A Quinta do Ferro é hoje um bairro isolado da cidade – uma “ilha de pobreza” no centro da capital. Após anos de promessas, a reabilitação urbana desse território, localizado na freguesia de São Vicente, parece estar prestes a tornar-se uma realidade.

A pesquisa por “Quinta do Ferro” num motor de busca, não nos devolve resultados específicos, como se este bairro, localizado bem no centro da cidade de Lisboa, fosse inexistente. A invisibilidade da Quinta do Ferro não é exclusiva do meio en línea.
Situado entre a Graça e Santa Apolónia, na freguesia de São Vicente, a Quinta do Ferro passa despercebida a quem desça uma das várias ruas circundadas por edifícios bem conservados. A Quinta do Ferro é como que uma “ilha de pobreza” no meio de uma cidade devidamente urbanizada. Contava o jornal Público, numa reportagem em Março de 2022 que nessa “ilha” há quem viva sem as condições mínimas de habitabilidade, há casas ocupadas ilegalmente e outras com janelas e portas emparedadas, há lixo espalhado pelas ruas e existe tráfico de droga é feito à vista de todos. A integração da Quinta de Ferro na cidade, com a reabilitação urbana do bairro, aguarda há pelo menos duas décadas por decisões da Câmara. No entanto, essas promessas ficaram recentemente mais sólidas.
Em reunião de Câmara, em Setembro de 2023, foi aprovada o projecto de reabilitação da Quinta do Ferro, tendo o mesmo sido posteriormente colocado em discussão pública até Novembro do mesmo ano. Os documentos continuam disponíveis no site da autarquia e detalham, basicamente, o plano municipal para aquele território: dotar o bairro de um espaço público de qualidade, com o mobiliário e as infraestruturas que existem noutras partes da cidade e onde a prioridade será dada à mobilidade pedonal; reabilitar o edificado e construir novo, de acordo com um novo parcelamento dos terrenos e garantindo o realojamento de moradores abrangidos pelas acções de regeneração urbana; construir habitação pública acessível, permitindo que a Quinta do Ferro possa beneficiar de novos residentes e estimulando a diversidade social; criar uma praça central no bairro e um jardim público; estabelecer a ligação da Quinta do Ferro com toda a envolvente; dotar o bairro de equipamentos sociais e de espaços comerciais que sirvam os moradores e atraiam pessoas de fora.


Para este processo de regeneração urbana, foi estabelecido um processo de Operação de Reabilitação Urbana (ORU) e definida uma Área de Reabilitação Urbana (ARU), que extravasa os limites da designada Quinta do Ferro. No total, estamos a falar de um território de 60,7 mil metros quadrados e de 210 edifícios; contudo, a área de intervenção prioritária, “onde a maioria do edificado se encontra em mau estado de conservação e em situação não regularizada do ponto de vista da legalidade urbanística”, corresponde a 18,3 mil metros quadrados e 46 edifícios. É nessa parte mais reduzida que incidirá o grosso da reabilitação.

“Para a resolução dos défices de habitabilidade e a eliminação da exclusão social e dos índices de privação identificados na área, impõe-se o desenvolvimento de um programa de habitação a custo acessível a par da estruturação de espaços verdes e de utilização colectiva, requalificação do espaço público e introdução de novos equipamentos de utilização colectiva”, pode ler-se num dos documentos que substanciam esta proposta.
A reabilitação urbana aprovada em Setembro do ano passado não surge de uma folha em branco. Dos estudos de 1960 aos desenhos do arquitecto Anselmo Vaz em 2010, passando por uma proposta no âmbito do projecto BIP/ZIP de 2018, e por duas soluções da Câmara de Lisboa, uma em 2019 e outra em 2022, vários são os antecedentes do projecto que está agora em cima da mesa. Segundo a Câmara, “a proposta que se apresenta com esta ORU reflecte a ponderação das anteriores propostas e procura responder às questões que, da análise efectuada, se considerou não terem sido devidamente equacionadas e respondidas”. Uma dessas questões pretende-se com a decisão de não edificar na encosta virada a norte da Rua de Entre Muros, devido a “razões fisiográficas, de risco de deslizamento e de fraca insolação”, e de, em alternativa, criar aí um jardim público.

Em relação à habitação, prevê-se a demolição das “construções que não assegurem a satisfação dos requisitos necessários ao licenciamento e legalização”, nomeadamente aqueles “onde as dimensões, insolação, ventilação e qualidade construtiva são francamente insuficientes”. O trabalho de regeneração da habitação na Quinta do Ferro assumirá basicamente duas frentes: uma de consolidação, onde as edificações existentes estão no alinhamento previsto ao nível da via pública; e uma de regeneração, onde seja preciso afastar as frentes edificadas do arruamento para que este “tenha a dimensão necessária ao desafogo entre fachadas dos edifícios” e para que se permita uma “utilização diversificada do espaço público em condições de conforto e segurança”. Também estão previstos alguns reparcelamentos para melhorar as condições de habitabilidade. A reabilitação urbana estará a cargo dos particulares, assumindo a Câmara um papel de regulador e também de facilitador, através da concessão de diversos benefícios e incentivos fiscais.


De resto, no espaço público, prevê-se uma requalificação e reperfilamento dos principais eixos, a Rua de Entremuros do Mirante e as ruas A, B, e C da Quinta do Ferro, “privilegiando a mobilidade pedonal, sendo os arruamentos tratados como vias de coexistência ou exclusivamente pedonais”. Na parte central do bairro, “onde ocorre concentração de propriedade municipal”, está prevista a criação de uma praça colectiva. Aqui a Câmara assumirá a construção de novos edifícios destinados a habitação acessível com áreas comerciais ou de serviços nos respectivos pisos térreos, incluindo um equipamento social para idosos. A praça pode ter, “eventualmente”, um estacionamento público no subsolo e à superfície ser um “espaço público ajardinado” para usufruto da população.

A estimativa orçamental é que toda a reabilitação do bairro da Quinta do Ferro custe perto de 20 milhões de euros do lado da Câmara; só o investimento em infraestruturas urbanas e espaço público deverá ascender a cerca de cinco milhões de euros. Relativamente ao investimento privado na reabilitação de imóveis, estima-se um valor global de cerca de sete milhões de euros. O financiamento desta iniciativa será feito de forma gradual através do Orçamento Municipal e poderá também ter um apoio do IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), através do seu programa 1º Direito.
A autarquia espera aprovar no primeiro trimestre deste ano, em reunião de Câmara, o relatório da discussão pública promovida no final do ano passado e prevê lançar, no final de 2024, o concurso público da empreitada da primeira fase, que incluirá a edificação da praça central e a reabilitação das ruas B e C. A rua A, o jardim e restantes arruamentos ficarão para uma segunda fase. A terceira e última fase do que toca a responsabilidade municipal será a interligação entre a Quinta do Ferro e o seu contexto urbano.

Podes consultar toda a documentação disponível aqui: