Na Câmara de Lisboa, há uma equipa a trabalhar a “cidade dos 15 minutos”. O programa chama-se Há Vida No Meu Bairro e o objectivo é estimular a proximidade, garantindo que todas as funções urbanas essenciais estão à distância de uma caminhada: escolas, espaços verdes, comércio, lazer, desporto, saúde, entre outros.
E se, no nosso bairro, a poucos minutos a pé de casa, tivermos o comércio e serviços de que precisamos – e também a nossa escola ou local de trabalho? E, por termos tudo próximo, pudermos evitar deslocações de carro e filas de trânsito? Este é o conceito da “cidade dos 15 minutos” – um chavão lançado pelo professor Carlos Moreno e que, apesar de não transmitir uma ideia nova, simplifica-a de tal forma que conseguiu captar a atenção de especialistas, de políticos e também da sociedade civil, tornando-se uma buzzword.
A “cidade dos 15 minutos” é uma ideia de urbanismo em que se pensa os territórios das cidades e áreas metropolitanas em torno da proximidade e não da mobilidade. O intuito é criar bairros multifuncionais onde possamos satisfazer a maioria das nossas necessidades quotidianas – viver, trabalhar, consumir, aceder a cuidados, educar e desfrutar. Desse modo, poderemos trocar a mobilidade em automóvel por deslocações a pé ou de bicicleta que durem no máximo 15 minutos – e se precisarmos de ir mais longe, poderemos fazê-lo de transportes públicos e num raio de 30 minutos.
A “cidade dos 15 minutos” não tem a ver com isolar bairros, nem com restringir o uso do automóvel – ao contrário do que afirmam algumas teorias da conspiração que têm vindo a poluir o debate público. Tem, sim, a ver com pensar as cidades de outras forma para quem passem a existir vários pequenos centros urbanos em cada território, onde não precisamos de recorrer ao carro para preenchermos as nossas necessidades.
Em Paris, Carlos Moreno está a trabalhar como consultor na Câmara de Paris para ajudar a Presidente, Anne Hidalgo, a transformar a capital francesa numa cidade de bairros; por cá, Carlos Moedas “importou” esta ideia através da sua campanha eleitoral. Apesar de a “cidade dos 15 minutos” só ter marcado os primeiros meses da campanha de Moedas, o agora Presidente da Câmara volta não volta refere este conceito. A “cidade dos 15 minutos” é o grande tema da próxima edição do Conselho de Cidadãos; e discretamente, a divisão de Urbanismo da autarquia está trabalhar para colocar esta filosofia de proximidade e de bairros em prática também na capital portuguesa.
24 projectos-piloto
O programa chama-se Hay vida en mi barrio e está a ser desenvolvido pela Direcção Municipal de Urbanismo, entre dois departamentos: o do Espaço Público e o de Planeamento Urbano. Segundo informação prestada pela autarquia ao Lisboa Para Pessoas, o principal objectivo é “moldar as intervenções em espaço público para promover os percursos pedonais de proximidade”. A Câmara de Lisboa pretende que “as intervenções no espaço público promovam o conforto, conveniência e segurança dos percursos pedonais dentro dos bairros, garantindo que todas as funções urbanas essenciais estão à distância de uma caminhada: escolas, espaços verdes, comércio, lazer, desporto, saúde, entre outros”.
O Hay vida en mi barrio irá culminar, numa primeira fase, na elaboração de 24 projectos-piloto, um em cada uma das 24 freguesias da cidade, em conjunto com as respectivas juntas de freguesia. Mas antes de chegar a esta fase, será preciso fazer um diagnóstico das funções urbanas de proximidade e condições de circulação pedonal dos diferentes bairros de Lisboa e estão previstas, ainda, fases de participação público, de modo a envolver residentes, comerciantes e outras comunidades locais na definição das intervenções a realizar. Câmara e juntas de freguesia colaborarão na análise dos problemas e oportunidades locais, definição de linhas de acção e nesta articulação com população.
