No Passeio Marítimo de Oeiras, as bicicletas têm horários de circulação. A Câmara diz estar à espera de terminar dois eixos viários estruturantes para tirar tráfego da Marginal e fazer a aguardada ciclovia. Mas há quem entenda que não se pode esperar.

Na próxima manhã de domingo, Oeiras vai cortar o trânsito na Avenida Marginal permitindo a circulação de bicicletas (e de outros modos activos) em segurança naquele espaço dominado pelo automóvel. O evento que vai acontecer nesse dia, entre as 8 e as 13 horas, é excepcional: na vasta maioria do ano, quem quiser pedalar pela marginal de Oeiras é empurrado do seguro Passeio Marítimo para a perigosa Avenida Marginal, onde os limites de velocidade chegam a ser, em alguns troços, de 70 km/h.
Se colocar no mesmo canal bicicletas e carros a 50 km/h já é inseguro para quem pedala (e que o faz a 20-30 km/h), a 70 km/h torna-se incomportável. Mas assim o é: há vários anos para cá que a Câmara de Oeiras impõem restrições à circulação de bicicletas no Passeio Marítimo de Oeiras, entre Caxias e a Praia da Torre. Há quem não cumpra as diretrizes e seja depois surpreendido com fiscalizações policiais, há quem arrisque ir pela Avenida Marginal e há quem fuja desta para os passeios estreitos.
Matthew Baldwin, actual responsável da União Europeia pelo projecto das 100 Cidades Neutras, dizia na última edição da Velo-city, que aconteceu em Lisboa, algo deste género: é um desperdício entregarmos a frente marítima aos carros e que, humanizando-a, poderíamos até trazer a onda turística que se fica hoje pela zona de Belém, em Lisboa, para os concelhos vizinhos de Oeiras e de Cascais.

Mas a bicicleta não é exclusivamente um meio de lazer. Para muitas pessoas é ou pode ser um modo de transporte, complementar ao comboio e alternativo ao automóvel. Pode servir para aquele último quilómetro ou mesmo para toda a deslocação entre casa e o trabalho, aproveitando o território relativamente plano junto ao mar.
O novo regulamento aprovado em 2021
No ano passado, a Câmara de Oeiras actualizou as regras relativas ao Passeio Marítimo de Oeiras, passando a permitir a circulação de velocípedes a partir das 19 horas todos os dias na época alta – anteriormente, a proibição estendia-se às 20 horas. Também retirou o mês de Abril das restrições mais prolongadas.
Avant | Agora |
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De Abril a Outubro: 9h – 20h, todos os dias | De Maio a Outubro: 9h – 19h, todos os dias |
De Novembro a Março: 10h – 17h, somente aos fins-de-semanas e feriados | De Novembro a Abril: 10h – 17h, somente aos fins-de-semanas e feriados |
As restrições à circulação de bicicletas no Passeio Marítimo de Oeiras estão redigidas no Artigo 24º do Regulamento N° 838/2021, um documento sobre a “Gestão das Praias do Município de Oeiras” que foi publicado em Diário da República em Setembro de 2021, depois de aprovado em sessão extraordinária da Assembleia Municipal de Oeiras a 20 de Julho (a aprovação foi por maioria, apenas com os votos contra do PAN e do BE).
Artigo 24º
Condições de acessibilidade ao trânsito de bicicletas e outros meios de circulação análogos
1 — É interdita a circulação para fins de desporto e lazer de bicicletas, trotinetas, skates, patins, segways, hoverboards e outros meios de circulação análogos, nos seguintes períodos:
a) Durante os meses de maio a outubro, entre as 9h00 e as 19h00;
b) Durante os meses de novembro a abril, aos sábados, domingos e feriados, entre as 10h00 e as 17h00.
2 — As proibições referidas no número anterior não se aplicam:
a) À condução por crianças com idade não superior a 8 anos;
b) Quando exista uma via ciclável destinada, especificamente, para esse fim.
Aquando da actualização das regras feita em 2021, foi também acrescentado que as mesmas passariam a aplicar-se a outros modos suaves, como patins, trotinetas, skates, hoverboards e segways; a anterior proibição só era clara para bicicletas. O Artigo 30º do mesmo Regulamento estabelece coimas entre 50 € e 3 500 € para pessoas singulares, e de 44 500 € para entidades colectivas (como empresas) que desrespeitarem.
Artigo 30º
Contraordenações em matéria de Passeio Marítimo de Oeiras
Constituem contraordenações puníveis com coima graduada entre €50,00 e €3.500,00 no caso de pessoa singular, e €44.500,00 no caso de pessoa coletiva:
(…)
d) Desrespeitar as condições gerais de acessibilidade, bem como as especialmente aplicáveis ao trânsito de bicicletas e outros meios de circulação análogos no Passeio Marítimo de Oeiras.
Ciclovia na Marginal só depois da VLN e VLS
Na referida sessão da Assembleia Municipal de Oeiras, o Vice-Presidente da autarquia, Francisco Rocha Goncalves, que se manteve no cargo depois das eleições autárquicas, realçou que as bicicletas “não estão proibidas, têm horários”, porque “há alturas em que não podem circular no Passeio Marítimo devido à quantidade de pessoas que lá estão”. A posição da autarquia é simples de se perceber: “por algumas pessoas não assumirem a responsabilidade como devem”, circulando a “velocidades razoáveis” e parando “quando fosse preciso” sempre que vissem que estava muita gente no Passeio Marítimo, foi preciso colocar restrições. Para Francisco, “é uma questão de bom senso”.

