Pobreza energética. Entidades propõem melhorias e plano de acção mais eficaz

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Oito entidades da sociedade civil e da academia assinam uma proposta comum de melhoria da Estratégia Nacional para o Combate à Pobreza Energética. Dizem que a versão apresentada pelo Governo, e que esteve em consulta pública, “ainda é vaga, superficial e pouco quantificável”.

Lisboa Fotografía Para Personas

Num inquérito realizado em 2022 pela Lisboa E-Nova, cerca de 40% dos 1508 participantes, residentes em Lisboa, admitiu desconforto em relação à temperatura em casa durante o Inverno, enquanto 32% dos respondentes diz-se igualmente desagradado com a temperatura em casa durante o Verão. “A verdadeira extensão do problema pode, no entanto, ser maior”, indica a agência de energia e ambiente da cidade.

Resultados do inquérito realizado em Lisboa (via Lisboa E-Nova)

A pobreza energética é um caso sério no nosso país, onde afectará entre 1,8 milhões e 3 milhões de pessoas, consoante critério de avaliação seja se os agregados familiares não têm condições para manter a casa adequadamente aquecida ou se o peso da factura energética nos rendimentos é demasiado grande (representa +10% do total de rendimentos). Só as situações de pobreza energética severa representarão cerca de 660 a 680 mil pessoas no nosso país.

Uma estratégia para o país

Nos últimos anos, a consciência sobre a problemática da pobreza energética aumentou significativamente na Europa, razão pela qual foi identificada como uma prioridade política por parte de várias instituições da UE, tendo a Comissão Europeia, no âmbito do pacote Energia Limpa Para Todos os Europeus, dado prioridade a este tema incluindo em várias iniciativas legislativas referências à necessidade dos Estados-membros adotarem medidas de combate à pobreza energética. Portugal, por seu lado, estabeleceu no seu Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2021-2030) o combate à pobreza energética como uma prioridade e, neste âmbito, apresentou a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050 – um documento que esteve em consulta pública até 3 de Março.

Esta Estratégia Nacional propõe reduzir substancialmente, até 2050 e de forma faseada, a população sem capacidade de manter a casa adequadamente aquecida, a população com despesas de energia avultadas, a população com problemas de infiltrações e humidade, e ainda a população que não consegue manter as casas frescas no Verão:

até 2030até 2040até 2050
População sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida10%5%<1%
População a viver em habitações com problemas de infiltrações, humidade ou elementos apodrecidos700 mil250 mil0
População em agregados familiares cuja despesa com energia representa +10% do total de rendimentos20%10%<5%
População a viver em habitações não confortavelmente frescas durante o Verão20%10%<5%

De acordo com a proposta que esteve em consulta pública, destacam-se algumas das medidas de ação previstas para combater a pobreza energética:

  • Apoio financeiro para proprietários e arrendatários melhorarem a eficiência energética das suas habitações, nomeadamente na reabilitação de edifícios com soluções de isolamento térmico, na adopção de equipamentos energeticamente eficientes, e na implementação de sistemas de produção e armazenamento de energia de fontes renováveis;
  • Atribuição de Vales Eficiência no valor de 1 600 €/vale (total de 100 mil vales) a famílias em situação de pobreza energética enquanto mecanismo de apoio directo que poderá ser usado em intervenções com vista ao aumento do desempenho energético e do conforto térmico;
  • Apoio financeiro à electrificação dos consumos de energia nas habitações, através de obras no edificado e também na substituição de equipamentos que consumam energia de origem fóssil;
  • Reabilitação energética nos edifícios de habitação social, privilegiando a eficiência energética com vista ao aumento do desempenho energético e do conforto térmico;
  • Avaliar a criação de mecanismo(s) de apoio extraordinário(s) à factura da energia direccionado as famílias em situação de pobreza energética, especificamente para fazer face à ocorrência de fenómenos adversos e extremos, como vagas de frio/calor;
  • Estratégias locais de combate à pobreza energética, quer através dos municípios, quer das agências locais de energia, através do direccionamento de verbas para estes.

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza Energética pressupõe a criação de um grupo de coordenação para o seu acompanhamento, supervisão e coordenação, que deverá funcionar dentro da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) com o apoio da Agência Para a Energia (ADENE), podendo integrar outros organismos públicos e privados.

