Em Alcântara, a Junta de Freguesia, liderada pelo PS, contesta a substituição de dois lugares de estacionamento por uma estação GIRA com 14 docas. Na vizinha Ajuda, a expansão da rede de bicicletas partilhadas à custa de espaço automóvel também está a gerar a discórdia da Junta, que também é socialista.

The juntas de Alcântara e da Ajuda, ambas presididas pelo PS, estão contra a localização de duas estações GIRA – uma em cada freguesia – por terem sido colocadas em lugares de estacionamento ao invés de em áreas pedonais, por exemplo. As duas juntas socialistas criticam a Câmara de Lisboa, referindo que não foram envolvidas nestas decisões.
“Não concordamos com a retirada de lugares de estacionamento”
Através das redes sociais Facebook e Instagram, a Junta de Freguesia de Alcântara diz que “tem vindo a reunir” com a Câmara para discutir a localização de estações GIRA na freguesia. “Desde o início, deixámos claro que não concordamos com a retirada de lugares de estacionamento sem um planeamento adequado”, aponta. “Somos a favor da mobilidade sustentável, mas defendemos que deve ser feita com equilíbrio e respeito pelas necessidades de quem vive e trabalha em Alcântara.”
Já existem, em Alcântara, duas estação GIRA, uma junto ao Centro de Congressos de Lisboa e outra na Rua de Cascais, perto do conhecido “nó de Alcântara”; ambas ocupam antigos lugares de estacionamento. Mas a estação que agora foi colocada na Rua Dom João de Castro, perto do Largo do Rio Seco, é um caso diferente: está numa zona residencial cujos edifícios não têm garagem, pelo que a pressão de estacionamento nas ruas é muita.



A estação GIRA foi colocada recentemente “sem qualquer aviso ou consulta”, diz a Junta, e está ainda numa fase inicial de montagem, pelo que a deslocalização desta estação para um local próximo, apesar de atrasar o processo, não seria muito problemática neste momento. Neste momento, a estação só tem as bases onde deverão assentar 14 docas para bicicletas eléctricas. Para a colocação da estação, foram suprimidos dois lugares de estacionamento automóvel, que, segundo a Junta, são “essenciais para residentes e comerciantes”.
Contudo, a localização escolhida para esta estação não parece ser consensual entre as pessoas ouvidas pelo LPP. À porta d’A Grelha, um cliente habitual desta churrasqueira diz, sem hesitar, que não concorda com a retirada dos dois lugares de estacionamento por já ser difícil haver lugar para o carro naquela zona. Olhando para o Largo do Rio Seco, onde foi recentemente criada uma praça pedonal, questiona-se porque é que as docas de bicicletas não foram instaladas ali. Esta interrogação é colocada por outras pessoas ouvidas pelo LPP.

No entanto, há quem pense o contrário e defenda que as estações GIRA devem ocupar espaço do automóvel, não do peão, concordando, por isso, com a supressão dos dois lugares. Outros questionam a colocação da GIRA numa zona como o Rio Seco, onde não existe uma infraestrutura ciclável segura e confortável, que permita dar suporte à utilização da GIRA ali.
Expansão em curso na zona ocidental
De qualquer forma, quando estiver em funcionamento, esta estação GIRA no Rio Seco oferecerá a quem reside, trabalha ou visita esta zona da cidade uma nova opção de mobilidade – alternativa ao automóvel e ao transporte público. Por outro lado, será um ponto estratégico para a expansão da GIRA na parte ocidental da cidade. Actualmente concentrada na faixa ribeirinha, a rede está para chegar a Pólo Universitário da Ajuda, pelo que uma estação do Rio Seco ajudará a que não fique um vazio completo entre estas duas zonas.

