Carris Metropolitana: lançamento em Almada tem vindo a ser afinado com a autarquia e a população

A Câmara de Almada, as juntas de freguesia e a TML têm promovido várias sessões públicas e participativas sobre a Carris Metropolitana, com o objectivo é ouvir as frustrações e sugestões da população.

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Sexta-feira, 22 de Julho, meio da tarde. Dia de greve parcial na TTSL, com o último barco a partir do Cais do Sodré para Cacilhas às 16h30 e com as circulações fluviais a regressarem apenas das oito da noite. Atravessamos o Tejo em 10 minutos, num cacilheiro semi-cheio. Em Cacilhas, há obras para reorganizar aquele terminal intermodal e criar um novo passeio à beira rio. Na estação do metro de superfície, vários passageiros acumulam-se à espera de um comboio que tarda em não chegar. À sua volta, vários autocarros amarelos da nova Carris Metropolitana vão chegando e partindo. Existe mais de uma dezena de paragens da Carris Metropolitana em Cacilhas, todas elas identificadas com um poste amarelo e numeração das linhas. Mas nenhuma com um abrigo para proteger os passageiros do sol, que, naquela tarde quente, era abrasador.

Saindo do barco não é fácil perceber que autocarro apanhar. Os números das linhas nas paragens são inúteis para quem não conhece o serviço. Recorremos à aplicação CityMapper para perceber o melhor autocarro para chegar ao destino – havia vários e escolhemos aquele que ia sair mais rápido. Não foi fácil perceber em que paragem tínhamos de nos posicionar, mesmo tendo um ajudante digital. Lá a achámos e em poucos minutos o autocarro apareceu. Era dos novos e ainda cheirava como tal; o validador não funcionava (indicava “fora de serviço”), pelo que a viagem foi de borla. Com a ajuda do CityMapper, conseguimos perceber em que paragem sair.

A viagem correu bem. Sempre que um passageiro novo entrava, a motorista indicava que o validador não estava a funcionar e para simplesmente entrarem. O ar condicionado refrescava-nos num dia quente, havia wi-fi gratuito e tomadas USB para carregar o telemóvel caso quiséssemos. Estávamos a andar fora de Lisboa num autocarro da Carris Metropolitana operado pela TST, mas a experiência a bordo era-nos familiar enquanto utilizadores da Carris. Não tivemos um autocarro de qualidade inferior, nem de perceber um tarifário diferente. Era como se estivéssemos em casa, mesmo não estando, e mesmo a Carris e a Carris Metropolitana serem empresas totalmente distintas.

O lançamento da Carris Metropolitana (CM) foi-nos prometido como uma grande revolução nos transportes na Área Metropolitana de Lisboa (AML), mas a revolução prometida tem demorado mais do que eram as expectativas iniciais. Depois de um arranque cheio de problemas na Área 4 (envolvendo o concelho de Setúbal) no primeiro dia de Junho, a CM chegou à Área 3 (que inclui o concelho de Almada) um mês depois. Opera, assim, em toda a Margem Sul da AML, tendo o lançamento na Margem Norte sido adiado para 1 de Janeiro de 2023.

Almada e Sesimbra a corrigir problemas com a TML e as populações

Nos concelhos da Área 3 (Almada, Seixal e Sesimbra), a chegada da CM também não foi pacífica, mas os problemas existentes estarão a ser corrigidos em conjunto com as respectivas autarquias. Em Almada, por exemplo, foram organizadas cinco sessões públicas e participativas para que a Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML) – responsável pela operação da CM – pudesse escutar directamente a população. As sessões foram promovidas pela Câmara de Almada em cada uma das cinco freguesias do concelho, e contaram com a participação da TML. O objectivo foi ouvir as frustrações e sugestões da população, e procurar resolver os seus problemas com ajustes à oferta da Carris Metropolitana.

