As grandes tragédias que marcaram Lisboa

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O descarrilamento do Elevador da Glória, a 3 de Setembro de 2025, é o pior desastre em Lisboa desde o grande incêndio do Chiado, em 1988. Relembramos as tragédias que marcaram a cidade, do incêndio que devastou o coração comercial às cheias de 1967, que mataram centenas nas periferias urbanas, sem esquecer o terramoto de 1755.

O incêndio do Chiado de 1988 destruiu perto de duas dezenas de edifícios, mas fez apenas duas mortes (fotografia cortesia de Arquivo Municipal de Lisboa)

O descarrilamento do Elevador da Glória, no final da tarde de 3 de Setembro de 2025, provocou 16 mortos e 23 feridos e é o maior desastre em Lisboa desde o incêndio do Chiado, em 1988. Neste incêndio, morreram apenas duas pessoas, mas 18 edifícios foram destruídos, dezenas de negócios encerraram e centenas ficaram sem trabalho. Para na história recente da cidade encontrarmos uma tragédia mais letal que a do Elevador da Glória, precisamos de recuar a 1967 – às grandes cheias que terão provocado a morte de pelo menos 462 pessoas.

O incêndio do Chiado

25 de Agosto de 1988. Nuno Kruz Abecasis (PSD/CDS) era o Presidente da Câmara de Lisboa, Cavaco Silva (PSD) o Primeiro-Ministro, Mário Soares (PS) o Presidente da República. Na madrugada desse dia, um incêndio de grandes dimensões começou por tomar conta dos Armazéns Grandella e dos Armazéns do Chiado, contíguos. As chamas acabaram por se alastrar para quase duas dezenas de edifícios no coração do Chiado.

O Chiado era, como hoje, um centro comercial da cidade. Quase ninguém vivia ali. Havia essencialmente lojas, escritórios e grandes armazéns de comércio, que acabaram destruídos. Eram edifícios do século XVIII que as chamas consumiram.

Neste incêndio, desapareceu a Perfumaria da Moda, cenário do filme O Pai Tirano, a Pastelaria Ferrari, um espaço histórico do início do século XX, o primeiro estúdio da editora Valentim de Carvalho, a Casa Batalha, histórica joalharia portuguesa que foi recentemente comprada pela Lanidor, e, claro, os dois grandes armazéns da zona: os da Grandella, inaugurado em 1894 e que foi espelho de uma figura marcante da sociedade portuguesa, o empresário Francisco de Almeida Grandella; e os Grandes Armazéns do Chiado.

O trágico incêndio do Chiado resultou em apenas duas vítimas humanas, uma delas um bombeiro. Houve mais de 20 feridos.

Mas o impacto foi em todo o património histórico que as chamas destruíram, levando ao fecho de lojas, arrastando pessoas para o desemprego e obrigando a um esforço de reconstrução – o maior desde o terramoto de 1755. De muitos edifícios, salvou-se as fachadas: os Armazéns do Chiado voltaram a ser um grande centro comercial, moderno, com lojas muito procuradas, um espaço de restauração que está cheio de manhã à noite, e uma estimativa de oito milhões de visitantes por ano. O projecto de reconstrução desse edifício e de toda a zona foi assinado por Álvaro Siza Vieira, que já era, no final dos anos 1980, um dos mais importantes arquitectos portugueses.

Foi Nuno Kruz Abecasis, polémico autarca e histórico militante do CDS, quem convidou Siza, afastando o receio de que a recuperação do Chiado fosse entregue ao polémico Tomás Taveira, autor do Amoreiras, inaugurado poucos anos antes. Com esta escolha, Kruz Abecasis recuperou parte do crédito que havia perdido junto da sociedade lisboeta, depois de a polémica obra na Rua do Carmo ter alegadamente atrasado e dificultado a actuação dos bombeiros. Meses antes do incêndio, aquela rua tinha sido pedonalizada e decorada com canteiros altos de betão – um projecto que não previu a circulação ágil de viaturas de emergência. Isso levou muitos a culpar Kruz Abecasis pela propagação do fogo, que se iniciou no Grandella e se espalhou pela vizinha Rua Garrett. Temia-se o pior – felizmente, não se verificou.

Todavia, a causa do incêndio nunca foi oficialmente determinada. Houve suspeitas de fogo posto, já que o proprietário dos Armazéns Grandella tinha acabado de sair da prisão, e foi considerado suspeito. Mas a polícia nunca comprovou qualquer intenção criminosa, e o caso acabou arquivado em 1992.

Krus Abecassis, polémico autarca e histórico militante do CDS, marcou a Lisboa dos anos 1980. Depois de dois mandatos, não se candidatou para o terceiro nas eleições de 1989. Jorge Sampaio, que uniu o PS ao PCP, venceu nesse ano.

