O Elevador da Glória descarrilou ao final da tarde desta quarta-feira – um acidente que vitimou 15 pessoas e fez 18 feridos. “Lisboa está de luto”, declarou Carlos Moedas. Contratos de manutenção vão suscitando dúvidas.

15 pessoas perderam a vida num gravíssimo descarrilamento do Elevador da Glória, que ocorreu no final desta quarta-feira, 3 de Setembro. O sinistro obrigou ao encerramento ao trânsito da Avenida da Liberdade e dos Restauradores, e mobilizou inúmeros operacionais da polícia e do socorro. “Lisboa está de luto”, declarou Carlos Moedas, Presidente da Câmara de Lisboa, numa curta fala com os jornalistas. “É um momento trágico para a cidade. É um momento muito duro”, acrescentou o autarca, que esteve no local a acompanhar os trabalhos.
O descarrilamento deu-se por volta das 18 horas, tendo o alerta sido dado às 18h08. Equipas dos Bombeiros, INEM, Protecção Civil e PSP deslocaram-se prontamente para o local, tendo demorado minutos a chegar. A Polícia Municipal e responsáveis da Carris, a empresa sob alçada da Câmara de Lisboa que opera o Elevador da Glória, também estiveram no local. A Polícia Judiciária chegou próximo às 20 horas.
As autoridades criaram um perímetro de segurança significativo nos Restauradores. Vários populares estiveram a acompanhar todo o aparato. Muitos jornalistas também estiveram no local, não só da imprensa local e nacional, como também da estrangeira. Candidatos à presidência da Câmara de Lisboa nas autárquicas de Outubro também marcaram presença, nomeadamente João Ferreira (CDU) e Bruno Mascarenhas (Chega); assinalou-se a ausência de Alexandra Leitão, a principal rival de Moedas, que concorre pelo PS/BE/Livre/PAN.
Os números: 18 feridos, 15 mortes

O número de vítimas mortais subiu para 17 e o de feridos para 21, segundo o balanço feito pela Protecção Civil na manhã desta quinta-feira, 4 de Setembro.
Até perto das 20 horas, nenhuma fonte oficial se aproximou dos jornalistas para confirmar dados ou clarificar a ocorrência, tendo as informações que a comunicação social transmitiu ao longo da tarde sido obtidas por diversas fontes. À medida que os minutos passavam, o número de mortes confirmado ia aumentando. Mas só depois das oito da noite, com um balanço feito no local pelo INEM, é que esses dados foram estabilizados.
“Temos a registar 18 feridos deste incidente, dos quais destacamos cinco feridos graves, transportados para os hospitais de Santa Maria, São José e São Francisco Xavier. E temos a registar um total de 13 feridos ligeiros, dos quais destacamos uma criança, que está internada no Hospital de Santa Maria”, indicou um porta-voz do INEM aos jornalistas. “Relativamente aquilo que são vítimas mortais, até agora os números finais são 15 vítimas mortais.”
Uma das mortes a lamentar é a do guarda-freio, isto é, da pessoa que ia a manobrar o Elevador da Glória.
Segundo o porta-voz do INEM, foram identificados “vários apelidos estrangeiros” entre as vítimas, mas sem conseguir adiantar nacionalidade. “As nacionalidades envolvem também a portuguesa, obviamente, mas não consigo confirmar todas as nacionalidades.”
O INEM fez um balanço depois de Carlos Moedas ter falado com os jornalistas, o que ocorreu também por volta das 20 horas. O Presidente da Câmara de Lisboa fez uma declaração curta, apenas para assinalar o luto da cidade e destacar a intervenção rápida no terreno. “Neste momento, todas as equipas da Polícia Municipal, do INEM, da Protecção Civil, todos os bombeiros… Estamos todos nos terreno”, indicava Moedas por volta das 20h10. “O nosso Regimento de Sapadores de Bombeiros recebeu o alarme às 18h08 e estava aqui às 18h11.”
O que terá acontecido
O Elevador da Glória assegura a mobilidade pedonal entre a praça dos Restauradores e toda a zona do Bairro Alto, Miradouro de São Pedro de Alcântara e Príncipe Real. Além de ter uma função utilitária para quem vive ou trabalha em Lisboa, é também uma das principais atracções turísticas da capital portuguesa. Este elevador (ou ascensor, para usarmos o termo mais correcto) é operado pela Carris, juntamente com os elevadores do Lavra, da Bica e de Santa Justa. São património histórico da cidade – o Ascensor da Glória, por exemplo, tem 134 anos. Há ainda o Funicular da Graça, o membro mais recente da família, que foi inaugurado em 2023 e que deverá integrar em breve o portfólio da Carris (tem estado a ser operado pela EMEL).
