A obra de alargamento do IC20, a via rápida que liga Almada à Costa da Caparica, está concluída. Mas que melhorias houve para quem não conduz? E as duas novas vias de trânsito poderão ainda ser transformados em corredores BUS?

Está concluída desde o início de Junho a obra de alargamento do IC20, entre Almada e a Costa da Caparica. As seis vias rodoviárias passaram a ser oito, quatro por sentido, em resultado do contrato de concessão daquela via rodoviária, que obrigava a este alargamento uma vez atingindo determinado volume de tráfego.
Mais faixas para carros vão induzir mais carros, não resolvendo o congestionamento, diz a ciência da indução de tráfego. Mas, se para quem conduz vai ficar tudo na mesma, e para quem não conduz? Que melhorias esta obra trouxe para quem se desloca a pé, de bicicleta ou de transportes públicos? As duas novas vias de trânsito podem ser transformadas em corredores BUS?
O que mudou?
A obra de alargamento do IC20 começou em Outubro de 2023 e terminou em Junho deste ano, tendo durado um ano e nove meses.
Decorreu entre o início desta via rápida e o nó da Universidade. Nesse troço, o IC20 passou a ter quatro vias em cada sentido. Entre o nó da Universidade e a Costa da Caparica mantém-se o perfil existente com duas a três vias por sentido.
O alargamento dá cumprimento ao contrato de concessão entre a Infraestruturas de Portugal (IP) e a Baixo Tejo, que previa que a estrada conhecida como a Via Rápida da Caparica fosse alargada uma vez atingido um tráfego médio anual superior a 60 mil veículos por dia. Com quatro vias por sentido, mais carros vão poder usar a infraestrutura e, concretizando-se essa indução de tráfego, o congestionamento que se verificava antes da obra vai continuar a existir. É a ciência que o diz e outras obras de alargamento de infraestruturas rodoviárias pelo mundo provam que a ciência não está enganada: alargar vias rodoviárias não resolve o trânsito, o que resolve é criar alternativas de transporte público.

Perante a obra de alargamento do IC20, a Câmara de Almada assumiu uma postura de passividade, tratando a intervenção como um dado adquirido. Na verdade, em cima da mesa, estava o cumprimento de um contrato de concessão entre a IP, uma empresa sob tutela do Ministério das Infraestruturas, e a subconcessionária. A autarquia pouco poderia fazer.
Sendo inevitável a concretização da empreitada, a Câmara liderada por Inês de Medeiros procurou assegurar duas exigências. Uma delas foi um novo acesso à Ponte 25 de Abril. Quem se desloca da Costa da Caparica em direcção a Lisboa passou a ter disponível um túnel e um viaduto que garantem o acesso directo ao denominado ‘garrafão’ da Ponte 25 de Abril.
Com esta exigência, ficou melhorada a ligação do IC20 à ponte, retirando tráfego , dentro do possível, da rotunda do Centro Sul. No entanto, continuando a ponte a ser limitada a duas vias por sentido, mantém-se o fenómeno de “bottleneck” no acesso à mesma, isto é, um estrangulamento da capacidade rodoviária porque a ponte continua a ter a mesma capacidade que tinha e que sempre teve.
Mas… e para quem anda a pé ou de bicicleta?


Para quem se desloca a pé ou de bicicleta, o IC20 era e continua a ser uma barreira difícil de transporte, dividindo casas e habitantes. Todavia, a obra trouxe novas pontes ciclopedonais sob a via rápida, melhorando a mobilidade de quem anda fora do automóvel em alguns pontos. No Nó da Universidade/Casas Velhas, fruto também de uma exigência da Câmara de Almada, passou a existir uma passagem superior que peões e ciclistas podem usar em partilha, sem necessidade de, no último caso, desmontarem a sua bicicleta.
Essa nova ponte irá, no futuro, estar integrada na rede ciclável que a autarquia almadense pretende estabelecer naquela zona, aquando da expansão do MTS até à Costa da Caparica e da criação de uma ciclovia entre o Pragal e a Costa.

