Para o Presidente da Câmara de Lisboa, a conclusão da auditoria à rede ciclável é o cumprimento de uma promessa eleitoral. “Esta auditoria vem dizer aquilo que dissemos tantas vezes”, comentou Carlos Moedas, destacando que “há falhas e lacunas graves” na infraestrutura dedicada às bicicletas e apresentando um plano de acção.

Foi perante os jornalistas que o Presidente e o Vice-Presidente da Câmara de Lisboa apareceram, nesta manhã de quinta-feira, 23 de Maio, para apresentar a sua leitura da auditoria à rede ciclável. Um trabalho realizado no ano passado pela consultora internacional Copenhagenize e que foi agora tornando público. Carlos Moedas falou no cumprimento de uma promessa eleitoral. “Decidimos ter a maior neutralidade nesta auditoria e tentar ter uma empresa que olha para este problema do lado de quem anda de bicicleta”, disse o Presidente da autarquia. “O nosso propósito eleitoral desde o início foi redesenhar a rede ciclável em Lisboa com enfoque na segurança no conforto e na funcionalidade”, acrescentou o Vice-Presidente, Filipe Anacoreta Correia.
“O que é extraordinário é que esta auditoria diz muito daquilo que nós tínhamos dito, com base na vivência da cidade porque não tínhamos os dados”, acrescentou Moedas. “A primeira grande conclusão é que há falhas e lacunas graves na nossa rede ciclável. Segundo, que há muitas descontinuidades na nossa rede. Terceiro, que os próprios utilizadores não se sentem seguros. E também a falta de ligações a locais essenciais, escolas e universidades”, explicou o autarca, reforçando esta mensagem: “esta auditoria vem dizer aquilo que dissemos tantas vezes”.
A rede ciclável da cidade vai crescer 50% até 2025. A auditoria demonstrou que há falhas graves e muitas descontinuidades na rede ciclável, causando insegurança aos utilizadores. Vamos melhorar, ligar e aumentar a rede, sem causar fricção e sem pôr as pessoas umas contra as… pic.twitter.com/sqshENKrGo
— Carlos Moedas (@Moedas) May 23, 2024
Um foco na segurança
Na apresentação mais detalhada dos resultados, Anacoreta Correia explicou foi selectivo nas conclusões destacadas. Falou da existência de descontinuidades e de ligações em falta, e da recomendação da Copenhagenize para construir 14 grandes eixos ciclável, bem como para completar 59 pequenas ligações em falta. Apresentou o caso particular dos estabelecimentos de ensino, apontando existirem 121 escolas e cinco instituições do ensino superior desconectadas da rede ciclável – seis se contarmos com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova, que perdeu a ciclovia da Avenida de Berna depois da realização da auditoria. E falou da intermodalidade, de, apesar de existirem boas ligações de estações de comboio e metro à infraestrutura ciclável, haver oportunidades para melhorar neste aspecto.
De seguida, a apresentação dos resultados centrou-se na questão da segurança. Foi apresentada a análise de rua realizada pela Copenhagenize, através de quatro dias a pedalar pela cidade e a filmar a rede. De quatro critérios de análise – segurança/protecção, largura/conforto, continuidade/legibilidade, e atractividade –, foi o primeiro critério aquele que suscitou “maior número de recomendações, 87” dos auditores, tendo sido identificadas fragilidades infraestruturas com protecção insuficiente e problemas nos cruzamentos com viragens à direita e à esquerda.

