Como tornar uma cidade auto-suficiente? Eles organizam um festival para pensarmos sobre isto

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Davide e Andrรฉ andaram ร  procura โ€œde eventos de design e arquitectura em Lisboaโ€ e nรฃo encontraram nenhum com espaรงo para especular e imaginar futuros, por isso resolveram criar o seu prรณprio festival. O Gentler Futures Festival รฉ para todos os que sonham com cidades diferentes daquelas que imaginamos.

Davide Onestini e Andrรฉ Trindade sรฃo dois designers e co-fundadores do do atelier BY THE END OF MAY (fotografia LPP)

Este รฉ um conteรบdo patrocinado e produzido em parceria entre o LPP e a Gentler Futures Festival, organizado pelo atelier de design BY THE END OF MAY.

Davide Onestini e Andrรฉ Trindade comeรงaram hรก dois anos a BY THE END OF MAY, um atelier de design com o intuito de perceber como determinados materiais, menos comuns, poderiam ser utilizados como matรฉrias-primas para a construรงรฃo civil ou arquitectura. Acreditam que รฉ possรญvel cadeias de produรงรฃo e distribuiรงรฃo mais locais e tambรฉm menos pesadas do ponto de vista ambiental. De hรก um ano para cรก, estรฃo incubados no Centro de Inovaรงรฃo da Mouraria (CIM), e decidiram agora lanรงar um festival para pรดr a cidade a pensar nestas temรกticas e tentar encontrar pessoas que, tal como eles, tambรฉm trabalhem esta intersecรงรฃo entre a manufatura e a sustentabilidade.

โ€œAndรกmos ร  procura de eventos de design e arquitectura cรก em Lisboa, e nรฃo encontrรกmos quase nada. A nรญvel de eventos de sustentabilidade, hรก alguns mas muito orientados para empresas e com algum greenwashing. Entรฃo, decidimos de criar um evento ร  nossa medidaโ€, explica Davide. “O design nรฃo รฉ sรณ design de produto ou design de interiores. Vai um pouco para alรฉm disso: nรฃo estamos a pensar sรณ no material, mas como รฉ que um material influencia o sistema e como รฉ que o sistema pode mudar atravรฉs desse material, por exemplo”, acrescenta Andrรฉ.

O Gentler Futures Festival รฉ uma iniciativa maioritariamente gratuita que vai decorrer no CIM, tem como mote uma pergunta: como poderรก ser o caminho para uma cidade auto-suficiente? โ€œVamos falar de materiais, comida e energia, porque quando se fala de uma cidade localmente produtiva e auto-suficiente, estes sรฃo os trรชs grandes temas”, explica Davide.

Gentler Futures Festival (DR)

Durante dois dias, este festival trabalharรก sobre uma visรฃo de um futuro em que as comunidades urbanas sรฃo localmente produtivas, em vez de consumidoras passivas, e auto-suficientes, em vez de dependentes de sistemas centralizados e distantes. โ€œร‰ imaginar que se um dia precisar de uma cadeira, posso ir ร  minha rua e encontrar lojas onde hรก cadeiras a serem produzidas a partir de recursos locais, quer sejam materiais naturais que sรฃo comuns nesta zona, quer sejam materiais reaproveitados daquilo a que chamamos lixoโ€, exemplifica o jovem designer.

โ€œEm teoria, isto nรฃo dรก sรณ para cenas simples como uma cadeira, um copo ou uma peรงa de cerรขmica, mas pode dar tambรฉm para um computador. Se um dia, por uma guerra ou por outro motivo que leve a uma falha nas cadeias de abastecimento, e deixarmos de produzir computadores no outro lado do mundo, com os materiais do outro lado do mundo, um paรญs como Portugal fica sem computadores? Deixamos de trabalhar digitalmente?โ€

Alguns dos trabalhos da BY THE END OF MAY com papel reciclado (fotografia LPP)

O trabalho que Davide e Andrรฉ desenvolvem na BY THE END OF MAY รฉ aquilo a que chamam de design especulativo. “Design especulativo porque estamos a especular. A imaginar futuros e possibilidades, e a tentar caminhos”, explica Andrรฉ. Como “atelier de investigaรงรฃo e design” desenvolvem projectos na intersecรงรฃo da fabricaรงรฃo digital, biomateriais e artesanato. “Queremos perceber o futuro da manufactura e, em particular, no contexto de cidades localmente produtivas, auto-suficientes e regenerativas”, acrescenta. “E fazemos isso trabalhando com empresas, para perceber de que maneira รฉ que estas podem realmente transitar os seus modelos de negรณcio para serem mais respeitadores do ambiente e do seu contexto social.”

