O Livre quer dar prioridade aos autocarros e eléctricos na cidade de Lisboa, triplicando os corredores BUS através de intervenções baratas e de rápida execução. O programa “Corredores Livres” foi apresentado e aprovado por maioria na Câmara de Lisboa, com os votos contra da liderança PSD/CDS. Fica a conhecer em detalhe esta proposta.

O cenário é recorrente na cidade de Lisboa e na região metropolitana: autocarros presos no trânsito, lentos, imprevisíveis, incapazes de competir em tempo e conforto com o automóvel privado. A solução existe mas é muitas vezes ser ignorada pela classe política: vias BUS, exclusivas para o transporte colectivo, com prioridade nas intersecções. Olhando aos dados, Lisboa tem apenas 75 quilómetros destes corredores – o que representa meros 7% da rede rodoviária da cidade. Em comparação, Barcelona, com uma área urbana semelhante (cerca de 100 km²), conta 222 quilómetros, cobrindo 28% das suas vias.
Foi perante este cenário que o Livre apresentou, na Câmara de Lisboa, o programa “Corredores Livres”, uma proposta de baixo custo e de rápida implementação para mudar a forma como se circula na capital. O plano prevê uma expansão massiva da rede BUS, passando dos actuais 75 para 249 quilómetros, através de intervenções emergente para dar fluidez aos autocarros e eléctricos da Carris e também da Carris Metropolitana. Segundo estimativas do Livre, o investimento total rondaria os 520 mil euros, o equivalente a dois novos autocarros.
Para definir onde seriam criados esses novos corredores BUS, o Livre recorreu à ciência de dados. Uma equipa técnica seleccionou todos os arruamentos da rede rodoviária da cidade de Lisboa com duas ou mais vias no mesmo sentido, e cruzou essa informação com as rotas da Carris e Carris Metropolitana. O resultado é um mapa de ruas e avenidas de Lisboa onde seria possível transformar uma das vias num corredor BUS, só para autocarros e eléctricos.
Importa referir que esta análise de dados foi feita à escala da cidade com 1 700 km rodoviários e mais de uma centena de linhas de transportes público, pelo que pode apresentar imprecisões nos detalhes; no entanto, permite perceber, em termos globais, os benefícios para Lisboa. Carreiras como a 731, 735, 742, 748, 750 e 783 da Carris ganhariam tempo com faixas dedicadas, melhorando a rapidez e a pontualidade para os seus passageiros.
Podes ler em detalhe a proposta aqui:
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Vice-Presidente considera proposta um “absurdo”

A proposta do Livre foi discutida e aprovada por maioria no dia 9 de Julho pela Câmara de Lisboa, numa reunião privada do Executivo, com os votos favoráveis do Livre, PS, BE, PCP e Cidadãos Por Lisboa (CPL), e os votos contra dos vereadores da coligação Nuevos tiempos (PSD/CDS), que governa directamente a cidade.
Explicando este sentido de voto – que, ainda assim, não foi suficiente para um chumbo –, o Vice-Presidente da autarquia, Filipe Anacoreta Correia (CDS), disse à Antena 1 que a proposta do Livre é absurda por causa da metodologia usada, considerou que “não podemos ter soluções cegas” na cidade e acusou a esquerda de ser “activista”.
Para Anacoreta Correia, que não deverá integrar a lista do actual Presidente da Câmara nas próximas eleições autárquicas, a meta é “sempre melhorar a qualidade do serviço público”, mas referiu que é preciso trabalhar “caso a caso”, dando como exemplos projectos que estão a ser planeados para a Rua Morais Soares e para a Avenida da Liberdade.
Mais devagar e com menos passageiros
Mais lentos e com menos passageiros. O ano de 2024 não foi propriamente positivo para a Carris, que voltou a ver a sua velocidade comercial diminuir e também registou uma diminuição no número de passageiros transportados – menos 2,8 mil passageiros em relação a 2023, e menos 12,1 mil passageiros em relação ao que estava previsto para o ano passado.
Os dados constam do relatório e contas da empresa municipal de transportes de Lisboa. No ano passado, não só o número de passageiros da Carris diminuiu, como também a velocidade média dos seus veículos. Esta tendência de desaceleração prolonga-se há vários anos.
Métrica | 2024 | Previsão 2024 | 2023 |
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Total de passageiros transportados | 133 904(-2 784 / -2,0% que 2023) | 146 014 (+12 110 / +8,3% que a realidade) | 136 688 |
Passageiros.km* | 482 852 (-1,8% que 2023) | 517 855 (+6,8% que a realidade) | 491 854 |
De acordo com o relatório anual da empresa, os autocarros circularam a uma velocidade média de 13,71 km/h em 2024, o que representa uma quebra de 1,3% face ao ano anterior. Em 2023, essa média era de 13,88 km/h. No caso dos eléctricos, o cenário é ainda mais negativo. A velocidade média caiu 7,4%, passando de 9,09 km/h em 2023 para 8,42 km/h em 2024. Considerando toda a operação de superfície – autocarros e eléctricos – a velocidade média geral recuou de 13,54 km/h para 13,31 km/h, o que corresponde a uma redução global de 1,7%.

