Ciclistas desportivos e urbanos unidos por uma mensagem comum: mais respeito na estrada

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Mais de 500 ciclistas pedalaram entre Lisboa, Oeiras e Cascais em memรณria de Pedro Sobral, atropelado mortalmente em Dezembro na Avenida da รndia, e para denunciar falta de seguranรงa nas estradas e ruas das cidades. Amigos de Pedro e organizaรงรตes pedem mudanรงas para prevenir novas tragรฉdias.

“Ghost bike” colocada no local onde Pedro Sobral perdeu a vida (fotografia LPP)

Mais de 500 pessoas, de bicicleta, percorreram na manhรฃ deste domingo, 12 de Janeiro, o eixo marginal entre Lisboa e Cascais. Ciclistas desportivos e ciclistas urbanos juntaram-se em memรณria de Pedro Sobral, que morreu no final de Dezembro a pedalar na Avenida da รndia, em Belรฉm. Junto ร  Cordoaria Nacional, onde se deu o sinistro, houve um minuto de silรชncio.

Principalmente aos fins-de-semana, o eixo marginal entre Lisboa e Cascais รฉ muito procurado por ciclistas para exercitar as pernas e fazer desporto, escapando, talvez, ao sedentarismo e stress da semana. Pedro Sobral, dizem os amigos, era uma dessas pessoas. Na manhรฃ de sรกbado, 21 de Dezembro, tinha saรญdo para o treino, quando, depois das sete horas, foi atropelado na Avenida da รndia, por um condutor de um carro, que se pรดs em fuga de seguida. O condutor, um jovem que seguiria a alta velocidade e embriagado, e que se apresentou horas depois ร s autoridades acompanhado por um advogado, poderรก agora ser julgado pelos crimes de homicรญdio por negligรชncia e omissรฃo de auxรญlio. Pedro tinha 51  anos e era presidente da Associaรงรฃo Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).

Minuto de silรชncio por Pedro Sobral (fotografia LPP)

A morte de Pedro Sobral gerou uma onda de tristeza mediรกtica, com mensagens de luto das mais variadas entidades e personalidades, da Cรขmara de Lisboa ao grupo editorial LeYa, do qual Pedro tambรฉm era administrador, passando pelo Presidente da Repรบblica, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo Ministรฉrio da Cultura. O facto de Pedro ser uma figura conhecida levou a que o seu falecimento nรฃo fosse sรณ mais um nรบmero estatรญstico. Nos รบltimos 20 anos, Portugal registou uma mรฉdia de mil vรญtimas mortais por ano em sinistros rodoviรกrios.

Na manhรฃ deste domingo, cinco centenas de ciclistas desportivos e urbanos estiveram unidos para criar uma mensagem pรบblica comum entre a utilizaรงรฃo da bicicleta para lazer e o uso para mobilidade. Ambos querem o direito ร  estrada e ร  cidade em seguranรงa. A morte de Pedro foi o gatilho que despoletou uma marcha de bicicletas que partiu de Algรฉs pelas oito da manhรฃ, seguiu em direcรงรฃo ร  Baรญa de Cascais, e regressou a Lisboa, terminando pela hora de almoรงo em frente ao Centro de Congressos. O grupo, maioritariamente composto por pessoas que usam a bicicleta por lazer, ganhou utilizadores da bicicleta como meio de transporte pelas 11h30 no Jamor. E, por volta das 12h30, junto ร  Cordoaria Nacional, em Belรฉm, onde sucedeu o atropelamento que tirou a vida a Pedro Sobral, foi feito um minuto de silรชncio.

“Comeรงava a tornar-se recorrente”

A marcha โ€“ que juntou ciclistas desportivos, mais afastados do activismo, a ciclistas urbanos, que estรฃo constantemente a organizar manifestaรงรตes e outras acรงรตes โ€“ comeรงou a ser organizada por amigos de Pedro Sobral, tambรฉm praticantes de ciclismo enquanto lazer ou desporto, e ganhou o apoio rรกpido de associaรงรตes como a MUBi, mais direccionadas para o uso da bicicleta como meio de transporte. Francisco Rafael, um dos amigos de Pedro, explica ao LPP porque decidiu comeรงar esta iniciativa. โ€œComeรงava a tornar-se recorrente: demasiados acidentes, demasiadas quedas que resultavam em ferimentos graves, levando alguns a abandonar o desporto de que gostam, e, em casos extremos, vidas que foram perdidas, como aconteceu com Pedro Sobral. Sรฃo demasiadas situaรงรตes que evidenciam a falta de seguranรงa e os perigos enfrentados pelos ciclistas na estradaโ€mentioned.