“O objectivo nรฃo รฉ a ensinar ร s pessoas, mas incluir as pessoas”

O Gentler Futures Festival vai reunir designers, fazedores, investigadores, arquitectos e criativos, nacionais e internacionais, cujo trabalho estรก a moldar os futuros em que Andrรฉ e Davide gostariam viver: centrados no planeta, locais, nรฃo lineares e pรณs-consumistas. Vรฃo ser apresentados projectos experimentais de design e arquitectura, que procurem descentralizar os meios de produรงรฃo, imaginar sistemas de produรงรฃo alternativos nรฃo-lineares e colocar as necessidades das comunidades locais e do planeta acima do lucro e do crescimento econรณmico. O programa inclui workshops, palestras, exposiรงรตes temporรกrias, projecรงรตes, performances, mรบsica e muito mais. E pretende suscitar questรตes, lanรงar provocaรงรตes e inspirar novas questรตes: sobre o que comemos, como construรญmos e as tecnologias que usamos. 

Horta urbana no CIM (fotografia LPP)

No Gentler Futures Festival, a Bagaceira Project irรก falar-nos sobre como os resรญduos orgรขnicos das cidades podem ser usados para produzir materiais de alto valor e Inรชs Coelho da Silva mostrarรก como os espaรงos urbanos podem ser mais comestรญveis. Rodrigo Borralho, especialista em agroflorestas, irรก falar de como produzir alimento na cidade com poucos recursos. Jรก a start-up portuguesa Upfarming terรก uma sessรฃo sobre o cultivo na vertical para potenciar o escasso espaรงo das cidades. E, ainda no campo da alimentaรงรฃo, o Slow Lab mostrarรก como podemos aproveitar a energia solar de Lisboa para cozinhar.

Por outro lado, no festival tambรฉm se debaterรก como reduzir o impacto da construรงรฃo civil; conhecendo os exemplos do atelier de arquitectura MaTierra e da associaรงรฃo Nada Novo que recorre a materiais ecolรณgicos e ร  reutilizaรงรฃo; da Natura Matรฉria que propรตe a utilizaรงรฃo de cรขnhamo na construรงรฃo de edifรญcios; Ou do atelier Studio8 que mostrarรก como aproveita as sobras de demoliรงรตes na arquiectura e design de interiores para conceber novos materiais, da Novonovo que reutiliza mรกrmore para criar iluminaรงรฃo, ou da Prima Matters que falarรก sobre como os restos da cerรขmica podem ser usados para criar novos objectos.

Ainda convidando ร  reflexรฃo sobre materiais e construรงรฃo, Inรชs Barros apresentarรก uma escultura com biomateriais, a portuense Sofia De=Francesco mostrarรก como a bricolage pode ser mais acessรญvel e colaborativa atravรฉs de design open-source; 

Por falar em open-source, รฉ importante sublinhar que a tecnologia tambรฉm tem lugar neste festival. Megan Ammari, designer e investigadora de Inteligรชncia Artificial (IA), vai levar-nos por cenรกrios futurรญsticas para Lisboa atravรฉs de IA e de Realidade Virtual (RV); Marie Verdeil, uma designer de Bruxelas, vai falar sobre como podemos ter uma Web com menos recursos e energia; e o duo de artistas What A Mess vai apresentar alguns cenรกrios alternativos para Lisboa, e em particular para o bairro da Mouraria, atravรฉs de simulaรงรตes 3D e com a ajuda do videojogo Fortnite.