O responsável explicou que, no entender do município, uma ciclovia ao longo da Avenida Marginal deve ser feita nesta avenida, à custa da redução do espaço automóvel, e não no Passeio Marítimomais que esse projecto “depende da conclusão das Vias Longitudinais Norte e Sul” (VLN e VLS), dois novos eixos viários estruturantes da cidade para onde o município pretende “transferir a circulação que hoje é feita de modo pendular de oriente para ocidente e vice-versa”, libertando a Marginal e a frente ribeirinha de tráfego.
Francisco Rocha Goncalves esclareceu ainda que no Passeio Marginal há zonas que, pela sua largura, não há espaço para fazer uma ciclovia segregada. “E naturalmente que podem questionar o seguinte: então porque é que [o Passeio Marítimo] não foi feito com mais espaço? Certamente que os senhores deputados perceberam o custo suplementar de uma obra marítima. Uma obra marítima é muito cara. Cada metro de largura colocado naquele Passeio Marítimo custaria por quilómetro muito dinheiro ao erário público e aos cofres municipais”, disse, reconhecendo, todavia, que a obra começou a ser feita noutra altura, em que “não era previsível a afluência que [o Passeio] fosse ter” et que “as últimas fases já tem mais espaço”.
Restrições vigoram desde 2006
O primeiro troço do Passeio Marítimo de Oeiras ficou pronto em Abril de 2002 – tinha 2,3 km e ligava o Forte de São Julião da Barra até à Praia de Santo Amaro de Oeiras. Quatro anos depois, em Dezembro de 2006, foram definidos limites à circulação de bicicletas no Passeio, depois de queixas de alguns utilizadores a pé daquele espaço. A autarquia pretendia “privilegiar a circulação pedonal mas não inviabilizando totalmente a circulação de bicicletas”, tal como acontece hoje em dia.
A segunda fase do Passeio Marítimo ficou concluída em 2009 e prolongou o paredão por mais 1,45 km de Santo Amaro até Paço de Arcos – um investimento de cinco milhões de euros. A terceira fase ficou pronta em 2017 – quase 2 km de prolongamento entre Caxias e a Cruz Quebrada, ligando aqui a Algés; este troço, que custou cerca de 2,5 milhões de euros e que é também conhecido como Passeio Marítimo de Algés (e não de Oeiras), foi o único a ser feito com uma ciclovia segregada de 2,5 metros de largura, deixando cinco metros despendidos para a circulação pedonal.