Para Francisco, colocar sinalizaรงรฃo ao longo do eixo marginal entre Lisboa e Cascais poderia ser um bom ponto de partida, para โ€œโ€‹โ€‹melhorar a coexistรชncia de todos nas estradasโ€. โ€œTemos que comeรงar pelo bรกsico. Na minha vida, e desde que sou atleta, desde os nove anos, sempre me disseram que o bรกsico รฉ o principal. E o bรกsico neste caso รฉ: sinalizar; fazer campanhas de sensibilizaรงรฃo em outdoors โ€“ que inclusivamente existem na marginal โ€“ sobre as regras que se tรชm que ter relativamente aos ciclistas; e fiscalizar", points out.

Sobre a sinalizaรงรฃo, Francisco sugere sinais que assinalem a presenรงa habitual de ciclistas na Avenida da รndia e depois na Marginal entre Oeiras e Cascais, bem como a regra obrigatรณria de dar 1,5 metros de distรขncia lateral em relaรงรฃo a uma bicicleta durante uma ultrapassagem. โ€œPara ultrapassarmos um ciclista, temos que fazer exactamente o mesmo procedimento de ultrapassar um carro, uma moto ou outro veรญculo qualquer: abrir piscas, mudar de via e passar, porque tem que se dar 1,5 metros. Alguns condutores nรฃo sabem isso.โ€

Francisco Rafael sugere sinalizaรงรฃo ao longo do eixo da marginal (fotografia LPP)

Fechar a Marginal aos carros um domingo por mรชs ou, pelo menos, reservar uma faixa para as bicicletas durante as manhรฃs dos fins-de-semana - โ€œentre, por exemplo, as 7 e as 9h30 da manhรฃ, porque a essas horas circulam ainda poucos carros e sรฃo as horas que nรณs escolhemos para pedalarโ€ โ€“ sรฃo outras possibilidades comentadas por Francisco. โ€œEste tipo de procedimentos podem deixar as pessoas mais seguras na estradaโ€, assinala, referindo que as autarquias de Lisboa, Oeiras e Cascais โ€œtรชm trabalho grande para fazerโ€ and that, neste momento, โ€œnรฃo estรก nada feitoโ€, nem o mais simples. โ€œNรฃo hรก รบnico sinal.โ€

Francisco Rafael reconhece que quem usa a bicicleta para lazer ou desporto estรก habitualmente mais afastado do activismo que รฉ muito caracterรญstico em torno deste veรญculo de duas rodas. Mas a morte do amigo acabou por forรงar a uniรฃo entre dois usos distintos da bicicleta, percebendo-se que, por lazer ou mobilidade, todos pedem mais respeito na estrada.

Do lado de quem usa a bicicleta como meio de mobilidade urbana, uma ciclovia segregada e segura na Avenida da รndia โ€“ e ao longo da Marginal atรฉ Cascais โ€“ รฉ fundamental. Nesse sentido, o colectivo Lisboa Possรญvel, de Ksenia Ashrafullina e Rita Prates, lanรงou uma petiรงรฃo por uma ciclovia na Avenida da รndia, como tinha sido anunciado pela Cรขmara de Lisboa em 2020 โ€“ projecto abandonado pouco depois, por falta de consenso em relaรงรฃo ao desenho, mas que o Municรญpio diz que a sua construรงรฃo continua prevista.

A associaรงรฃo MUBi, por seu lado, publicou uma retrospectiva das promessas da autarquia lisboeta em relaรงรฃo a infraestrutura na Avenida da รndia, falando numa โ€œcidade permanente adiadaโ€.

“Andamos todos na rua e na estrada”

โ€œO que estรก em causa รฉ algo que nos afecta a todos, quer sejamos desportistas, quer sejamos ciclistas urbanos, como eu sou: independentemente daquilo que faz com a bicicleta, andamos todos na rua e na estradaโ€, refere Laura Alves, que รฉ associada da MUBi e membro da direcรงรฃo. โ€œE o que falta รฉ nรฃo sรณ a infraestrutura, porque ร s vezes, hรก esta falรกcia de achar que falta infraestrutura em termos de ciclovia, que tambรฉm รฉ precisa, mas o que falta, sobretudo, รฉ haver controlo e haver medidas como a reduรงรฃo da velocidade nas cidades.โ€

No caso da Avenida da รndia, a velocidade mรกxima รฉ de 50 km/h, mas nem sempre รฉ cumprido este limite, como assumem Laura e Francisco, o que pode tornar a convivรชncia entre automobilistas e ciclistas perigosa. Ao longo de todo o eixo marginal entre Lisboa e Cascais, hรก troรงos em que a velocidade mรกxima รฉ de 70 km/h, por se tratar de uma estrada nacional.