Foram também colocadas novas passagens superiores no chamado Nó do hospital e na zona da área de serviço/estação do Pragal. Estas duas pontes, juntamente com a do Nó da Universidade/Casas Velhas, substituem as que existiam anteriormente: são atravessamentos mais modernos, aptos para mobilidade condicionada e bicicletas. A passagem superior nas Casas Velhas é a mais desenvolvida, com rampas de ambos os lados; as outras duas são mais pequenas, tendo elevadores em substituição de rampas.
E para os transportes públicos?
Para os transportes públicos, não houve melhorias. O acesso do Centro Sul para a Ponte 25 de Abril mantém o corredor BUS que existia e que continua a funcionar apenas nas horas de ponta, com incumprimentos constantes por parte de automobilistas, que continuam a usar indevidamente esse espaço. No acesso à ponte para quem vem da Costa da Caparica, apesar das melhorias para o trânsito rodoviário em geral, não foi instalada qualquer corredor BUS, ficando alguns dos autocarros que vão para Lisboa presos no congestionamento.
No entanto, a Câmara de Almada diz que está a trabalhar com o Governo em melhorarias para os transportes públicos face à “imposição da IP” que diz que foi o alargamento do IC20. A autarquia liderada por Inês de Medeiros (PS) que quer que a nova via que passou a existir por sentido “possa ser duas coisas: não só uma via BUS mas também a primeira via em Portugal exclusivamente com carros com mais de duas pessoas”, ou seja, uma via de alta ocupação. A informação foi avançada pela própria Presidente de Câmara, numa sessão da Assembleia Municipal de Almada a 26 de Junho.

A ideia, segundo Inês de Medeiros, é não só promover o transporte público mas também ter uma via que seja “dissuasora de cada um levar o seu carro individual” e que estimule a partilha de viagens entre pessoas com o mesmo destino. A autarca disse que “o Município está desde o início a propor” esta ideia e que “o próprio Ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, no dia em que abrimos voltou a reafirmar que iremos trabalhar nesse sentido”.
“Essa medida é um bocadinho mais complexa de colocar porque precisa de um acompanhamento maior”, adiantou, rejeitando a criação imediata de um corredor BUS, que implicaria apenas sinalização horizontal e vertical. “Já que ha uma nova via, queremos que seja uma via diferenciadora e que Almada marque diferença e reafirme o seu compromisso com a descarbonização.”
Inês de Medeiros respondia a uma munícipe, Sofia Simões, representante da associação Inspira Mobilidade, que interveio na Assembleia Municipal para pedir a “implementação imediata de uma via BUS ou BRT (Bus Rapid Transit) no IC20”. “A implementação de uma via BUS não tem custos adicionais significativos e pode ser feita a muito curto prazo”, defendeu, referindo que, para tal só é preciso haver “vontade e dinamismo”.
A Inspira Mobilidade é uma associação recente que surgiu em Almada para defender uma mobilidade sustentável no concelho. Foi uma das promotoras de uma petição com mais de 2 800 assinaturas contra o alargamento do IC20, que foi promovida por almadenses em nome individual, urbanistas e especialistas em mobilidade, e por associações e movimentos cívicos, e que foi discutida quer na Assembleia Municipal, quer na Assembleia da República,
Para Sofia Simões, “não era uma inevitabilidade o alargamento do IC20, a IP podia ter impedido o processo e ao fazê-lo estaria alinhado com os objectivos de mobilidade sustentável e descarbonização que o país se obrigou a cumprir, ninguém nos impôs, obrigámo-nos a cumprir”, disse, considerando que esta obra está “em conflito flagrante com a política climática nacional”. “Se Portugal não cumprir com as metas de redução de emissões em 2030, está em causa perdermos o acesso ao fundos rodoviários”, referiu.

Na sessão da Assembleia Municipal de Almada a 26 de Junho, Luís Palma, da bancada da CDU, destacou a “necessidade de criação de corredores BUS” no concelho e que o transporte público deve ter “um canal privilegiado na ligação da Costa da Caparica a Almada”. “É necessário ter transportes públicos de qualidade e reforçados, e cabe a nós enquanto poder instituído juntar esforço para que as populações sejam efectivamente bem servidas.”
Por sua vez, Pedro Celestino, deputado municipal pelo BE, criticou não ser ter feito “o máximo possível” para “se dinamizar espaço para o transporte público” no IC20, defendendo que “a Costa esta cronicamente mal servida de transportes. Vê-se bem o congestionamento e os autocarros completamente cheios de pessoas que querem ir à praia”. “Se queremos descarbonizar é retirando carros”, acrescentou, acusando o Executivo de Inês de Medeiros de fazer o contrário.
Apesar das melhorias que o alargamento do IC20 trouxe para a mobilidade pedonal e ciclável, reduzindo o efeito de barreira com novos atravessamentos, o alargamento da Via Rápida da Caparica não vai resolver os congestionamento existentes. Ficou também a faltar neste local uma aposta no transporte público. Note-se que, n o entanto, continua em marcha a extensão da Linha 3 do Metro Sul do Tejo a partir da estação Universidade, até à Costa da Caparica e Trafaria.