O Elevador da Glória funciona com duas cabines que sobem e descem alternadamente: quando uma sobe, a outra desce. O movimento é assegurado por um sistema eléctrico e mecânico de cabos de aço, escondido no subsolo, que consegue dar força para que uma das cabines do elevador suba e assegura o contrapeso com a outra cabine. Os guarda-freios têm a função de controlar o andamento do elevador, accionando ou travando conforme necessário.

Quando o acidente ocorreu, uma das cabines estaria na parte inferior do percurso, junto aos Restauradores, e a outra na parte superior, no Miradouro de São Pedro de Alcântara. Ambas estariam já em movimento quando um dos cabos terá cedido, o que terá feito com que a cabine que subia a partir dos Restauradores descesse cerca de um metro, enquanto a outra, em movimento descendente, terá soltado-se do carril e ganho grande velocidade até embater contra um edifício na Calçada da Glória. Desse embate, surgiu a destruição quase total dessa cabine, bem como as vítimas mortais, graves e ligeiras já referidas.
Elevadores fechados
The elevadores da Bica, do Lavra e de Santa Justa vão estar fechados temporariamente, depois do sinistro que envolveu apenas o Elevador da Glória, informou a Carris já ao final desta quarta-feira. A mensagem no site da empresa diz que os equipamentos “estão temporariamente encerrados” e pede a compreensão dos passageiros, não dando indicação de prazos temporais. Mas o encerramento será uma questão de precaução.
De qualquer modo, com este grave descarrilamento, o Elevador da Glória deverá ficar parado nos próximos meses, se não para sempre, tal foram os danos que o equipamento sofreu. Mas ainda não existe qualquer confirmação ou cenário em relação a este assunto.
Também o Funicular da Graça foi encerrado, apesar de este equipamento não estar ainda nas mãos da Carris. A ordem de fechar todos os elevadores foi do Presidente da Câmara.
A resposta da Carris
Num comunicado enviado às redacções, por volta das 20 horas desta quarta-feira, a Carris “lamenta a existência de vítimas e está a acompanhar a situação”. “A Carris abriu de imediato um inquérito em conjunto com as autoridades para apurar as reais causas deste acidente”, acrescentou ainda, não confirmando detalhes deste descarrilamento.
A empresa municipal, responsável pela operação do Elevador da Glória, “informa que foram realizados e respeitados todos os protocolos de manutenção”. Segundo a Carris, o equipamento passou pela “manutenção geral, que ocorre a cada quatro anos e que ocorreu em 2022” and also “reparação intercalar, que é concretizada de dois em dois anos, tendo, neste caso, a última sido realizada em 2024”. In addition, “têm sido escrupulosamente cumpridos os programas de manutenção mensal, semanal e a inspeção diária”, diz a empresa na mesma nota de imprensa.
Os contratos de manutenção
A manutenção do Elevador da Glória foi externalizada e os trabalhadores da Carris que conduziam este equipamento já tinham reportado uma “falta de tensão do cabo de sustentação do elevador”, o que provocava “dificuldade no próprio sistema de travagem”, indicou Manuel Leal, funcionário da empresa e dirigente sindical da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS), ao jornal Observer, ao início da noite.
“Havia sistematicamente queixas e reportes da falta de tensão do cabo de sustentação deste elevador que ia provocando dificuldades no próprio sistema de travagem”, relatou, frisando que, para os trabalhadores, “esta situação não é nova”. Ainda assim, Manuel Leal não sabe se o Conselho de Administração da Carris tomou ou não medidas, nem quis tirar conclusões precipitadas do acidente. “O certo é que as queixas dos trabalhadores quanto ao nível de tensão deste cabo, que lhes provocava dificuldades no sistema de travagem, já existiam.”

A manutenção do Elevador da Glória foi externalizada, isto é, passada das mãos de trabalhadores da Carris para uma empresa privada – decisão contestada pela FECTRANS. É da responsabilidade da firma MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, Lda desde Agosto de 2022. A MNTC venceu, nessa altura, o concurso público ao qual tinham concorrido quatro empresas e assegurou um contrato de quase um milhão de euros, que engloba a manutenção dos elevadores da Glória, da Bica, do Lavra e de Santa Justa.
Mas só para a “assistência permanente, serviços de manutenção preventiva, preditiva, curativa e correctiva” do Elevador da Glória, a MNTC recebe quase seis mil euros de avença mensal, indica o jornal Public, que leu o caderno de encargos (disponível em baixo). O cabo que terá cedido e originado a calamidade desta quarta-feira tem, “em condições normais de funcionamento”, de ser substituído “após 1 500 dias de trabalho e/ou em cada reparação intermédia e geral”, pode ler-se nesse documento.