No relatório e contas, a Carris atribui esta redução na velocidade comercial ao “agravamento das condições de circulação viário” na cidade, nomeadamente a interrupções de trânsito, a estacionamento indevido e a obras que estão a acontecer na cidade, com destaque para as empreitadas do Plano Geral de Drenagem de Lisboa e da expansão da rede do Metro.
A Carris diz estar a trabalhar, com a Câmara, para acelerar os autocarros e eléctricos através de melhorias da semaforização e dos corredores BUS. Mas estas promessas não são novas. As mesmas iniciativas já constavam nos relatórios dos anos anteriores, sem que se tenham traduzido em melhorias no desempenho. A velocidade média da Carris só melhorou em 2020, com a pandemia que reduziu drasticamente o trânsito da cidade.

O estacionamento indevido, em particular, continua a ser apontado como um dos principais entraves à boa circulação de autocarros e eléctricos: em 2024, registaram-se 1 365 ocorrências deste tipo, mais 13,8% do que no ano anterior. Por outro lado, o número de veículos da Carris imobilizados por estacionamento irregular subiu de 1 378 em 2023 para 1 620 em 2024, e o número de arruamentos afectados passou de 198 para 207.
Mais: o número de horas em que os veículos da Carris estiveram parados por causa de automobilistas que não respeitam as regras do bom estacionamento aumentou 21,2%, de 811 horas em 2023 para 983 horas no ano passado.
“Faz muita diferença”
O programa “Corredores Livres” assenta nesta realidade, e não só.
Na apresentação da proposta, partilhada com os jornalistas, o Livre reforça que os autocarros estão a andar mais devagar em Lisboa e que está a aumentar o número de horas extra pagas a motoristas da Carris presos no trânsito. De acordo com o partido, que cita o mesmo relatório e contas da empresa de 2024, estas horas suplementares custaram à Carris quase seis milhões de euros, o que daria para comprar 20 autocarros. O partido, que se apresentará coligado ao PS, BE e PAN nas próximas eleições autárquicas em Lisboa, assinala ainda um aumento do congestionamento em Lisboa, bem como do número de carros a aceder à capital.
Os 520 mil euros que se estima que a proposta custe permitiriam triplicar a rede existente de corredores BUS em Lisboa e fazer com que várias carreiras da Carris passassem a ter mais de 50% do percurso em vias dedicadas, garantindo maior fiabilidade e rapidez nessas rotas.
Os novos corredores seriam instalados com materiais simples (como separadores físicos de plástico ou pintura no pavimento), podendo ser implementados em semanas. Segundo o Livre, trata-se de uma forma de testar soluções antes de avançar para obras definitivas, garantindo assim flexibilidade e adaptação às necessidades reais da população, permitindo também um baixo custo. O partido argumenta que o retorno em qualidade de vida, tempo poupado e redução da poluição justificam largamente o investimento.
“Nós podemos aumentar em 150 km os corredores BUS da cidade de Lisboa, isso para quem vive numa área metropolitana de três milhões de pessoas faz muita diferença”, salientou Rui Tavares, num encontro com jornalistas, no passado mês de Abril, para apresentar esta proposta. “Com a transferência de conhecimento certo e medidas simples, nós podemos melhorar em muito a vida das pessoas, para lhes dar mais tempo livre e para lhes dar mais uma coexistência mais saudável entre o trabalho e outras situações”, adicionou o porta-voz do Livre.
Além da proposta de novas vias para o transporte público, o Livre sugere ainda a priorização ao autocarro em centenas de intersecções semafóricas, segregadores físicos para evitar que automóveis invadam os corredores BUS e uma fiscalização activa destes espaços.