As propostas das entidades

Um conjunto de entidades da sociedade civil e da academia juntou-se para apresentar, no momento de consulta pública, propostas à Estratégia apresentada. São elas a CENSE – Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (FCT/NOVA), a cooperativa Coopérnico, a DECO, a ENA – Agência de Energia e Ambiente da Arrábida, o OBSERVA – Observatório de Ambiente, Território e Sociedade (ICS/ULisboa), a Lisboa E-Nova (agência de energia e ambiente de Lisboa), a S.ENERGIA (que abrange os municípios do Barreiro, Moita, Montijo e Alcochete) e a associação ambientalista ZERO.

Num comunicado enviado às redacções, as oito entidades – que estão envolvidas em iniciativas de combate à pobreza energética – lembram que este tema “ganhou espaço na agenda política, europeia e nacional porque afecta milhões de cidadãos e cidadãs” e criticam o executivo de António Costa pela demora a apresentar uma Estratégia para responder à problemática. “Após quase dois anos de silêncio por parte do Governo, a Estratégia foi apresentada novamente a uma segunda consulta pública, o que é um atraso lamentável para um tema que é prioridade nacional”, denunciam.

As mesmas entidades apresentaram, num parecer conjunto, os seguintes pontos:

As propostas de melhoria
  • Alinhar estratégias com metas e objetivos nacionais: a actual proposta peca pela falta de um alinhamento com a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE). É necessário que haja coordenação efectiva com outras políticas (como habitação, combate à pobreza, alterações climáticas, saúde, entre outras);
  • Estabelecer indicadores de concretização claros: as escalas escolhidas e a fragmentação dos impactos e metas tornam a estratégia confusa e imprecisa, pelo que seria importante estabelecer claramente ligações entre impactos e metas que sejam simples e de fácil leitura do que se pretende. Neste sentido, seria importante identificar indicadores de concretização de cada medida por cada ano (por exemplo, quantificar ações de informação ou formação profissional no ano 2023, e assim por diante).
  • Visão holística dos objectivos da Estratégia: os objectivos não devem ser definidos pelo montante a gastar, nem pela implementação da medida em si, mas sim associados às metas a atingir e ao impacto na mitigação de pobreza energética.
  • Inovar os apoios financeiros: é importante delinear mecanismos que conjuguem financiamento público, privado e formatos inovadores, através da investigação de melhores práticas, para que seja possível comunidades de cidadãos desenvolverem projetos de renovação do edificado, melhoria da eficiência energética e produção de energia renovável, envolvendo todos os interessados, independentemente da capacidade financeira de cada um.
  • Medida “Vale Eficiência” deve ser melhorada a vários níveis, como através do reforço do montante, do alargamento da escala da intervenção a nível do bairro e da inclusão dos arrendatários (e não só os proprietários).
  • Priorizar medidas passivas: é fundamental que a Estratégia de Combate à Pobreza Energética reconheça a renovação da envolvente passiva dos edifícios como prioritária (paredes, coberturas e janelas/vãos envidraçados, exposição solar e sombreamento, ventilação), uma vez que o fraco desempenho destas componentes é apontado como uma das causas principais da pobreza energética. Consequentemente, é fundamental uma abordagem que não se limite à fração do edifício, mas que, ao invés, considere o edifício no seu todo.
  • Comunicação e promoção da literacia: são dois pilares que devem ser transversais às medidas dirigidas aos cidadãos, pois quando não existe uma comunicação eficiente poucas pessoas têm conhecimento dos programas, e quando existe falta de literacia até podem conhecer os programas, mas não implementar as medidas mais adequadas à sua situação. Para isto, devem intensificar-se as campanhas de comunicação e aproveitar-se os balcões do munícipe e similares para adicionar a valência energética aos apoios prestados.
  • Monitorização da situação nacional: esta monitorização deve ter várias escalas, desde o nível do alojamento, envolvendo para isso as autarquias, até ao nível nacional, envolvendo o INE num estudo periódico e regular. Deve-se também inovar nos indicadores utilizados, nomeadamente através da inclusão de indicadores individuais objetivos e não apenas subjetivos.

“As entidades esperam que a futura estratégia tenha a ambição e acção necessária para um combate real à pobreza energética e que traga resultados positivos para toda a população, nomeadamente para os mais vulneráveis”, indicam na mesma nota.

Referem ainda que a a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética apresentada a consulta pública é um passo inicial com linhas orientadoras de atuação, apresenta alguma contextualização do cenário atual e enquadramento político europeu e nacional, bem como uma caracterização da situação nacional no que diz respeito às principais causas e algumas das consequências da pobreza energética. Desenvolve uma metodologia para a identificação da população em pobreza energética, propõe um conjunto de medidas diversas e abrangentes, incidindo em diferentes áreas de atuação e envolvendo uma rede alargada de intervenientes nacionais”.

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