Em resposta a estas questões, o Presidente do Conselho de Administração da Carris, Pedro Bogas, adiantou a meio da noite que “no que diz respeito à manutenção, o protocolo foi escrupulosamente respeitado” and that “há 14 anos que a manutenção é feita pela uma empresa externa”, tendo confirmado que era a MNTC a actual responsável. “Neste momento nem sabemos se foi um problema de manutenção. Estamos a apurar. O inquérito está a decorrer e relembro que também há entidades externas a investigar”, disse, remontando: “Quero só dizer que a Carris preza a segurança. Temos protocolos muito rigorosos, profissionais excelentes há muitos anos.”
Mais tarde, já depois das 23 horas, a Carris enviou um novo comunicado às redacções reiterando que “tem em vigor um contrato de manutenção para os ascensores e elevador de Santa Justa, não tendo existido qualquer interrupção no serviço de manutenção a estes equipamentos”. Segundo a Carris, foi celebrado um novo contrato que está em vigor desde 1 de Setembro de 2025. “O Ascensor da Glória tem uma história de operação de 136 anos e a segurança como o pilar essencial das suas operações, com os mais exigentes protocolos”, reforça a empresa municipal na mesma nota de imprensa.
O contrato que terá iniciado no passado dia 1 de Setembro não se encontra publicado no portal Base. Conforme apurou o jornal Página Um, o contrato anterior tinha expirado a 31 de Agosto – era o tal assinado em Agosto de 2022. O mesmo jornal adianta ainda que o concurso público lançado em Abril deste ano, com um preço-base de cerca de 1,2 milhões de euros para três anos, foi cancelado pela administração da Carris no passado dia 14 de Agosto, por considerar que todas as propostas apresentadas ultrapassavam o valor definido.
Segundo o Página Um, que, tal como o Público, também leu o caderno de encargos, a manutenção do Elevador da Glória era particularmente exigente, prevendo uma rotina diária, semanal, mensal e semestral. O contrato previa uma taxa mínima de disponibilidade de 98%, impondo penalizações severas em caso de falhas: mil euros por trimestre se a taxa descesse para 97%, dois mil para 96% e três mil para 95% ou menos, com agravamentos em situações de indisponibilidade prolongada.
Segundo o portal Base, a empresa MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, Lda é responsável pela manutenção dos elevadores do universo da Carris apenas desde Agosto de 2022. É possível encontrar, pelo Diário da República, concursos lançados desde 2011 para a manutenção dos ascensores da Carris: foi lançado um em 2011, outro em 2015 e another one in 2019.
Date | Description | Detalhes |
---|---|---|
2011 | Lançado o primeiro concurso público para um “contrato de prestação de serviços de manutenção dos Ascensores da Bica, Lavra e Glória e do Elevador de Santa Justa” | Preço base de 330 mil euros para um ano |
2015 | Lançado um novo concurso para o mesmo fim | Mesmo preço base, mesmo prazo |
2019 | Lançado um novo concurso público para nova “prestação de serviços de manutenção” | Preço base de um milhão de euros para um ano |
2022 | Fechado o concurso público referente ao contrato que esteve em vigor até 31 de Agosto de 2025 | Preço base de um milhão de euros |
2025 | Assinado a 1 de Setembro um novo contrato, segundo informa a Carris | Detalhes por apurar |
O luto
O trágico acidente com o Elevador da Glória correu a imprensa internacional, esteve em destaque na homepage do New York Times e mobilizou mensagens de luto de diversas figuras. “O Governo decretou um dia de luto nacional pela tragédia do Ascensor da Glória, em Lisboa. Foi declarado o luto nacional no dia 4 de setembro de 2025”, referred to às 21 horas o gabinete do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro. Na rede social X, o governante foi agradecendo as mensagens que foram chegando de diferentes representantes políticos.
Um deles foi Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, que escreveu: “Profundamente consternado com o trágico acidente com o elevador da Glória, em Lisboa, que causou dezenas de mortos e deixou mais de 25 feridos”, referred toadding that “neste momento de luto, mantemo-nos em oração e solidariedade com o povo português que lamenta a perda”. Já Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, wrote na rede social X: “É com tristeza que tomei conhecimento do descarrilamento do famoso Elevador da Glória. Os meus sentimentos com as famílias das vítimas.”
Pedro Sanchez, Primeiro-Ministro espanhol, Emmanuel Macron, Presidente francês, António Costa, ex-Primeiro-Ministro e actual Presidente do Conselho Europeu, Roberta Metsola, Presidente do Parlamento Europeu, Robert Abela, Primeiro-Ministro de Malta, Luc Frieden, Primeiro-Ministro do Luxemburgo, e António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, foram outras das figuras que também reagiram através do X ao trágico descarrilamento.
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, lamentou “profundamente” o acidente, apresentou “o seu pesar e solidariedade às famílias afetadas por esta tragédia” e disse ainda estar à “espera que a ocorrência seja rapidamente esclarecida pelas entidades competentes”, de acordo com uma nota publicada no site da Presidência da República ao final do dia.