Certo é que, enquanto a instalação desta estação na Rua Dom João de Castro é concluída ou suspensa, as bases das docas vão servindo para estacionamento ou paragens rápidas. Há quem, na azáfama diária das cargas e descargas, nem sequer repare no que está no piso e estacione a carrinha em cima da futura estação GIRA, enquanto descarrega o peixe fresco para A Grelha. Outros vão brincando: “essas coisas, será que valem alguma coisa?”, diz outro distribuidor, como que aludindo a um possível negócio paralelo.
A pressão de estacionamento em freguesias como Alcântara ou a vizinha Ajuda é notória nas ruas e nos passeios. Muitas calçadas estão, dia e noite, ocupadas por carros, que vamos vendo parados também em curvas, passadeiras e onde há espaço. Sem a EMEL a ordenar e regular o espaço público e estacionamento, disponibilizando dísticos e criando bolsas exclusivas para residentes, o caos vai permanecendo nestas freguesias, em particular nas zonas mais afastadas do rio – que são também as que não contam com oferta de transporte público pesado, dependendo, por isso, dos autocarros.
Na Ajuda, os mesmos argumentos
No Pólo Universitário da Ajuda, na freguesia com este nome, a colocação de uma estação GIRA em zona de estacionamento também indignou a Junta respectiva. “Em Fevereiro de 2024, apresentámos uma proposta que salvaguardava os lugares de estacionamento automóvel existentes. Até hoje, essa proposta não mereceu qualquer resposta”, writes nas redes sociais. A Junta de Freguesia da Ajuda diz que também “não foi envolvida” no processo e diz que já solicitou “formalmente” à Câmara de Lisboa esclarecimentos sobre a localização de uma estação no Pólo Universitário, ao lado do ISCSP, pedindo uma “gestão participada” do território “que responda verdadeiramente às necessidades da nossa população”.


No Pólo Universitário da Ajuda estão a ser montadas três estações GIRA, duas estão em área de passeio, mas ao lado do ISCSP, uma estação com 27 docas veio substituir seis a oito lugares de estacionamento. Lugares que são ocupados apenas por alunos e professores, e que estão vazios à noite ou quando é período de férias escolares. Ao contrário do Rio Seco, aqui não há casas sem garagem a gerar pressão de estacionamento nas ruas. Também ao contrário do Rio Seco, a estação critica pela Junta da Ajuda está praticamente concluída, estando já a ser feitas as instalações eléctricas, tornando praticamente inviável qualquer deslocalização nesta fase.
Nos comentários à publicação da Junta de Freguesia da Ajuda, várias pessoas surgem a defender a localização, referindo, por exemplo, que “o que não falta no Pólo da Ajuda é estacionamento”, which “a ideia é criar alternativas ao automóvel”, ou que é preciso “equilibrar os modos activos de mobilidade com os restantes, sem prejudicar os peões”. Sempre muito activa nas respostas, a Junta foi esclarecendo a sua posição.

“Temos vindo a solicitar publicamente a implementação do sistema Gira na Ajuda, protestámos por termos sido a última freguesia a recebê-lo e propusemos a inclusão da zona da Boa-Hora na rede, por ser uma área comercial de referência”, disse a um utilizador, referindo também que a GIRA faz falta no Pólo Universitário. “Todos concordamos com o sistema GIRA, o que questionamos é se não devemos avaliar a sua expansão com os eleitos locais e a população.”
Como no Rio Seco, também no Pólo Universitário da Ajuda se coloca a ausência de infraestrutura ciclável dedicada. Estando este pólo no topo da freguesia, com Monsanto de um lado e uma grande subida desde o rio do outro, o acesso de bicicleta ao campus poderá ser difícil, especialmente para utilizadores menos experientes. Sem ciclovias seguradas e medidas de acalmia de tráfego, a expansão da GIRA neste território poderá ter alguns desafios.
Seja como for, continua a oposição de juntas de freguesia à expansão da rede GIRA. Depois de a Junta de Belém, liderada pelo PSD, ter atrasado a abertura de quatro estações durante mais de dois anos, obrigando à sua deslocalização de lugares de estacionamento para áreas pedonais, são agora duas juntas presididas pelo PS a tomarem uma posição semelhante, o que mostra uma resistência generalizada à redução do espaço dedicado ao automóvel em favor de alternativas de mobilidade sustentável. Este cenário revela a dificuldade de conciliar os interesses de diferentes grupos políticos e a gestão do espaço urbano nas várias freguesias da cidade.