10 ideias “prioritárias” para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis

A Agência Internacional da Energia (IEA) propõe 10 medidas para países e cidades reduzirem, em quatro meses, a sua dependência do petróleo em 2,7 milhões de barris por dia, fazendo face às alterações climáticas e a crises de combustíveis fósseis como a que vivemos neste momento.

Fotografia de Andi Wieser via Unsplash

Face à emergente crise global de energia desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, a Agência Internacional da Energia (IEA, na sigla inglesa) delineou 10 acções práticas que governos e cidadãos em economias avançadas podem adoptar com vista a reduzir significativamente a sua dependência do petróleo numa questão de meses, reduzindo dessa forma o seu risco perante uma crise global e combatendo as alterações climáticas.

As 10 acções sugeridas pela IEA têm como elemento central as cidades e permitiram aliviar o peso dos preços dos combustíveis juntos de consumidores por todo o mundo, diminuir os danos económicos resultantes da subida desses preços, reduzir as receitas de hidrocarbonetos da Rússia e ajudar a tornar procura de petróleo mais sustentável.

Se totalmente executadas nas economias avançadas, as medidas recomendadas por este Plano de 10 Pontos para Cortar o Uso de Petróleo da IEA reduziriam a procura de petróleo em 2,7 milhões de barris por dia em quatro meses – o equivalente às necessidades de petróleo de todos os carros na China. Isso diminuiria significativamente as tensões potenciais, num momento em que uma grande quantidade de produtos russos pode deixar de chegar ao mercado e se aproxima o pico de procura de Julho/Agosto. As medidas teriam um efeito ainda maior se adoptadas parcial ou integralmente também nas economias emergentes.

O relatório – qui peut être consultée ici ou mais em baixo – inclui ainda recomendações de decisões imediatas a serem tomadas por governos e cidadãos, permitindo que as acções de curto prazo e de carácter de emergência incluídas no Plano de 10 Pontos possam passar a medidas sustentadas que coloquem a procura de petróleo dos países num declínio estrutural consistente, para se chegar ao patamar de emissões líquidas zero até 2050.

Como é o sector do transporte aquele que mais depende do petróleo, o Plano de 10 Pontos da IEA prevê formas de usar menos este bem precioso para transportar pessoas e mercadorias de um ponto A para um ponto B, baseando-se em medidas concretas que já foram postas em prática em diversos países e cidades. Entre as acções de curto prazo propostas, está a redução da quantidade de combustível consumido pelos carros por meio de limites de velocidade mais baixos, estratégias de trabalho a partir de casa, restrições alternadas de acesso de carros às grandes cidades, transporte público mais barato e outras iniciativas, como o uso preferencial de comboios rápidos e reuniões à distância em vez de deslocações aéreas.

Segundo a Agência Internacional de Energia, cerca de metade da procura global de petróleo diz respeito a economias avançadas. A maioria das medidas propostas no Plano de 10 Pontos exigiria mudanças no comportamento dos consumidores, apoiadas por acções governamentais. Mas a “batata quente” não está só do lado dos governos nacionais – várias medidas podem ser implementadas directamente por governos regionais ou locais, ou apenas voluntariamente seguidas por cidadãos e empresas.

