Quando a acessibilidade é uma app

Crónica.

A popular aplicação CityMapper introduziu uma nova funcionalidade que permite conhecer percursos acessíveis em Lisboa. Esta novidade é um progresso significativo, mas o problema de base – a falta de informação georreferenciada sobre acessibilidade – continua por resolver, pois não se investe localmente na recolha de dados para posterior disponibilização.

Diogo Martins (fotografia LPP)

Recentemente, uma das melhores aplicações de navegação para quem se desloca nas cidades sem carro, a CityMapper, lançou uma nova funcionalidade que nos permite conhecer percursos pedonais e transportes públicos acessíveis. Isto é particularmente importante para mim, que me desloco numa cadeira de rodas eléctrica. Com esta novidade, achei que o CityMapper passaria a ter toda a informação necessária às minhas deslocações, desde o estado dos elevadores das estações de Metro aos obstáculos existentes nos passeios, sem esquecer os veículos aptos a pessoas com deficiência.

Mas, depois de experimentar a nova funcionalidade no terreno, percebi que ainda há muito por fazer. Ainda há informação em falta para o CityMapper ser uma app acessível.

Fui até ao Areeiro, para testar a nova funcionalidade do CityMapper. Antes de partir, fiz algumas pesquisas de teste, para ver o comportamento da aplicação e os resultados que mostrava. Logo aqui deparei-me com a primeira questão: a informação não é suficientemente detalhada para dizer o percurso exacto numa rua; por isso, não se espantem se disser que podem ir por uma determinada rua mas não dizer qual o lado dessa rua (direito ou esquerdo).

No meu caso, testei um percurso a pé entre a estação de comboios de Roma-Areeiro e a estação de Metro da Alameda, que deu como resultado a Avenida Padre Manuel da Nóbrega. Nesta artéria, uma pessoa em cadeira de rodas não pode subir pelo lado esquerdo, em direção à Praça do Areeiro, porque a certo ponto o passeio é interrompido por um troço inacessível, e até as próprias paragens de autocarro nesse troço são inacessíveis. No entanto, o CityMapper diz-nos para ir por esse lado, porque não tem informação suficiente para calcular o percurso de forma a evitar troços inacessíveis.

Diogo Martins (fotografia LPP)

Já em relação aos transportes públicos, a aplicação dá algumas ajudas importantes. A informação sobre o estado dos elevadores do Metro de Lisboa está integrada e permite ao CityMapper calcular os resultados conforme os elevadores estejam ou não a funcionar. No entanto, verifiquei existirem erros, uma vez que no dia em que fiz este teste a estação Alameda estava ainda em obras para substituir vários dos seus elevadores. Esta informação estava no site do Metro de Lisboa, mas o CityMapper desconhecia a mesma e disse para apanhar o Metro na Alameda.

Ao longo dos anos, várias entidades identificaram a falta de informação sobre acessibilidade como um dos grandes problemas na gestão desta temática. Identificar numa cidade o que é e não é acessível bem como dar resultados sobre o estado dos equipamentos públicos, como elevadores e entradas, é ainda um desafio por resolver, tendo inclusive surgido vários projectos em Lisboa no âmbito da iniciativa VoxPop. Na maioria dos casos, as soluções têm passado pela criação de aplicações que segregam informação; dou um exemplo hipotético: uma app diz-me se um restaurante é acessível ao nível da entrada, não tendo degraus, mas para saber se o WC desse restaurante é acessível tenho de consultar outra aplicação. O problema de base – a falta de informação georreferenciada sobre acessibilidade – continua por resolver, pois não se investe localmente na recolha de dados para posterior disponibilização.

Voltando ao nosso teste. Pesquisei uma rota, desta vez real, entre a estação de comboios de Roma-Areeiro e o Mercado de Arroios. A aplicação deu-me a informação correcta, com o percurso até à paragem da carreira 718 da Carris, que parte da porta da estação de comboios, depois uma viagem neste autocarro até à Alameda e, desde aí, um caminho pedonal até ao Mercado. O CityMapper indica, a partir da lista de carreiras acessíveis que tem da Carris, aquelas estarão aptas a receber pessoas em cadeiras de rodas, como eu. Nem todas as carreiras acessíveis aparecem, como as Carreiras de Bairro, talvez por o material circulante ser variável e não estável numa determinada linha.

No 718 não tive qualquer problema. Apanhei este autocarro duas vezes, uma para ir e outra para voltar. Numa das viagens, o motorista teve de movimentar a rampa; na outra, a rampa era automática e foi mais fácil o embarque e desembarque. No percurso entre a Alameda e o Mercado de Arroios, não tive problemas, uma vez que encontrei passeios rebaixados juntos às passadeiras e um trajecto livre de obstáculos. Mas não podemos esperar que a CityMapper mostre onde é a entrada acessível do Mercado de Arroios, por exemplo, porque, como disse anteriormente, não existe informação sobre este pormenor em lado nenhum – nem no CityMapper, nem num Google Maps.

Num outro percurso que testei – mas não realizei –, quis saber se era possível dar resultados para uma rota mais longa e complexa. Testei do Areeiro para o Rossio na esperança que, entre as várias opções desse um percurso com autocarro e Metro. Os resultados deram sempre a opção comboio, sem contar que para se usar os comboios da CP é necessário marcar com seis horas de antecedência. Ou seja, não poderia nunca realizar o percurso que o CityMapper me estava a dar naquele momento, de forma espontânea. A aplicação também não me dá nenhuma informação sobre esta condicionante da CP.

É preciso ressalvar que o CityMapper não promete, em momento algum, dar percursos garantidamente acessíveis, mas cria essa expectativa. A verdade é que a app se limita a indicar opções de transporte público para pessoas com mobilidade condicionada e percursos pedonais sem escadas, e mesmo nesta tarefa tem falhas que podem deixar alguém como eu bloqueado. Os tempos de viagem indicados na aplicação são, de facto, ajustados ao tempo extra que é necessário para percorrer as ruas numa cadeira de rodas ou usar elevadores, o que dá uma noção mais realista de quanto tempo se demora de facto entre o ponto A e o ponto B. Também a informação sobre quais os autocarros acessíveis está conforme os mostrados pela Carris, faltando a esta fazer melhor na informação disponibilizada.

Diogo Martins (fotografia LPP)

Em suma, esta nova funcionalidade no CityMapper é um progresso no bom caminho, uma vez que se trata de uma aplicação comum, que pode ser usada por qualquer pessoa e que agora disponibiliza informação sobre acessibilidade, evitando o penoso processo de instalar mais uma aplicação só para ter informação segregada. Em muitos casos, estas apps dedicadas não têm qualidade suficiente e acabam por perder suporte ao fim de alguns meses após o lançamento. Mas falta o resto: falta recolher informação sobre acessibilidade e disponibilizar de forma padrão e eficaz, permitindo equipar não só o CityMapper mas outras apps de navegação como o Google Maps.

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