As cheias de 1967

Para encontrarmos uma tragédia maior em termos de mortes, precisamos de recuar mais uns anos, até 1967, mais concretamente até 25 de Novembro de 1967. Estava a ser um ano seco, depois de dois muito chuvosos. Por isso, nesse dia de Outono, as primeiras gotas foram recebidas com alegria. Mas a partir das sete da tarde, tudo piorou. A chuva durante a noite foi de tal forma intensa que não houve capacidade de drenagem e inundou as partes baixas da Margem Norte de Lisboa. Habitações em Vila Franca de Xira, Loures, Odivelas, Oeiras e Cascais ficaram com água até quase ao tecto. E muitas pessoas ficaram sem tecto – mais de 20 mil casas terão sido destruídas.

Naquela fatídica noite choveu um quinto do que choveu em todo o ano de 1967. O rio Tejo e os afluentes subiram três a quatro metros em poucas horas. O temporal durou três dias e matou mais de 500 ou 700 pessoas – os dados são incertos porque a censura do Estado Novo fez tudo para esconder a destruição; certo é que os números oficiais ficaram nas 462 vítimas mortais. Passados quase dois meses desde as cheias, ainda se encontravam corpos. Estradas, pontes e outras infraestruturas também ficaram destruídas naquela que foi, de longe, pior tragédia na região lisboeta desde 1755.

As cheias expuseram um território profundamente desorganizado, marcado pela concentração de bairros de lata em leitos de cheia – reflexo de uma Lisboa que crescia precaria e ilegalmente para fora da cidade. Foram os mais pobres a morrer. O regime salazaristas mostrou-se inerte perante a tragédia, incapaz de prestar socorro ou de liderar a reconstrução do que as águas tinham destruído. Coube à sociedade civil, em particular aos estudantes, a liderança da resposta à tragédia de 25 de Novembro de 1967. Ajudaram a limpar os destroços, angariaram bens e fundos para os feridos e desalojados, e desafiaram o lápis azul do Estado Novo. O contacto de proximidade com o país real contribuiu para uma forte e rápida consciência política da miséria que a propaganda tentava esconder.

O fotógrafo inglês Terence Spencer também não cedeu à censura e fotografou a realidade das cheias: os cadáveres, os escombros, a lama. As imagens saíram na revista LIFE de 8 de Dezembro de 1967.

O terramoto de 1755

A grande catástrofe que marcou Lisboa foi o Terramoto de 1755, que obrigou à reconstrução de uma parte significativa do a cidade. A magnitude do sismo poderá ter sido de nove na escala de Richter, e o epicentro de 150 a 500 quilómetros a sudoeste de Lisboa. O terramoto foi acompanhado por um maremoto que varreu o Terreiro do Paço e por um gigantesco incêndio que, durante seis dias, completou o cenário de destruição de toda a baixa de Lisboa. Mas o impacto foi além da capital, afectando em particular o sul do país.

O sismo fez-se sentir na manhã de 1 de Novembro de 1755, dia santo, pelas 9h30. Muitos fiéis estariam nas igrejas e nas ruas. Dez mil pessoas terão morrido, isto é, 4% dos então 250 mil habitantes, e 14 mil edifícios ficaram danificados ou completamente destruídos, incluindo muito património religioso.

A baixa de Lisboa foi redesenhada por um grupo de arquitectos e engenheiros, sob orientação de Marquês de Pombal, que à data exercia o cargo equivalente hoje ao de Primeiro-Ministro. As novas ruas obedeceram a uma configuração geométrica e os edifícios passaram a ter um sistema anti-sísmico, com a chamada “gaiola pombalina”, uma estrutura de madeira semelhante a uma gaiola. A reconstrução da cidade foi rápida, terá durado cerca de um ano – prazos impensáveis nos dias que correm. Marquês de Pombal ordenou ainda um inquérito por todo o país para apurar as consequências do sismo – os resultados estão arquivados na Torre do Tombo.

Na história de Lisboa, assinalam-se outras tragédias como a queda da cobertura de betão da estação ferroviária do Cais do Sodré em 1963, que teve 49 mortos e 69 mortos. Aconteceu também durante a ditadura. Mais recentemente, em 2018, um elétrico da carreira 25 descarrilou na zona da Lapa. O veículo tombou, embateu num edifício e ficou praticamente destruído. 28 pessoas sofreram ferimentos ligeiros e foram encaminhadas para vários hospitais. Não houve vítimas mortais. O inquérito apurou que houve erro humano: o guarda-freio não respeitou a sinalização específica e falhou ao accionar os sistemas de travagem, que estavam em boas condições.

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