem รฉ que entremos e que a viagem siga porque entendem que รฉ um direito nosso.”

รs vezes, a vida troca-nos as voltas e com Diogo nรฃo รฉ diferente. Jรก aconteceu fazer marcaรงรตes e depois nรฃo conseguir fazer a viagem. “Nรฃo hรก forma de desmarcar”, diz. Tambรฉm jรก lhe aconteceu ter de fazer uma viagem que nรฃo tinha previsto realizar e, nesse caso, ter de pedir na estaรงรฃo. “No Oriente รฉ mais fรกcil porque existe um Gabinete de Apoio ao Cliente da CP”, mas noutras estaรงรตes tenta desenrascar com as pessoas da bilheteira, que “sรณ fazem por favor”, relata. Para a CP, um pedido de รบltima hora implica comunicar com o revisor que estรก a fazer o serviรงo no qual o passageiro com mobilidade condicionada pretende viajar, o que mesmo num mundo digitalizado como o nosso ainda nรฃo รฉ o processo mais รกgil. A operadora ferroviรกria explica-nos que este รฉ o motivo pelo qual ainda nรฃo consegue anular o requisito de antecedรชncia na marcaรงรฃo. “Nรฃo podemos aligeirar as regras porque o nosso objectivo รฉ transportar o cliente e em seguranรงa.”
Chegar ร s 0 horas de antecedรชncia de marcaรงรฃo รฉ objectivo da CP para o final de 2023 e para tal precisarรก de resolver o desafio de comunicaรงรฃo entre a estaรงรฃo e o comboio. “Vai sempre ser preciso haver um aviso”, refere a CP, realรงando que o procedimento pode nรฃo ser igual para todo o paรญs. Na รrea Metropolitana de Lisboa, a empresa garante a assistรชncia em cadeiras de rodas em todas as estaรงรตes; รฉ assim tambรฉm em 139 estaรงรตes a nรญvel nacional. Nas restantes, existe assistรชncia SIM mas nรฃo รฉ possรญvel assegurar o transporte de pessoas com esse tipo de mobilidade condicionada. A CP destaca o seu trabalho de renovaรงรฃo de material circulante na chamada revisรฃo de meia vida em que adaptou uma sรฉrie de comboios urbanos da zona de Lisboa para mobilidade condicionada e agora quer equipar os 55 comboios regionais, que percorrem vรกrias linhas do paรญs, com elevadores mecรขnicos que permitam subir e descer das carruagens de cadeira de rodas, vencendo os dois degraus das portas.


Em 2010, a empresa criou um Conselho Consultivo das Pessoas com Necessidades Especiais (CCPNE) que integra vรกrias associaรงรตes relevantes, nomeadamente a ACAPO – Associaรงรฃo dos Cegos e Ambiopes de Portugal, a ADFA – Associaรงรฃo dos Deficientes das Forรงas Armadas, Organizaรงรฃo Nรฃo Governamental, a APD – Associaรงรฃo Portuguesa de Deficientes, a APS – Associaรงรฃo Portuguesa de Surdos, a CNOD – Confederaรงรฃo Nacional dos Organismos de Deficientes e Instituto Nacional para a Reabilitaรงรฃo e a Fundaรงรฃo LIGA, e tambรฉm empresas do Estado, como a CP, a Infraestruturas de Portugal (IP) e o Instituto Nacional para a Reabilitaรงรฃo (INR).
Dados de 2016 do Ministรฉrio do Trabalho, Solidariedade e Seguranรงa Social indicam que existem em Portugal 980 mil pessoas com, pelo menos, uma dificuldade e que nรฃo conseguem ou tรชm muita dificuldade em andar. Por seu lado, o Decreto-Lei nยฐ 123/97, de 22 de Maio, exige a eliminaรงรฃo de barreiras arquitetรณnicas em edifรญcios pรบblicos, equipamentos colectivos e via pรบblica para melhoria da acessibilidade das pessoas com mobilidade condicionada, bem como no transporte ferroviรกrio, designadamente estaรงรตes ferroviรกrias e passagens de peรตes desniveladas, aรฉreas ou subterrรขneas, para travessia de vias fรฉrreas.
“Pesem embora as melhorias significativas” decorrentes dessa lei de 1997, “a sua aplicaรงรฃo prรกtica fez-se de forma lenta tendo em conta a elevada quantidade de edifรญcios e equipamentos pรบblicos a adaptar, o que conduziu a que persistissem na sociedade portuguesa limitaรงรตes ร mobilidade resultantes da existรชncia de barreiras urbanรญsticas e arquitectรณnicas”, segundo um relatรณrio do IMT de 2017. “No domรญnio do transporte ferroviรกrio, a publicaรงรฃo daquele decreto-lei coincidiu com um conjunto muito importante de investimentos de modernizaรงรฃo da RFN [Rede Ferroviรกria Nacional], designadamente nas linhas suburbanas de Lisboa e Porto e no eixo Braga-Lisboa-Faro, que privilegiou a introduรงรฃo de condiรงรตes de acessibilidade sem barreiras fรญsicas nas estaรงรตes intervencionadas.”

Chegados ao Oriente, a descida de Diogo Martins nรฃo รฉ feita da mesma forma que o embarque em Benfica porque esta estaรงรฃo tem uma distรขncia maior entre a plataforma e o comboio; a utilizaรงรฃo da rampa daria uma inclinaรงรฃo nรฃo aconselhada a cadeira de rodas, pelo que sรฃo usados os elevadores mecรขnicos que existem em cada cais. ร um funcionรกrio da CP que os opera, tal como acontece com as rampas; o elevador รฉ encostado ao comboio, Diogo sobe para o mesmo e depois desce. O processo รฉ mais demorado mas nรฃo hรก problema porque a viagem do comboio termina nesta estaรงรฃo. De facto, viajรกmos num comboio da Linha de Sintra que termina no Oriente o seu percurso, mas nem sempre รฉ assim: os da Linha da Azambuja continuam em direcรงรฃo a Loures, mas o material circulante que estรก habitualmente nesse serviรงo permite o embarque sem dificuldade de pessoas como o Diogo, pois a entrada do comboio fica ao nรญvel da plataforma. ร igual com os comboios que fazem o serviรงo da Fertagus entre Lisboa e Setรบbal. Os novos comboios que a CP vai comprar jรก estarรฃo devidamente adaptados a mobilidade reduzida, permitindo a independรชncia de qualquer passageiro.
A Convenรงรฃo sobre os Direitos das Pessoas com Deficiรชncia estabelece, no Artigo 20ยบ, alรญnea a), que o Estado deve tomar “medidas eficazes para garantir a mobilidade pessoal das pessoas com deficiรชncia, com a maior independรชncia possรญvel, facilitando a mobilidade pessoal das pessoas com deficiรชncia na forma e no momento por elas escolhido e a um preรงo acessรญvel”. A CP estรก a seguir na direcรงรฃo de nรฃo vir a ser necessรกrio marcar viagens com antecedรชncia, a par das congรฉneres europeias, igualando na prรกtica os direitos de todos os passageiros. De referir que, neste momento, a operadora ferroviรกria disponibiliza descontos entre 20 e 75% em todas as viagens a pessoas com necessidades especiais, “com o objectivo de minimizar as dificuldades de mobilidade dos clientes com autonomia condicionada”.