Laura Alves usa a bicicleta essencialmente como meio de transporte (fotografia LPP)

Ciclista desportista

  • Utiliza a bicicleta para desporto ou lazer;
  • Fรก-lo habitualmente na estrada a velocidades mais altas (acima dos 25/30 km/h), nรฃo sendo seguro utilizar ciclovias;
  • Sรฃo pessoas mais astutas e que se sentem mais confortรกveis perante o perigo rodoviรกrio.

Ciclista urbano

  • Utiliza a bicicleta para se deslocar no dia-a-dia;
  • Prefere, de uma forma geral, ciclovias ou ruas calmas (limitadas a 30 km/h), e circula normalmente abaixo dos 25 km/h.
  • ร‰ mais diverso de pessoas que inclui pรบblicos mais vulnerรกveis, como mulheres e crianรงas.

โ€œA Avenida da รndia, que รฉ o motivo pelo qual estamos aqui, รฉ quase uma via rรกpida no meio da cidade. E nรฃo pode ser. Tem que haver limites de velocidade cumpridos, e tem que haver tambรฉm uma consciencializaรงรฃo maior para o abuso de รกlcoolโ€, refere Laura. โ€œEnquanto sociedade, continuamos a achar que รฉ legรญtimo conduzir embriagado um automรณvel, que pode ser uma arma letal quando passa por utilizador vulnerรกvel, como alguรฉm de bicicletaโ€, assinala, referindo que โ€œรฉ verdade que os automรณveis sรฃo cada vez mais seguros para quem vai lรก dentro, mas nรฃo para quem estรก fora dos automรณveis. E esse รฉ que รฉ o problemaโ€.

Segundo Laura, a construรงรฃo de uma ciclovia serviria o ciclista urbano, mas nรฃo o desportista, focando-se na necessidade de acalmar o eixo da marginal. โ€œNรณs temos consciรชncia que os ciclistas nรฃo vรฃo usar a ciclovia. A partir do momento que houver uma ciclovia e ciclistas ao lado, na estrada, a nรฃo usar a ciclovia, vai haver uma incompreensรฃo da sociedade para com estas pessoas. E pode aumentar o bullying. Nรณs nรฃo queremos isso.โ€ Por isso, o trabalho a fazer passa tambรฉm por gerar uma maior notoriedade pรบblica em relaรงรฃo aos diferentes usos da bicicleta, e ร s necessidades que diferentes pรบblicos tรชm.

A ciclovia que chegou a ser anunciada para a Avenida da รndia (fotografia LPP)

โ€œO ciclista urbano tem uma vida mais complicada do que a nossa, passa mais tempo em cima da bicicleta do que nรณs. E move-se muitas das vezes, inclusive, em sรญtios com mais carros e outros veรญculos, no centro de uma cidadeโ€, reconhece Francisco. โ€œPortanto, quando hรก problema, รฉ horrรญvel mas รฉ diferente dos embates que acontecem aqui na Marginal, porque os carros circulam numa velocidade muito grande.โ€ Para o desportista, รฉ preciso fazer โ€œum trabalho para integrarโ€ os ciclistas urbanos no eixo marginal; Francisco considera, por exemplo, โ€œincongruenteโ€ o facto de a expansรฃo da rede GIRA ao longo Avenida da รndia nรฃo vir acompanhada de uma ciclovia. โ€œSe colocam essas bicicletas elรฉctricas na rua, tรชm que dar condiรงรตes para a sua circulaรงรฃoโ€he argues.

A marcha que decorreu na manhรฃ deste domingo foi o terceiro momento em memรณria de Pedro Sobral realizado por ciclistas. O Lisboa Possรญvel organizou, nas vรฉsperas do Natal, no final do dia 23 de Dezembro uma vigรญlia ร  frente dos Paรงos do Concelho, com partida da Cordoaria. โ€œEste acto simbรณlico pretende tambรฉm promover uma mudanรงa real e urgente nas polรญticas de mobilidade urbana, para que a mobilidade ativa seja mais seguraโ€, podia ler-se no convite para a acรงรฃo, na qual participaram algumas dezenas de pessoas.

Tambรฉm em Dezembro, o movimento Massa Crรญtica Lisboa organizou, no dia 27, uma vigรญlia, com ponto de chegada ร  Cordoaria; neste evento, foi afixada uma bicicleta branca โ€“ uma ghost bike โ€“ no local do sinistro que vitimou Pedro. A ghost bike de Pedro รฉ agora a segunda que pode ser vista na Avenida da รndia; isto porque, em 2021, tambรฉm nesta artรฉria, Patrizia Paradiso foi vรญtima de um atropelamento mortal de bicicleta; tinha 37 anos e estava grรกvida na altura, tendo o filho tambรฉm morrido.

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