O Vice-Presidente da Câmara apresentou a Avenida Almirante Reis, a Avenida 24 de Julho e a Rua Prof. Pinto Peixoto, em Telheiras, como o top dos três arruamentos com mais problemas de segurança, não referindo, no entanto, que, segundo o relatório da Copenhagenize, a sinistralidade identificada na Almirante Reis aponta a um período anterior à ciclovia, o que, segundo os auditores, “mostra a importância da ligação actualmente construída”. Anacoreta Correia também não mencionou outros tops dos auditores, como as cinco ligações inexistentes mais prioritárias (a Avenida Mouzinho de Albuquerque, a Rua da Junqueira ou a Estrada de Benfica são algumas delas), os três arruamentos com mais problemas de conforto para ciclistas (como a Avenida da Liberdade, onde deveria haver ciclovias protegidas) ou os três corredores 30+bici que mais precisam de reformulação (como a Avenida Elias Garcia, que, apesar de ter “volumes elevados de tráfego automóvel”, passou a ser a alternativa dada pela Câmara de Lisboa aos ciclistas depois da remoção da ciclovia da Avenida de Berna).
A análise de rua dos auditores internacionais permitiu ainda verificar troços onde os mínimos recomendados não são atingidos, peões a utilizar ciclovias como percursos pedonais, uma rede com quebras e interrupções, por exemplo, junto a paragens de autocarro, transições difíceis de compreender devido à falta de sinalização, e ainda uma experiência desagradável em ruído e qualidade do ar em algumas ciclovias que passam junto ao tráfego motorizado. “Quanto a cruzamentos, identificam-se 30 com problemas”, detalhou Filipe Anacoreta Correia.
Auditoria vai ser usada com “sentido crítico”
O Vice-Presidente realçou que a auditoria é “um instrumento de trabalho” que vai ser usado “com sentido crítico” pelo Município, “uma vez acolhendo totalmente [as recomendações], outras vezes acolhendo apenas em parte, e outras vezes ate recusando e encontrando soluções que nós entendemos que são mais adequadas”.
A partir dos resultados da auditoria, a Câmara de Lisboa partiu para a elaboração de um plano de acção para 2024-25, com o objectivo de aumentar em 50% a rede ciclável até ao final do mandato. O plano é semelhante ao que fora apresentado em Outubro, com alguns ajustes, como admitiu Anacoreta Correia aos jornalistas. “Em Outubro já tínhamos tido acesso a um relatório intercalar da empresa. À medida que fomos encetando diálogo da empresa, fomos procurando trabalhar já em soluções para a nossa visão de expansão da rede. Mas aquilo que estamos aqui a apresentar não é exactamente o que apresentámos na altura”, disse o responsável.
O plano de Outubro tinha sido apresentado como algo “dinâmico”, que poderia vir a ser alterado e que agora foi “estabilizado” com o resultado final da auditoria. O Executivo liderado por Carlos Moedas compromete-se agora com 56 novas ciclovias ou troços de ciclovias, dos quais 20 serão infraestruturas segregadas – mais uma ciclovia segregada que em Outubro. Estamos a falar de um acréscimo de 90 km à rede, que ajudará a aumentá-la de 173 km, este ano, para 263 km, em 2025. O investimento em nova infraestrutura será de 13 milhões de euros, sendo que cerca de dois milhões serão para ligar 20 escolas à rede no âmbito do programa BICI. O Vice-Presidente detalhou que o investimento em rede ciclável no anterior mandato (22,2 milhões de euros) é 41% superior ao do mandato anterior (15,8 milhões). Falou também em mais 28% de investimento na rede GIRA na governação de Moedas (3,7 milhões face aos 2,9 milhões do mandato de Medina). No campo das bicicletas partilhadas, a meta em 2025 serão 193 estações e 1900 bicicletas activas, das quais apenas 100 serão não eléctricas.
Anacoreta Correia mencionou ainda 1,7 milhões de euros para manutenção da rede ciclável existente. O Vice-Presidente disse, sobre este ponto, que a inclusão de “uma dotação orçamental para a manutenção” é “um facto novo, que não existia no passado”, e que começará “já este mês” a ser executado pela EMEL; o autarca não adiantou detalhes das intervenções de manutenção a serem realizadas, mas que consistirão em “reparações, sinalética, pinturas e reforço de segregação”. “A manutenção é qualquer coisa que passará a acompanhar a vida das ciclovias e no contrato-mandato que temos com a EMEL, passaremos a incluir isso. A EMEL passará não só a construir mas também a cuidar das ciclovias.”
Avenida de Berna foi “política”
“O ponto de chegada que esperamos no final de 2025 é ter uma rede muito mais equilibrada e assegura nas suas intersecções e ligações, com os principais eixos de falha de rede corrigidos. Mais do que o número de quilómetros estamos a falar de uma rede que cresce substancialmente no seu equilíbrio”, realçou o Vice-Presidente. O plano de acção que o Município estabeleceu para este e o próximo ano não responde directamente às fragilidades assinaladas pela auditoria, algumas apresentadas aos jornalistas e outras detalhadas no relatório. “Agora estamos a trabalhar muito sob a base da rede existente procurando melhorá-la e completá-la onde estar em falta. Assim que esteja esgotado esta fase, o nosso objectivo é a expansão propriamente dita da rede”, sendo o “primeiro semestre de 2025” o timing avançado para o início desta fase.

O Vice-Presidente da autarquia explicou que o trabalho de repensar a rede ciclável e de realizar uma auditoria permitiu baixar uma polarização que disse existir na cidade em torno das ciclovias. Ideia que Carlos Moedas também defendeu perante os jornalistas, explicando que “para termos políticas de mobilidade, não podemos ter políticas de fricção, que põem uns contra os outros”. O Presidente da Câmara de Lisboa falou na necessidade de “reduzir a polarização, de reduzir a fricção” como “uma grande mudança em termos políticos e de visão sobre as políticas não só de mobilidade, mas também nas ambientais” y que “era importante fazê-lo desde o dia um”.
Durante o final do mandato de Medina e o início do de Moedas, duas ciclovias da cidade de Lisboa dividiram o debate em torno da mobilidade. Sobre a da Almirante Reis, o relatório com as conclusões do processo participativo realizado em 2023 deverá ser divulgado em Junho, juntamente com um novo perfil para a avenida, no âmbito de uma requalificação de fundo que não deverá ficar pronta em 2027. Haverá uma “alteração do desenho da ciclovia”, mas está prometida a manutenção da pista. “O nosso objectivo é manter nas vias estruturantes a compatibilização entre a rede rodoviária e a rede ciclável, mas introduzindo medidas muito significativas e que em grande medida respondem a vários dos aspectos que são revelados na auditoria em termos de segurança”dijo.
Quanto à Avenida de Berna, Anacoreta Correia admitiu ter sido “uma questão política” y no una decisión técnica, indicando que o relatório da auditoria é omisso em relação a essa ciclovia [aquando da visita dos auditores, ainda havia ciclovia em toda a extensão da Avenida de Berna]. O Vice-Presidente frisou que havia “uma promessa eleitoral da Junta de Freguesia das Avenidas Novas” e “um consenso de que a ciclovia estava mal desenhada”Pero dijo que la decisión del ayuntamiento de eliminar parte del carril bici para poner aparcamiento se había tomado aparte de la auditoría. “Estamos neste momento com uma solução provisória e estamos a concluir o projecto para a a solução definitiva”, um projecto que está incluído no plano de acção apresentado na quinta-feira e que pressupõe, segundo o mapa divulgado, o prolongamento da pista para bicicletas, hoje existente apenas no quarteirão da Gulbenkian, junto à Praça de Espanha, por mais dois quarteirões, até à FCSH.