Através desta iniciativa e em particular dos projectos-piloto, a divisão de Urbanismo da Câmara de Lisboa pretende diversificar as funções dos bairros da cidade, colmatando as carências que existem em alguns deles, onde, por exemplo, não existe comércio de proximidade, áreas de lazer ou de prática desportiva, ou espaços verdes. Assim, o programa pretende “reforçar as dinâmicas de proximidade e a diversidade da oferta, e garantir que todas as funções urbanas essenciais existem nos bairros”sino también “reforçar a identidade de Lisboa como cidade de bairros, com comunidades locais de grande diversidade social e cultural”. São também objectivos do Hay vida en mi barrio a promoção da mobilidade activa, o aumento da segurança e conforto na cidade, e a redução das desigualdades no acesso a serviços e na utilização do espaço público.
À semelhança de outras iniciativas da divisão de Urbanismo, o Hay vida en mi barrio segue uma filosofia de co-construção, alinhada com o desenvolvimento de uma cidade com as pessoas e para as pessoas – compromisso que a divisão de Urbanismo diz estar a seguir noutros dos seus programas, como o 5 Valles. “Queremos que Lisboa seja uma cidade que nos orgulhamos de deixar às próximas gerações de lisboetas: uma cidade mais humana, uma cidade que promove a Proximidade, a Diversidade e o Equilíbrio. O futuro constrói-se valorizando a nossa identidade e cultura únicas, que nos define, que temos de preservar e de diversificar. Uma cultura que se viva nos bairros, em todas as freguesias”, entende a autarquia.
Recuperar o comércio
Um dos projectos concretos que está a ser elaborado no âmbito do Há Vida no Meu Bairro prende-se com o comércio na Baixa Lisboeta. “É clara a relação estreita que existe entre a frequência das deslocações pedonais, principalmente as de proximidade, e a existência de comércio de rua vibrante. No entanto, há zonas da cidade com características bastante diversas”, aponta a autarquia. A equipa do programa já reuniu com a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que representa uma parte considerável do centro histórico, e refere ao Lisboa Para Pessoas que existiu “total sintonia” em relação à “necessidade de criar um verdadeiro bairro na Baixa, recuperando a sua identidade muito própria e respondendo simultaneamente às necessidades básicas dos residentes”.
“Isto passa, nomeadamente, pela oferta de comércio de proximidade, que não seja apenas dirigido aos visitantes da cidade. Não podemos abdicar de uma diversidade de estabelecimentos, onde se incluem mercearias, cafés, padarias, cabeleireiros, talhos… “explica. “Em zonas sob grande pressão turística começa a estar em causa um equilíbrio desejável entre oferta de habitação e oferta turística. Torna-se fundamental garantir a diversidade e o equilíbrio, promovendo-se também aquele tipo de oferta de comércio tradicional.” Dados recentes publicados nesta reportagem apontam que só nas ruas da Prata e do Ouro se perderam 20 lojas para cinco hotéis.
Outra zona da cidade onde já foram identificados problemas foi na Rua do Lumiar, actualmente um eixo de intenso tráfego automóvel e de transportes públicos e que, apesar de ter um carácter de rua de bairro, conta com passeios míseros e onde existe um potencial de vida de bairro. Segundo a autarquia, esta é uma área da cidade onde se tem “problema inverso, o de uma potencial decadência do comércio de rua, muitas vezes associadas à degradação do espaço público que encontramos em zonas quase ‘esquecidas’ da cidade”, e onde uma “intervenção ao nível do espaço público e criação de percursos pedonais convidativos pode ajudar a trazer mais residentes para as artérias comerciais o que, aliado a uma estratégia sólida de apoio à instalação e preservação de estabelecimentos comerciais, pode ser decisiva para a revitalização do comércio de bairro”.