“Quisemos criar evento acessรญvel e que torna este temas mais democrรกticos”, contextualiza Andrรฉ. “Vai ser um evento de estilo informal, em que basicamente o objectivo nรฃo รฉ estar a ensinar ร s pessoas, mas incluir as pessoas.” A participaรงรฃo em palestras, performances, exposiรงรตes e projecรงรตes รฉ gratuita mediante inscriรงรฃo, e os bilhetes para os workshops podem ser adquiridos online, em gentlerfutures.com. Todas as receitas revertem para apoiar os projectos convidados, bem como para permitir ร  BY THE END OF MAY manter o festival gratuito e acessรญvel.

“Queremos reconectar as pessoas com os materiais”

A programaรงรฃo foi construรญda com artistas e projectos que Davide e Andrรฉ consideram inspiradores e que jรก seguiam hรก algum tempo “atravรฉs da net, das redes sociais”. Mas a dupla de designers estรก a realizar, atรฉ ao prรณximo domingo, uma chamada aberta para encontrar iniciativas que ainda nรฃo conhece. E o Gentler Futures Festival vai servir tambรฉm para o BY THE END OF MAY mostrar algum do seu trabalho. 

O duo comeรงou com o papel, a tentar perceber como esta matรฉria-prima poderia ser usada para construรงรตes mais rijas e estรกveis, e estรก jรก a estudar outros materiais, como borras de cafรฉ e as cascas de pistรกcio. “Estamos no campo da investigaรงรฃo material, de perceber como รฉ que nรณs podemos melhorar as qualidades, por exemplo, do papel e tornรก-lo no material mais duradouro, para que nรฃo seja sempre usar e deitar fora, mas tambรฉm para criar uma certa conexรฃo ao material e ter algum respeito pelo material”, explica Andrรฉ.

Seja com o papel que deitamos fora, com as borras de cafรฉ ou com as cascas de pistรกcios, o desafio da BY THE END OF MAY รฉ perceber como este lixo poderia ser tratado em Lisboa ou mesmo no bairro da Mouraria, por hipรณtese. E reaproveitado para produzir localmente novos produtos. “ร‰ transversal a vรกrios dos nossos projectos esta ideia de reaproveitar aquilo que temos em maior quantidade dentro das nossas cidades e dos nossos espaรงos urbanos, que deixaram de ser recursos naturais โ€“ aquilo a que chamamos de matรฉria-primas mais facilmente, e que passaram a ser resรญduos urbanos. E, portanto, nรณs agora temos que comeรงar a olhar para os resรญduos urbanos e para os subprodutos industriais como matรฉrias-primas.”

“Nรณs deixamos de ter responsabilidade em relaรงรฃo ao lixo a partir do momento em que pomos o nosso lixo no caixote verde, amarelo e azul. Depois disso, jรก nรฃo queremos saber porque achamos que o nosso trabalho jรก estรก feito”, aponta. 

Maria Mascaranhas, da Renovar A Mouraria, com a BY THE END OF MAY (fotografia LPP)

A presenรงa da BY THE END OF MAY e, em particular, do Gentler Futures Festival no Centro de Inovaรงรฃo da Mouraria (CIM) faz todo o sentido na estratรฉgia de programaรงรฃo deste espaรงo. O CIM nรฃo รฉ sรณ uma incubadora municipal, onde estรฃo sediados projectos, mas um espaรงo aberto ร  cidade, que quer continuar a atrair conhecimento e criatividade, mantendo um diรกlogo prรณximo com a comunidade local da Mouraria. “Desde o inรญcio que o Davide e o Andrรฉ tรชm mostrado esta vontade de nรฃo sรณ fazer coisas aqui no espaรงo, mas tambรฉm mobilizar recursos do bairro da Mouraria, por assim dizer, exatamente nesta lรณgica mais sistรฉmica e local”, aponta Maria Mascarenhas, da associaรงรฃo Renovar A Mouraria, responsรกvel pela dinamizaรงรฃo cultural do CIM. “Hรก uma preocupaรงรฃo de ir buscar micro-negรณcios aqui do territรณrio da Mouraria ou da cidade da Lisboa para venderem comida durante o evento. Pessoas que estรฃo numa situaรงรฃo mais fragilizada ou mesmo outras que tรชm negรณcios mais pequeninos, que nรฃo estรฃo a ser ainda incluรญdos em grandes eventos”, exemplifica.

