A ciclovia da Avenida de Berna foi, esta semana, debatida na Assembleia Municipal na sequência de uma petição. Agora com a obra consumada, o primeiro peticionário pede uma “solução compromissória”.

“Eu sou totalmente contra a ciclovia na Avenida de Berna, totalmente contra porque aquilo foi mal feito”, disse sem hesitar o recém-eleito Presidente da Junta de Freguesia das Avenidas Novas, Daniel Gonçalves. As declarações do social-democrata, que acusou ainda o anterior executivo de aproveitar os momentos de confinamento para criar ciclovias, foram feitas esta terça-feira, 7 de Dezembro, em sessão plenária da Assembleia Municipal, onde se discutiu uma petição e uma recomendação desta derivada sobre a ciclovia da Avenida de Berna.
Recomendação aprovada por maioria
A petição em causa, “contra a instalação da ciclovia e a retirada de estacionamento na Avenida de Berna”, tinha sido entregue em Março deste ano, mas só no início de Setembro a então Comissão Permanente da Assembleia Municipal dedicada ao tema dos Transportes, Mobilidade e Segurança terminou o trabalho de auscultação de todas as partes, incluindo da então Presidente da Junta de Freguesia, Ana Gaspar, e do então vereador da mobilidade, Miguel Gaspar, elaborando um relatório e uma recomendação à Câmara Municipal.
Entretanto, o processo eleitoral no final de Setembro mudou a composição quer do executivo camarário, quer da Assembleia Municipal. A recomendação, que os deputados agora apreciaram e votaram em plenário, foi, portanto, elaborada pela anterior comissão que tratava o tema da mobilidade e que era liderada pelo social-democrata António Prôa, em final de mandato. Nesse documento, redigido tendo em conta a “especial conjuntura de transição de mandatos”, pede-se à nova Câmara que “acompanhe de forma rigorosa a execução da ciclovia da Avenida de Berna e a introdução na mesma das medidas de mitigação que foram reconhecidas como desejáveis na análise da petição” et que “tais medidas de mitigação, bem como outras alterações ao perfilamento da via relacionadas com a ciclovia que venham a ser adoptadas, sejam previamente dadas a conhecer à Assembleia Municipal” para uma análise prévia. A principal preocupação dos peticionários prendia-se com a perda da centena de lugares de estacionamento existente ao longo da Avenida de Berna, que consideravam prejudicial tanto para os moradores, como para o comércio.
A mesma recomendação – que mais não pede ao executivo camarário que procure melhorar as alterações introduzidas na Avenida de Berna sem as reverter – foi aprovada por maioria, com os votos favoráveis do PS, PSD, CDS, IL, BE, PCP, IL, PEV, PAN, PPM, Aliança, Livre e dos deputados independentes, a abstenção do MPT e o voto contra do Chega.
Primeiro peticionário sugere agora uma “solução compromissória”
Numa apresentação introdutória, Paulo Jorge Pereira, o primeiro subscritor da petição levada à Assembleia Municipal – que teve 271 assinaturas validadas, recolhidas através da plataforma online Petição Pública – pediu aos deputados municipais e ao novo executivo camarário “uma solução compromissória”, isto é, “a reposição integral do estacionamento pelo menos no lado onde está a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, onde se concentra a maioria dos prédios de habitação”. Para Paulo, tal poderia ser feito de duas formas: ou com “o desvio de pelo menos um dos sentidos” da ciclovia, a partir do Largo Azeredo Perdigão, para a paralela Avenida Elias Garcia, que passaria a via partilhada; ou com o “aproveitamento da ciclovia da Avenida Duque d’Ávila, essa sim com utilização”.
Paulo alegou que Lisboa é “uma cidade antiga, composta por sete colinas” et que “não podem ser implementadas ciclovias na cidade” parce que “é moda”, até porque “modas já houve muitas ao longo da história”. Para o peticionário, “qualquer intervenção num espaço consolidado recomenda cautela e estudo prévio”. Considera que a ciclovia é “prejudicial para os moradores porque provocou a eliminação do estacionamento e o oferecido na Elias Garcia não resolve o problema”. Além disso, “não faz sentido reservar toda a Elias Garcia apenas a moradores, ignorando o comércio local e os familiares dos próprios moradores”. Frequentador da igreja localizada na Avenida de Berna, Paulo alega que “muitos crentes se deslocam em viatura própria e são compelidos a parquear dentro do recinto da igreja para participarem nas actividades que esta promove, por benevolência do padre”.
O primeiro peticionário alegou ainda que a ciclovia da Avenida de Berna está “deficientemente implementada”, apresentando “zonas de conflito grave” com peões, “muitos deles idosos que se deslocam à igreja”, e que “está vazia, é uma ciclovia sem utilização” , visando apenas ligar o Campo Pequeno ao parque urbano da Praça de Espanha “em momentos lúdicos, nada mais”. “Ainda hoje passei e passo regularmente na Avenida de Berna, não vejo nenhum ciclista.”