Carris anuncia medidas para acelerar serviço
Tendo sido aprovada, a proposta dos “Corredores Livres” encontra-se agora nas mãos de Carlos Moedas, actual Presidente da Câmara e também candidato às próximas eleições, para ser implementada, mas, pelo sentido de voto da sua equipa direta, não parece haver vontade política para o fazer. De qualquer modo, a Carris anunciava, a 20 de Maio, medidas para acelerar o transporte público na cidade e aumentar a velocidade comercial dos autocarros e eléctricos, como mais fiscalização à utilização indevida de corredores BUS.
Num comunicado enviado à comunicação social, a empresa municipal avançou resultados de um esforço de fiscalização de corredores BUS e das paragens, iniciado em Setembro de 2024, com a Polícia Municipal. Segundo dados divulgados pela empresa, a medida resultou, “em pouco mais de seis meses, em cerca de 3 000 infrações”. “A sensibilização dos condutores foi a aposta inicial deste projeto, pelo que o maior número de infrações resultou em advertências. Registaram-se, no total: 1 591 advertências, 1 441 multas e 28 casos de activação de reboques”, indicava.

Na mesma nota, a Carris dizia que esta fiscalização seria alargada, primeiro, com a EMEL, que passaria também a fiscalizar o cumprimento de corredores BUS e de locais de paragem de autocarros e eléctricos, e, “numa fase posterior”, com agentes de fiscalização da própria Carris. “O serviço de fiscalização nas paragens e nos corredores BUS é uma das etapas do plano para libertar, cada vez mais, as vias de circulação dedicadas ao transporte público, contribuindo, assim, para a melhoria da circulação dos autocarros e elétricos e para a mobilidade na cidade de Lisboa”, indicava a operadora lisboeta.
“A Carris está também a testar a utilização de câmaras nos seus veículos, para detectar automaticamente infrações de tráfego com impacto na circulação dos autocarros e elétricos”, acrescentava a rodoviária. A Carris prometia ainda a “criação de novos corredores BUS” y “implementação de prioridade semafórica nos cruzamentos mais relevantes” – mas, como já referido, estas duas medidas estão prometidas há anos.
À Antena 1, o Vice-Presidente, Filipe Anacoreta Correia, também admitiu a intenção de aumentar os corredores BUS na cidade, sem adiantar pormenores concretos.
De qualquer modo, a proposta dos “Corredores Livres” vai continuar a ser falada na campanha eleitoral que se segue – foi apresentada a pensar nisso também –, estando contemplada no acordo de entendimento entre PS, Livre, BE e PAN, que antecipa linhas orientadoras do programa da coligação Viver Lisboa, encabeçada por Alexandra Leitão.
Num apontamento lateral, apesar de a proposta assentar numa execução rápida e de baixo custo, o Livre não deixa de sonhar com ideias mais transformadas como a transformação do eixo Avenida EUA-Forças Armadas num ambiente mais centrado no transporte público, e apresentou a seguinte fotomontagem.