Para Maria, o festival รฉ uma forma de atrair novos pรบblicos para o CIM e, quiรงรก, atรฉ de fixar alguns deles como futuros incubados, gerando novas sinergias entre os restantes projectos residentes e tambรฉm com a comunidade local. “Eu acho que o que eles fazem de trazer este conhecimento para aqui, de atrair todas as pessoas da cidade que possam estar interessadas nesses temas, tambรฉm estรฃo a dar acesso a este espaรงo e ร  programaรงรฃo que oferece, que normalmente tambรฉm รฉ sempre gratuita.”

Podes saber mais sobre o Gentler Futures Festival em gentlerfutures.com, onde podes consultar a programaรงรฃo actualizada e saber tudo sobre os convidados.

Programaรงรฃo

Sexta, 31 de Maio

16h โ€“ Workshops

18h โ€“ Palestras

21h โ€“ Projecรงรตes e performances

Toda a tarde โ€“ Exposiรงรฃo, instalaรงรตes, comida, bebida e DJ sets

Sรกbado, 1 de Junho

11h โ€“ Workshops

14h โ€“ Almoรงo no terraรงo

15h โ€“ Palestras

17h โ€“ Workshops

21h โ€“ Projecรงรตes e perfomances

Toda a tarde โ€“ Exposiรงรฃo, instalaรงรตes, comida, bebida e DJ sets


Workshops

  • Sexta ร s 16h
    • Lisbon’s futures in VR: hands-on AI and VR workshop (Megan Ammari)
    • The light of marble: build your own lamp using reclaimed marble (Novonovo)
    • Elevate and cultivate: growing food together through vertical farming (Upfarming)
  • Sรกbado ร s 11h
    • Upcycling organic waste for the built environment (Bagaceira Project)
    • Hempcrete: using hemp in design and construction (Natura Matรฉria)
    • Slow kitchen: cooking with solar and human energy (Slow Lab e Marie Verdeil)
    • Distributed Design: speculating on alternative futures (Distributed Design Platform)
  • Sรกbado ร s 17h
    • Exploring the reuse of residues in ceramics (Prima Matters)

Experiรชncias

  • Sรกbado ร s 11h
    • Food literacy projects: a guided tour through Lisbonโ€™s urban farms (Rodrigo Borralho)

Projecรงรตes

  • Sexta ร s 21h
    • Living the change: inspiring stories for a sustainable future (Happen Films, 2016)
  • Sรกbado ร s 21h
    • Proof of Concept: 100 geeks, 5 weeks, 1 future (Ouishare / Open State, 2016)

Palestras

  • Sexta ร s 18h
    • Introducing Distributed Design: a value-driven approach to design (Distributed Design Platform)
    • Matterpieces: material design for circular architecture (Studio8)
    • Edible landscapes: art and food (Inรชs Coelho da Silva)
  • Sรกbado ร s 15h
    • Principles for designing a low-tech web (Marie Verdeil)
    • Reuse in construction: mapping the โ€˜minesโ€™ for our future (NADA NOVO)
    • Building from the ground: a context responsive approach (MaTierra)

Outros

  • Performances e instalaรงรตes: Inรชs Coelho da Silva e Kevin Bellรฒ, Pietro Degli Esposti (MaTierra), Pedro Gil Faria e Hugo Pilate (What A Mess), Inรชs Barros e Giovanna Martins, Megan Ammari, Julia Steketee (Bagaceira Project), Audrey Belliot Darmon (Slow Lab), Marie Verdeil.
  • Exposiรงรฃo: Manuel Sanchez (SOS Heater), Patrรญcia Gomes (Matterpieces/Studio8), Martina Comola (Hacko, 3Bee), Biosphere Solar, Ilaria Pirro, Sara Baptista da Silva, Carla Alcalร  Badias, Andrรฉ Trindade e Davide Onestini (Post Paper Studio/BY THE END OF MAY), Isabel Oliveira (Oiรก).

As palestras, performances e projecรงรตes serรฃo realizados em Inglรชs. Os workshops serรฃo realizados em Inglรชs ou em Portuguรชs, consoante a preferรชncia dos participantes.

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