Uma ciclovia que nasceu torta mas que pode endireitar-se
A ciclovia da Avenida de Berna tornou-se polémica mal surgiu o anúncio, no início de Março: toda a avenida ia perder os seus 101 lugares de estacionamento à superfície para a introdução de dois corredores cicláveis unidireccionais, assim como uma via de trânsito em cada sentido, que seriam substituídas por dois corredores BUS, parte de um futuro eixo de alto desempenho entre Alcântara e o Areeiro. A obra ficou concluída durante o Verão.
Hoje, a ciclovia da Avenida de Berna é ponto de passagem de cerca de 300-400 bicicletas diárias no total dos dois sentidos, segundo os dois contadores automáticos instalados no quarteirão da Gulbenkian. O tráfego nesta artéria é inferior ao existente na paralela Duque d’Ávila, mas ressalve-se que o eixo ciclável da Avenida de Berna costuma estar invadido por estacionamento abusivo, o que poderá levar algumas pessoas a optar por um trajecto onde mais previsivelmente não terão obstáculos. A falta de ligação directa à Avenida da República e os obstáculos ao longo do percurso, como as zonas partilhadas com peões que obrigam a bicicleta a subir e a descer do passeio constantemente, podem também justificar a não preferência de muitos ciclistas por este canal de circulação.

A Câmara de Lisboa disse, aquando da obra, que a ciclovia na Avenida de Berna só foi criada no presente momento porque se pretendia eliminar o estacionamento, de forma a que a a entrada e saída de veículos não perturbasse a circulação de autocarros. E, libertando-se o espaço reservado ao estacionamento, a autarquia decidiu instalar prontamente uma ciclovia pop-up, que mais tarde, com uma obra de fundo, poderia ser melhorada. A Avenida de Berna é um eixo classificado no Plano Director Municipal (PDM) como de 2º nível, o que significa que pode não ser possível acomodar estacionamento à superfície ao longo do mesmo.
A Câmara reservou todos os lugares de estacionamento na paralela Avenida Elias Garcia para residentes e apontou a existência de quatro parques de estacionamento subterrâneos nas imediações com taxas de ocupação entre os 35% e 50%. Num debate promovido em Março pela Junta de Freguesia das Avenidas Novas para esclarecimento das dúvidas da população, a autarquia revelou que os dados pré-pandémia apontavam que 20% dos 1072 lugares de estacionamento existentes na zona da Avenida de Berna e artérias adjacentes estavam livres no período nocturno e que, só naquela avenida, a ocupação nocturna era de 60%.
Entretanto, a mudança de executivo camarário e a actual indefinição em relação ao futuro da rede ciclável deixou a ciclovia da Avenida de Berna sem manutenção. São vários os segregadores danificados ao longo da avenida, com os pregos à mostra, apresentando um verdadeiro perigo quer para ciclistas, como para peões e eventualmente automobilistas que invadam o espaço ciclável para uma paragem rápida. O problema dos segregadores partidos – um resultado das paragens abusivas de veículos na ciclovia – não é novo mas, com o passar do tempo e sem um esforço de reparação, tornou-se mais evidente.
PSD contra “visão pop-up” para a cidade
Isabel Mendes Lopes, do Livre, foi a primeira deputada a intervir na sessão sobre o tema da ciclovia da Avenida de Berna. Salientou que “nos últimos anos, Lisboa deu os primeiros passos no sentido de se transformar numa verdadeira cidade do século XXI” em vários domínios, incluindo o da mobilidade, “mesmo que a um ritmo mais lento do que o desejável, na nossa opinião”. Para o Livre, a rede ciclável de Lisboa “é cada vez mais abrangente e completa” e “deve chegar a toda a cidade e, à semelhança da rede rodoviária, deve ter eixos estruturantes que permitam ligações intuitivas, directas e fáceis”. É o caso da Avenida de Berna, uma ciclovia cuja “implementação, manutenção e melhoria” o Livre defende, dizendo, ao mesmo tempo, que a construção da rede ciclável deve passar por “processos participados realizados em diálogo com a cidade e os cidadãos, de modo a minimizar os impactos na vida das pessoas e a encontrar as melhores soluções”.
Já Isabel Pires, do BE, apontou “uma contradição” à direita que venceu as eleições: “por um lado, dizem que sim ao combate às alterações climáticas e que sim ao fomento de outras formas de mobilidade, mas por outro lado dizem que não às ciclovias onde elas existem e, por essa lógica, nenhuma poderia praticamente existir”. A deputada bloquista reconheceu, no entanto, que “os problemas que foram levantados por esta petição devem ser tidos em conta” mas que “não podem ser sempre estes os entraves à continuação e aprofundamento da expansão rede de ciclovias. Encontrar equilíbrios é importante, mas consideramos também que é muito importante manter esta trajectória pensada para a mobilidade”.