As 10 acções sugeridas pela IEA

  1. Reduzir os limites de velocidade nas vias rápidas em pelo menos 10 km/h: permitira economizar cerca de 290 kb/d (barris de petróleo/dia) no caso dos automóveis ligeiros e 140 kb/d com os pesados. A ideia passa por reduzir as velocidades nas vias rápidas, como as auto-estradas, em pelo menos 10 km/h; geralmente, as velocidades máximas nestas infraestruturas estão estabelecidas entre 100 km/h e 135 km/h, podendo chegar aos 140 km/h em algumas auto-estradas europeias, segundo a IEA.
  2. Trabalhar em casa até três dias por semana sempre que possível: esta medida poderia ter um impacto de cerca de 170 kb/d com teletrabalho num dia por semana; com três dias, economizar-se-ia cerca de 500 kb/d. Segundo a IEA, o uso de carros privados nas deslocações de casa-trabalho antes da pandemia era responsável por 2,7 milhões de barris de petróleo por dia; a Agência estima que um terço das profissões em economias avançadas podem ser desempenhadas a partir de casa, o que permitira reduzir a procura de petróleo, manter a produtividade e evitar os 15-18 quilómetros de commute diário que os europeus e norte-americanos fazem só para ir trabalhar.
  3. Promover domingos sem carros nas cidades: só um domingo por mês economizaria 95 kb/d e todos os domingos significariam uma poupança de cerca de 380 kb/d. Domingos sem carros ajudam a promover deslocações a pé ou de bicicleta, o que pode gerar um efeito positivo de repercussão ao longo da semana, mas também têm benefícios ao nível da saúde e bem estar públicos, como ar mais limpo e menor poluição sonora. Em climas mais quentes, o tráfego reduzido também pode reduzir os efeitos da “ilha de calor” urbana. A IEA diz que esta medida pode ser acompanhada com transporte público gratuito.
  4. Tornar os transportes públicos mais baratos e incentivar o andar a pé ou de bicicleta como modos de mobilidade: pode gerar uma poupança de cerca de 330 kb/d. A proposta passa por promover um modelo de mobilidade assente no carro para um modelo baseado nos transportes públicos e modos suaves, como o caminhar e a bicicleta. De acordo com a IEA, reduzir o preço dos transportes públicos ou torná-los gratuitos, bem como flexibilizar os horários de trabalho para “espalhar” as horas de ponta, são medidas que as cidades devem levar adiante, juntamente com investimento em infraestruturas ligadas à mobilidade pedonal e ciclável, com a promoção do uso da bicicleta em distâncias curtas (em substituição ou complemento ao transporte público), e a criação de incentivos à aquisição de bicicletas eléctricas. Segundo a IEA, os governos em economias avançadas prevêem investir 2,5 mil milhões de dólares nos próximos dois anos em ciclovias e passeios confortáveis, e uns adicionais 33 mil milhões em transportes.
  5. Restringir o acesso do carro particular nas grandes cidades: pode levar à economização de cerca de 210 kb/d. A ideia passa por restringir o uso de carros particulares nas estradas das grandes cidades alternadamente: os com placas pares só podem entrar em alguns dias da semana e os com placas ímpares noutros dias da semana – uma medida que historicamente tem tido resultados positivos na redução da poluição em várias cidades e que pode ser complementada com uma redução do preço dos transportes públicos e a promoção de viagens de carro partilhadas (boleias), refere a IEA.
  6. Aumentar a partilha de carros e adoptar práticas para reduzir o uso de combustível: pode economizar-se aqui cerca de 470 kb/d. Os governos podem incentivar o carpool (viagens de carro partilhadas) para deslocações não urbanas em que diferentes pessoas tenham pontos de partida e trajectos comuns até ao trabalho. A IEA sugere vias dedicadas para carpool nos acessos às cidades, lugares de estacionamento exclusivos em interfaces de transporte público e tarifas reduzidas de portagem para carros que estejam cheios. As viagens de carro não urbanas são responsáveis por mais de quatro milhões de barris de petróleo por dia nas ditas economias avançadas. Actualmente, muito poucas viagens dessas envolvem pessoas de diferentes agregados familiares, o que resulta em níveis baixos de ocupação de carros – nas economias avançadas, a média de ocupação por carro é de 1,5 passageiros; na Europa, está entre 1,4 e 1,6 por carro.
  7. Promover uma condução eficiente de camiões de carga e transporte de mercadorias: uma medida que pode gerar uma poupança de 320 kb/d. A IEA diz que pode ser optimizado o uso de combustível no sector das mercadorias através de técnicas de condução que promovam um menor consumo e também de uma melhor manutenção dos veículos pesados através, por exemplo, de verificações regulares da pressão dos pneus. Os governos podem ter um papel activo na promoção desta condução mais ecológica através das escolas de condução e de certificados avançados de condução. Além de reduzir o uso de diesel, a condução ecológica também pode ajudar a reduzir as contas de combustível e os custos de manutenção dos veículos. Mas as empresas de camiões podem também optimizar as cargas dos veículos e reduzir as viagens vazias através da cooperação entre firmas e do uso generalizado de tecnologias.
  8. Usar comboios de alta velocidade e nocturnos em vez de aviões sempre que possível: o impacto estimado é de cerca de 40 kb/d. No caso de cidades que distem menos de 1000 km entre si e que estejam ligadas por linhas ferroviárias de alta velocidade, o comboio pode não só reduzir a procura de petróleo e as emissões de voos de curta distância, mas pode também ser mais rápido e confortável, confiável e acessível. Com base na infraestrutura ferroviária de alta velocidade existente, cerca de 2% da actividade de aviação nas economias avançadas poderia ser transferida para o transporte ferroviário de alta velocidade, tanto para lazer como em trabalho. Os comboios nocturnos podem servir para viajar distâncias maiores e ajudar a distribuir o tráfego em diferentes horários do dia.
  9. Evitar viagens aéreas de negócios quando existem opções alternativas: pode economizar-se cerca de 260 kb/d. Dada a necessidade de espaço nos aviões, as viagens de passageiros em classes premium consomem três vezes mais combustível do que as da classe económica. Embora nem todas as viagens de negócios de avião possam ser evitadas, em muitos casos o recurso a reuniões virtuais pode ser um substituto eficaz. Uma redução significativa de cerca de dois em cada cinco voos realizados para fins comerciais é viável no curto prazo, com base nas ​​mudanças observadas durante a pandemia de Covid-19, em que as interações comerciais virtuais se tornaram mais comuns. Antes do início da pandemia, cerca de um quinto das viagens de passageiros de avião nas economias avançadas eram para fins comerciais.
  10. Reforçar a adoção de veículos elétricos e mais eficientes: o impacto pode ser de cerca de 100 kb/d. Até o final de 2021, 8,4 milhões de carros eléctricos estavam nas estradas em economias avançadas, tendo sido registadas vendas recordes na Europa, em particular. A procura por carros eléctricos continua forte, devido à queda nos custos das baterias nos últimos anos e aos apoios do governos. No entanto, constrangimentos na sua cadeia de fornecimento de semicondutores, matérias-primas para veículos e materiais de bateria podem colocar alguma pressão na expansão do mercado automóvel electrificado. Diz a IEA que a prioridade de curto prazo deve passar por garantir a entrega bem-sucedida de pedidos de carros aos consumidores e, sempre que possível, os pedidos de frota devem ser priorizados, pois o seu impacto na moderação da procura de petróleo é maior. Ao mesmo tempo, os novos veículos convencionais vendidos devem ser eficientes em termos de combustível. As metas de economia de combustível, bem como os impostos que penalizam os veículos com altas emissões, são fundamentais para apoiar melhorias adicionais na economia de combustível.

Nota: os impactos são de curto prazo e reflectem a implementação em economias avançadas quando viável e culturalmente aceitável; kb/d = mil barris de petróleo por dia.

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