Reflexรฃo

A morte lenta da cultura independente em Lisboa

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A lรณgica do turismo, do imobiliรกrio e da โ€œcidade vitrineโ€ impรดs-se sobre a do cuidado com o tecido cultural real. Hรก incentivos para startups, mas nรฃo para coletivos.

O actor norte-americano Robert de Niro, acompanhado pela sua namorada Tiffany Chen, รฉ transportado num carrinho de golfe entre os locais, no primeiro dia do Tribeca Festival Lisboa, Outubro de 2024 (fotografia de Josรฉ Sena Goulรฃo/Lusa)

Sob o brilho das inauguraรงรตes e dos grandes eventos internacionais, Lisboa estรก a tornar-se uma cidade cada vez mais hostil para quem faz cultura fora dos circuitos institucionais. Carlos Moedas, com a sua retรณrica de inovaรงรฃo e futuro, estรก a asfixiar a base da criatividade lisboeta โ€“ aquela que nasce nas margens, nos bairros, nas caves, nas ocupaรงรตes temporรกrias, nos projetos sem pedigree.

A Cรขmara investe milhรตes em festivais de grande escala, em eventos com branding corporativo e em reabilitaรงรตes cรฉnicas, mas negligencia de forma sistemรกtica os espaรงos autogeridos, os coletivos artรญsticos emergentes e a rede de pequenas estruturas que mantรชm viva a vitalidade cultural da cidade. Pior: o discurso meritocrรกtico do empreendedorismo cultural serve como desculpa para cortar apoios, substituir subsรญdios por concursos opacos e empurrar artistas e criadores para lรณgicas de mercado que os condenam ร  precariedade.

Sob o mandato de Moedas, espaรงos independentes tรชm sido despejados, ignorados ou silenciados. A lรณgica do turismo, do imobiliรกrio e da โ€œcidade vitrineโ€ impรดs-se sobre a do cuidado com o tecido cultural real. Hรก incentivos para startups, mas nรฃo para coletivos. Hรก dinheiro para exposiรงรตes mediรกticas, mas nรฃo para residรชncias artรญsticas. A cultura torna-se espetรกculo, mas nรฃo vida.

Moedas quer uma cidade competitiva, mas o que Lisboa precisa รฉ de uma cidade habitรกvel โ€“ tambรฉm para quem cria. A cultura nรฃo sobrevive sem espaรงo, sem tempo e sem confianรงa. E se a Cรขmara continuar a gerir a cultura como um produto de luxo para estrangeiros e elites, arrisca-se a deixar Lisboa sem alma.

7 feridas na cultura de Lisboa

1. Falta de financiamento direto e contรญnuo para estruturas independentes

Moedas privilegia concursos pontuais e apoios esporรกdicos, em vez de criar mecanismos de financiamento regular para espaรงos autogeridos, coletivos e associaรงรตes culturais.

2. Aposta desproporcionada em grandes eventos e cultura-espetรกculo

O investimento da Cรขmara de Lisboa vai maioritariamente para festivais de grande escala, museus emblemรกticos e parcerias com marcas, museus emblemรกticos e parcerias com marcas – deixando de fora o tecido cultural de base, mais frรกgil e invisรญvel.

3. Inaรงรฃo face ร  pressรฃo imobiliรกria e despejos de espaรงos culturais

A governaรงรฃo de Moedas nada faz para impedir que espaรงos culturais desapareรงam face ร  subida das rendas. Dezenas jรก fecharam e outros encontram-se em risco.

4. Falta de uma polรญtica de habitaรงรฃo e trabalho cultural articulada

Nรฃo hรก uma estratรฉgia integrada de cidade que ligue cultura, habitaรงรฃo acessรญvel e espaรงos de trabalho para artistas – como existe em Berlim, Amesterdรฃo ou Marselha.

5. Ausรชncia de um mapeamento e escuta ativa da cena independente

A Cรขmara de Lisboa nรฃo realizou (atรฉ agora) nenhum levantamento pรบblico das estruturas emergentes, nem promove fรณruns de escuta regulares com criadores independentes para desenhar polรญticas com base real.

6. Programas superficiais e orientados para a imagem

Projetos como a โ€œLivraria Lisboa Culturaโ€ ou os prรฉmios de media digital sรฃo simbรณlicos e mediรกticos, mas nรฃo estruturam nem sustentam o ecossistema criativo local a longo prazo.

7. Concepรงรฃo elitista da cultura

A visรฃo cultural de Moedas centra-se numa ideia โ€œeuropeiaโ€ e institucional da arte, pouco sensรญvel ร  produรงรฃo perifรฉrica, comunitรกria, interdisciplinar, politicamente incรณmoda e ร s estรฉticas que desafiem o gosto dominante.

Ignora que a vitalidade cultural de uma cidade nรฃo depende apenas de instituiรงรตes consagradas, mas de um ecossistema vivo, onde o risco, a experimentaรงรฃo e a crรญtica sรฃo possรญveis. Sem apoiar essa base, Lisboa perde profundidade, diversidade e capacidade de futuro.

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