Discutir a “cidade dos 15 minutos”
O próximo Consejo de Ciudadanos, uma iniciativa de participação cívica da cidade de Lisboa, promovida pela Câmara Municipal, que tem como objectivo envolver os cidadãos na tomada de decisão, pode ser um momento importante para o desenvolvimento do Há Vida no Meu Bairro. Depois de uma primeira edição dedicada às alterações climáticas, realizada em Maio de 2022, nesta segunda edição o tema será a “cidade dos 15 minutos”.
Durante dois dias (25 de Março e 1 de Abril), um grupo de 50 pessoas irá reunir-se nos Paços do Concelho para debater a “cidade dos 15 minutos” e formular propostas para apresentar e discutir com o Presidente da Câmara. A participação neste Conselho de Cidadãos foi sorteada de modo a que o painel de cidadãos espelhe a diversidade da cidade em termos de género, idade, nacionalidade, freguesia, situação profissional e nível de escolaridade. Ao contrário da primeira edição, em que os cidadãos se podiam inscrever no site da autarquia, desta vez, foram enviados convites para várias moradas espalhadas pelas 24 freguesias de modo a chegar a um conjunto mais alargado de munícipes.
As ideias resultantes deste Conselho de Cidadãos poderão ser utilizadas para melhorar programas como o Hay vida en mi barrio e para validar algumas das iniciativas que a autarquia inclusive já tem em curso, priorizando-as nos calendários e orçamentos. Uma das ideias da primeira edição – a de um jardim em cada esquina – está a ser trabalhada no âmbito do programa Arrefecer A Cidade, consiste numa intervenção em 15 entroncamentos no Bairro das Colónias, em Arroios, com a plantação de 70 árvores e, segundo um e-mail recentemente enviado pela Câmara aos participantes, já conta com projecto detalhado, calendário de execução e orçamento, e estão a ser feitos os procedimentos administrativos para contratação da empreitada. Ainda assim, foram muitas as ideias que saíram do primeiro Conselho e os cidadãos que participaram dizem que gostariam de ver uma maior agilidade e rapidez do lado do município no desenvolvimento dos projectos.
Alvalade é o bairro mais 15 minutos
Em 2020, no contexto de pandemia, Manuel Banza, residente em Lisboa e cientista de dados, desenvolveu uma análise para a cidade para perceber em que freguesias existe mais serviços e comércio de proximidade. Das 24 freguesias, seleccionou as sete com mais população e mais distribuídas no espaço geográfico da cidade – Alvalade, Arroios, Belém, Benfica, Campo de Ourique, Lumiar e Marvila. Banza considerou o ponto mais central da área de cada freguesia para definir o seu “centro” e a partir dele traçou raios de 15 minutos a pé para descobrir que funções poderiam ser alcançados caminhando. Analisou escolas e universidades, parques verdes, hospitais, supermercados e mercados, museus e outros espaços culturais como cinemas, teatros e galerias de arte, hortas urbanas, e coworks.
Das sete freguesias analisadas, Alvalade foi a que aparentou ser a mais preparada para o conceito de “cidade de 15 minutos”, dispondo de diversas escolas e universidades próximas, tendo quatro hospitais e clínicas, quatro estações de metro, dispõe já de uma boa cobertura de ciclovias segregadas, tem vários espaços verdes e existem cinco espaços de cowork dentro da freguesia. Podes explorar o mapa de Alvalade aqui:
Em segundo lugar, Manuel colocou Arroios como “uma das freguesias com maior potencial” a adotar este conceito de proximidade, assinalando uma grande quantidade de espaços culturais, diversas escolas e proximidade de universidades, vários hospitais e clínica por perto e como sendo uma das freguesias com mais espaços de cowork. No entanto, destaca uma falta de espaços verdes, contado praticamente apenas com o Campo Mártires da Pátria e com a área relvada da Alameda. Noutras freguesias, encontrou diversas carências, nomeadamente ao nível da saúde, espaços verdes e equipamentos culturais.
O trabalho de Manuel Banza é apresentado na forma de mapas interactivos. Em baixo, podes encontrar ligações para os mapas de cada freguesia: