Os desafios de mobilidade de Moedas

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Opinião de Tomás Ribeiro.

Carlos Moedas traz consigo novas propostas para a mobilidade na capital. Analiso aqui algumas delas.

Photo : Mário Rui André/Lisbon For People

No passado dia 26 de Setembro, Lisboa foi a votos e decidiu pela mudança. Numa noite eleitoral surpreendente, Fernando Medina da coligação Mais Lisboa (PS/L), saiu derrotado por 2300 votos pela coligação New Times (PSD/CDS/PPM/MPT/A), liderada por Carlos Moedas, que vai ser, portanto, o presidente da CML nos próximos quatro anos.

A tomada de posse decorre nesta segunda-feira. Não se advinham quatro anos fáceis. Moedas contará com uma Assembleia Municipal “hostil” e uma minoria de vereadores à direita na Câmara. Isto significa que não haverá decisões sem negociação com a esquerda.

Mas não é apenas isso que tornam estes quatro anos desafiantes. Além da urgência climática que vivemos, Lisboa ficará a braços com o regresso do turismo em força e com tranches generosas de fundos europeus para ajudar a recuperação pós-pandemia. Serão quatro anos desafiantes, mas, com ou sem apoio de uma maioria, Carlos Moedas traz consigo novas propostas para a mobilidade na capital. Analiso aqui algumas delas.

Desatar o nó da Linha Circular e passar a uma Linha “em Laço”

A polémica Linha Circular do Metro, defendida quase em exclusividade pelo PS e, claro, por Fernando Medina, pode ser um dos alvos a abater de Moedas.

Apesar de boa parte das obras já estarem no terreno, o novo presidente da CML parece determinado a evitar que o formato de operação da linha forme uma circular entre o Campo Grande e o Cais do Sodré. Em vez da atual solução, Moedas defende que o esquema de circulação no Campo Grande não deve ser alterado, pelo que, mantendo-se a expansão entre o Rato e o Cais do Sodré, as Linhas Verde e Amarela seria fundidas numa única linha, em laço.

Nesta linha, um comboio iniciaria o seu serviço em (vamos supor) Odivelas, continuando depois para sul até ao Cais do Sodré através do atual alinhamento da Linha Amarela, fazendo depois o percurso para norte até Telheiras, cruzando duas vezes a estação do Campo Grande.

Não será uma medida muito fácil de implementar, em parte porque implica dialogar com quem tem verdadeiramente a tutela do Metro, o Governo (que sempre foi acérrimo defensor da Linha Circular). É verdade que mesmo com as obras previstas para a Circular é possível adotar um esquema de funcionamento em laço mas acaba por tornar as intervenções previstas no Campo Grande, totalmente inúteis (e o seu custo, um desperdício de fundos).

Esta é uma excelente proposta de Moedas. Não há qualquer vantagem da solução circular em comparação à solução em laço. Esta nova solução permite à mesma resolver o problema de acesso desde o Cais do Sodré (interface ferroviário e fluvial) ao eixo das Avenidas Novas (eixo de maior procura da rede), ao mesmo tempo que não cria transbordos desnecessários para os utentes. É um caso de win-win!

Com apoio do PCP nesta matéria (que também sempre foi critico severo da Linha Circular), não deverá ser difícil passar esta medida, pelo menos na Câmara, para que se iniciem diálogos com o Governo. A ver vamos.

Transporte público gratuito para jovens e idosos

Outra das grandes bandeiras da coligação New Times foi a introdução de transportes públicos gratuitos para “avós e netos”. Apesar de numa primeira análise poder parecer uma medida positiva para atrair mais utilizadores para o transporte público, uma análise cuidadosa revela alguns problemas.

O problema fundamental desta ideia é que o preço já não é uma barreira de entrada ao transporte público. Depois da implementação do PART (Programa de Apoio à Redução do Tarifário), os preços dos passes foram reduzidos de forma drástica, a um ponto em que se tornaram praticamente acessíveis a toda a população (aliás, os jovens, por exemplo, já gozam de desconto extra no seu tarifário tornando o custo residual).

Isto significa que tornar os passes gratuitos para jovens e idosos é apagar um fogo que não existe, é resolver um problema que não existe. É um desperdício de recursos camarários só para passar um valor já de si residual para o zero absoluto.

A ideia de não pagar pelo transporte público pode ser atrativa mas na realidade não resolve os problemas estruturais de mobilidade em Lisboa e só desvia recursos que podiam ser investidos em medidas realmente úteis e com impacto no panorama geral da cidade. Aumentar a frota de autocarros e elétricos da Carris, criar mais corredores dedicados ao transporte coletivo em sítio próprio, melhorar interfaces e grandes terminais… Todas estas medidas podem de facto ajudar a trazer novos utilizadores para os transporte público retirando carros da estrada e aumentando a atratividade do sistema.

Estacionamento 50% mais barato para lisboetas

Esta medida é a que talvez merece criticas mais severas, porque por e simplesmente não tem lugar numa capital europeia moderna.