As três fases resultam num Passeio Marítimo de Oeiras com 5,84 km de extensão não contínuos, porque existe uma interrupção entre Caxias e Paço de Arcos. É a quarta fase; em 2015, fonte da autarquia referia que este troço estava “em fase de estudo, já que se reveste de uma complexidade maior”, avançando a intenção de completar o buraco existente de forma a passar a existir uma ligação pedonal (e ciclável em alguns horários) contínua entre Lisboa e Cascais, percorrendo todo o concelho.
Passeio Marítimo é de Isaltino, Marginal é de Pedro Nuno Santos
Para a MUBi, associação pela mobilidade urbana em bicicleta, “compreende-se a intenção de proteger os peões que passeiam e circulam no Passeio Marítimo de Oeiras”, mas não “que se continue a protelar a decisão de encontrar uma solução segura para bicicletas, trotinetas e afins”, até porque – diz – “aquele troço está assinalado no PDM de Oeiras como sendo uma via ciclável”. Para esta associação, “a protecção do peão deverá estar no topo das prioridades”mais “não menos importante será a protecção de quem se desloca de bicicleta e que, actualmente, não dispõe de condições de segurança para circular na Avenida Marginal”.
A MUBi entende que a Câmara de Oeiras deve encontrar uma forma de as bicicletas poderem “circular de forma segura” na Marginal, o que poderia ser feito com o encerramento temporário de vias de trânsito, ou “conviver harmoniosamente, e sem conflitos, no Passeio Marítimo”. “O convívio harmonioso de peões com ciclistas é difícil mas não impossível”souligne-t-il.
Há mais uma dificuldade nesta questão do Passeio Marítimo de Oeiras: é que enquanto este é de domínio municipal, a Avenida Marginal (que pertence à Estrada Nacional 6) é competência da Infraestruturas de Portugal, empresa pública responsável pela rodovia e ferrovia nacional e que é tutelada pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação. Assim, se quem “manda” no Passeio Marítimo, é o actual Presidente da Câmara, Isaltino Morais; quem “manda” na Marginal é Pedro Nuno Santos, o actual Ministro com a referida pasta.

Para a MUBi, esta situação “nunca impediu a Câmara Municipal de Oeiras de fazer planos de intervenção na Avenida Marginal, sendo o melhor exemplo o plano megalómano de enterrar aquela artéria no cruzamento com o vale da ribeira da Laje, entre o Jardim de Oeiras e a praia de Santo Amaro”. Por outro lado, a autarquia liderada por Isaltino Morais “poderia pedir a gestão da Avenida Marginal à IP, tal como Cascais já o fez para alguns troços”, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 100/2018, de 28 de Novembro, que estabelece o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio das vias de comunicação.
Uma ciclovia na Marginal tem sido uma das lutas mais consistentes ao longo dos anos de várias pessoas. Uma página de Facebook que nasceu para reivindicar isso mesmo mantém-se bastante activa nos dias de hoje, mesmo já tendo passado oito anos da proposta levada ao Orçamento Participativo (OP) do concelho. Essa proposta, que acabou por ser vencedora e que foi apresentada no OP de 2014, sugeria a construção de uma “ciclovia na Marginal (N6) entre o cruzamento do Forte de São Julião da Barra e o acesso ao Passeio Marítimo da Cruz Quebrada, junto à Curva do Mónaco, em Caxias”:
“O litoral de Oeiras oferece condições paisagísticas únicas na linha de Cascais, com várias localidades de interesse: praias, jardins e os núcleos urbanos de Oeiras, Santo Amaro, Paço de Arcos e Caxias. Propõe-se assim converter a via do lado mar da Estrada Marginal numa ciclovia bidirecional entre o cruzamento do Forte de São Julião da Barra (acesso às praias de Carcavelos e Torre) e o acesso ao passeio marítimo da Cruz Quebrada (frente ao I.S.N. e Escuteiros de Caxias). Uma futura rede ciclável poderá prolongar-se até ao complexo desportivo do Jamor e pela costa até Algés, e ainda sob o túnel até à C. Quebrada. Propõe-se o lado mar por: haver menos acessos para automóveis neste lado, sendo mais controlados para evitar situações de conflito; assegurar acessos directos às praias; e por a ciclovia funcionar como barreira entre os carros e o passeio, melhorando as condições de segurança dos peões, e a possibilidade de usufruir da paisagem a todos.”
– Proposta nº 7 do Orçamento Participativo (OP) de Oeiras 2014
A proposta apresentava um custo estimado de 286 mil euros para a obra; a ciclovia teria 5,8 km de comprimento, 2,4 metros de largura e um separador de 0,6 metros.
O Lisboa Para Pessoas contactou por diversas vias a Câmara Municipal de Oeiras para saber mais sobre a sua visão para a frente ribeirinha, e também sobre o futuro da bicicleta no concelho. Contactou também a vereadora Joana Baptista, que tem o pelouro da Mobilidade. Não recebeu qualquer resposta. Para a MUBi, é fundamental “criar uma forma de os velocípedes poderem circular em segurança numa avenida dominada por veículos motorizados a velocidades incompatíveis com um espaço público inclusivo e de qualidade”.