Silvino Correia, pelo PS, recuperou a ideia de uma cidade dos 15 minutos para dizer que é preciso haver “uma mudança de mentalidades, factor essencial para o progresso das nossas comunidades”. Cláudia Madeira, pelo PEV, apontou que “nalguns casos as ciclovias podem trazer alguns constrangimentos, especialmente numa fase inicial, e necessidade de adaptação, mas importa não esquecer os importantes contributos que representam em termos da mobilidade e do ambiente”, e reforçou a importância da participação pública. Pelo PAN, António Valente referiu que a ciclovia da Avenida de Berna “é um exemplo de como o veículo motorizado tem assumido uma posição de supremacia em detrimento de peões e bicicletas”où “inconcebível que se permita que peões e velocípedes se cruzem e atropelem, nomeadamente em cruzamentos que obrigam os ciclistas a subir passeios”. António avançou uma alternativa: uma ciclovia bidireccional ao longo da avenida.

Do lado do CDS, Martim Freitas disse que “restará avaliar o resultado e, havendo erros, corrigi-los” e pediu para que, “sendo assunto controverso, se voltem a ouvir os principais interessados, os lisboetas que vivem e trabalham naquela artéria”. Referiu ainda que “a ciclovia em causa foi pensada porque ali se iria intervir para criar uma faixa BUS, o que significa que a ciclovia não foi pensada num quadro de um qualquer plano ou rede de ciclovias previamente pensado para a cidade” e reforçou a importância de pensar primeiro “no todo”, “antes de avançar para uma obra, mesmo que derive de outra”, para que “o todo venha a fazer sentido”, estando confiante de essa ser a filosofia do actual executivo.
Na mesma linha de pensamento Luís Newton, do PSD, actual Presidente da Junta de Freguesia da Estrela, comentou que “hoje estas ciclovias pop-up são as rotundas do passado”, decididas por “alguém que quer fazer obra só para dizer que fez alguma coisa, independentemente do impacto muito negativo que tenha sobre a comunidade que deveria estar a servir”. Newton apontou que nas eleições de Setembro foi deliberado o fim da “visão pop-up” para Lisboa, uma cidade “construída sem qualquer tipo de planeamento, sem qualquer tipo de estruturação, sem ouvir aqueles que são os principais stakeholders da comunidade, sem compreender as implicações e impactos que este tipo de medidas tinham no funcionamento”. O social-democrata respondeu ainda ao BE: “A ideia de que alguém que está contra uma ciclovia pop-up, mal pensada, mal estruturada, mal implementada e perigosa é alguém que está contra a transição [energética e modal] na cidade de Lisboa é mais um acto de desonestidade intelectual que nada favorece o debate político.” Concluiu, referindo que as ciclovias pop-up “criam mau nome” em torno das ciclovias, “uma solução que é imperial para a cidade de Lisboa, como o é para qualquer cidade mundial”.
Para Rodrigo Mello Gonçalves, da Iniciativa Liberal, é importante proceder-se ao prometido levantamento e estudo das ciclovias da cidade para que “depois, quando esse estudo estiver feito e as conclusões estiverem apresentadas e discutidas nesta Assembleia Municipal”, se tomar “as decisões que tiverem de ser tomadas nesta matéria”. Patrícia Branco, do Chega, disse que o partido “não tem nada contra as ciclovias”mais que “decidiram encher Lisboa de ciclovias, algumas mal pensadas”, e que “as pessoas não podem de repente abandonar os carros, porque Lisboa tem uma população idosa”. José Inácio Faria, do MPT/Partido da Terra, reiterou que o partido “não é conta as ciclovias”, mas é “totalmente contra esta ciclovia”, porque “não podemos aceitar que as ciclovias existam contra a segurança de tudo e de todos”.
Fernando Correia, 2º Secretário na Mesa da Assembleia, deputado independente nas listas do PCP, encerrou o debate referindo que “a nova Câmara tem a obrigação” de fazer um trabalho de conciliação entre todas as partes “sem continuar com esta guerra entre quem está a favor das ciclovias e quem está contra”, uma divisão que “não favorece nem a descarbornização, nem os lisboetas, nem a política a nível municipal”. “Creio que é altura de passarmos a outra fase. A cidade precisa de ciclovias, são necessárias. Essas ciclovias têm é de ser planeadas, tem de haver estudos e esses estudos têm de ser discutidos”, disse, apontando que, no caso da Avenida de Berna, teria sido importante a estipulação de alternativas de estacionamento, porque “quem conhece a Elias Garcia sabe que não é de facto nenhuma alternativa”.