Numa altura em que Lisboa devia estar a apostar tudo na redução do número de automóveis a circular dentro da cidade para reduzir problemas de congestionamento, poluição e falta de espaço, este tipo de medidas não tem lugar. Lisboa precisa de andar no sentido oposto, dificultar e tornar mais caro o uso intensivo do carro dentro da cidade.

Por muito que muitos vejam o estacionamento como um direito básico, a verdade é que não o é. O estacionamento, reduzido à sua mais básica essência, é ocupar a via pública com propriedade privada. Os lugares de estacionamento ocupam espaço precioso nas nossas ruas que poderia ser usado para outros fins. Usar o carro dentro da cidade gera congestionamento e poluição atmosférica e sonora, não é “grátis”.

Lisboa, com todos os seus problemas, é o concelho da Área Metropolitana de Lisboa com melhores transportes públicos. Os lisboetas precisam de ser incentivados a fazer uso dessa rede de transportes, não a utilizar mais o carro em pequenos percursos.

É claro que isto são conceitos impopulares e difíceis de promover junto do grande público mas a realidade é mesmo esta. Usar o carro dentro da cidade tem externalidades negativas associadas, e por isso, quem o quiser fazer tem de estar disposto a pagar por elas. Não quero demonizar nada nem ninguém, as pessoas são livres de se deslocarem como quiserem. Simplesmente têm de estar dispostas a pagar o preço disso.

Photo : Mário Rui André/Lisbon For People

Restruturação das ciclovias e fim da polémica Almirante Reis

As ciclovias foram tema central da campanha autárquica e Carlos Moedas promete uma restruturação desta nova rede ciclável da cidade. É verdade que o modelo pop-up e a pressa em implementar algumas ciclovias levaram a projetos mais feitos “em cima do joelho” com qualidade técnica questionável mas é importante salientar que apesar disso, foram feitos progressos significativos.

Quebrou-se finalmente o estigma de que é impossível implementar ciclovias em massa em Lisboa pelo facto da cidade não ser totalmente plana. Atraíram-se muitos novos utilizadores para este modo de transporte, utilizadores que passam a deixar o carro em casa ou deixam mais espaço disponível nos transportes públicos.

Continuar a implementação de uma rede ciclável é absolutamente fundamental para resolver os problemas de mobilidade da cidade e nunca em circunstância alguma, uma ciclovia deve ser eliminada sem ser devidamente substituída. Por muito mediática que seja.

Não posso deixar de notar que o discurso de Carlos Moedas face às ciclovias é um pouco utópico, dando a entender que é possível um equilíbrio perfeito de espaço em que todos saem felizes. Todavia, o espaço nas nossas ruas não é infinito. Para se criarem novas alternativas de mobilidade, alguma parte tem de ser sacrificada. Tendo em conta que os passeios não são uma opção, a única alternativa em muitas artérias da cidade, é retirar espaço aos carros. Mais uma vez, uma medida impopular mas fundamental. Não há almoços grátis…

Soterramento da Linha de Cascais entre Algés e o Cais do Sodré

Esta medida, na verdade, é tudo menos nova. Pelo contrário, a ideia de soterrar a Linha de Cascais não só é bastante antiga como era também partilhada pelo presidente cessante, Fernando Medina.

É inegável que a presença da Linha de Cascais na frente de rio tem sido um entrave à requalificação profunda de toda a zona ribeirinha, quer seja o espaço pedonal, quer sejam as múltiplas avenidas que nela circulam. As avenidas também estorvam é verdade, mas avenidas são fáceis de mudar e acima de tudo, podem ser atravessadas a nível com passadeiras e semáforos. Uma linha de comboio não.

Eu, acérrimo defensor da ferrovia, aqui admito que soterrar a Linha de Cascais seria um projeto com um potencial tremendo para Lisboa. Mas agora passemos à “parte chata” desta história.

Soterrar a Linha de Cascais entre o Cais do Sodré e Algés seria caro. Muito caro. Algumas estimativas apontam para um custo a rondar os 800 milhões de euros, muito acima do que a Câmara de Lisboa poderá comportar sem se endividar consideravelmente. Tendo em conta que esta obra não traria quaisquer benefícios para a eficiência do sistema de transportes e que se trata acima de tudo de uma obra de cariz urbanístico, não terá direito a financiamento comunitário, e na minha opinião, nem deveria ter qualquer comparticipação do Estado Central. Se a Câmara quer enterrar a Linha, que pague o custo.

E os problemas não se ficam pelo custo. A Linha de Cascais está a sofrer uma modernização profunda ao abrigo do programa Ferrovia 2020, o que significa que soterrar a linha agora seria desperdiçar milhões de euros de investimento.

Nem vou levar a sério qualquer proposta de se remover definitivamente a Linha entre Alcântara e o Cais do Sodré e substitui-la por um metro ligeiro com uma fração da capacidade do comboio. O Cais do Sodré é a estação ferroviária com maior movimento no país, um importantíssimo interface de transportes que só verá a sua importância reforçada com a expansão do Metropolitano em curso. É simplesmente impensável remover a Linha.


Tomás Ribeiro é estudante de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico, interessado em transportes, mobilidade e urbanismo.

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