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Desde o início da operação, e em resultado também da pressão dos passageiros, já foram reforçadas 11 linhas, com mais horários e/ou alterações de percurso. As mudanças pretenderam dar resposta à procura, oferecendo mais circulações não só nos dias úteis mas também nos fins-de-semana e feriados, conjugando melhor os horários com os meios de transporte ferroviário e fluvial, e fazendo trajectos que terão mais significado para as populações. As linhas reforçadas foram as seguintes:

  • 3009 – Cacilhas (terminal) <> Trafaria (terminal)
  • 3015 – Charneca da Caparica <> Cova do Vapor
  • 3011 – Cacilhas (terminal) <> Costa da Caparica
  • 3012 – Cacilhas (terminal) <> Fonte da Telha
  • 3014 – Cacilhas (terminal) <> Raposeira (Trafaria)
  • 3021 – Costa da Caparica <> Monte da Caparica (FCT)
  • 3022 – Pragal (HGO) <> Costa da Caparica (terminal)
  • 3030 – Monte da Caparica (FCT) <> Fonte da Telha (praia)
  • 3034 – Quinta do Texugo <> Porto Brandão
  • 3507 – Cacilhas (terminal) <> Marisol
  • 3710 – Costa da Caparica (terminal) <> Lisboa (Sete Rios)

A Câmara de Almada organizou uma secção no seu site dedicada à Carris Metropolitana e um e-mail sugestoes.carris@cma.m-almada.pt para mais facilmente receber o feedback dos utilizadores do novo serviço de transporte e encaminhá-lo para a TML. Estes instrumentos complementam-se aos canais oficiais da CM: contacto@carrismetropolitana.pt e 210 418 800.

Site da Câmara Municipal de Almada (captura de ecrã por Lisboa Para Pessoas)

A autarquia almadense não tem sido a única a pedir melhorias ao serviço da CM; na vizinha Sesimbra, que também integra a Área 3 de operação, a linha 3543 foi alterada recentemente para passar pelo interior da Quinta do Conde. Segundo a autarquia, o objectivo foi “servir ruas principais e com maior afluência de passageiros, passando por vias por onde circulava a antiga carreira 2N, da Sulfertagus” e respondendo a uma solicitação da parte da própria autarquia logo nos primeiros dias do novo operador.

“Desde 1 de Julho, altura em que se iniciou a circulação da Carris Metropolitana, a Câmara Municipal, em estreita colaboração com a TML, a TST, e também com base nas opiniões e sugestões que têm chegado por parte dos utentes, tem feito ajustes nas linhas em vigor para que haja uma resposta mais eficaz às necessidades de transporte público da população. A identificação dos casos mais pertinentes, bem como a sua avaliação e eventual correção prosseguirá nos próximos dias”, anunciou ainda a Câmara de Sesimbra. Do lado do Seixal, não existe qualquer comunicação pública da respectiva Câmara Municipal sobre alterações ao serviço da CM.

Uma sala quente e sem água

A viagem que começámos a descrever no início deste artigo culminou no Fórum Municipal Romeu Correia, bem no centro de Almada. Foi esse o local escolhido para a realização da quarta sessão pública e participativa sobre a Carris Metropolitana, referende à União das Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas. São 18 horas. A audiência interessada – maioriamente uma população mais velha – encheu uma sala quente, onde não havia ar condicionado e onde só foi distribuída água aos membros da TML, da autarquia e da freguesia. As janelas foram abertas na tentativa de refrescar o espaço, mas só os leques que as pessoas trouxeram de casa ou que improvisaram salvaram daquele calor. Inês de Medeiros, Presidente da Câmara Municipal de Almada (CMA), marcou presença; do lado da TML, estiveram Sónia Alegre e Rui Lopo, administradores da empresa.

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Inês de Medeiros abriu a sessão a agradecer a presença de todas as pessoas – “estão aqui a cumprir um acto de cidadania com a vossa participação cívica” – e pediu que fossem concretos e sucintos nas suas intervenções para que todos pudessem falar. As participações foram agrupadas em grupos de 10 e no meio foram dadas respostas quer pela Presidente da Câmara, quer pela TML. Inês de Medeiros considerou o lançamento da Carris Metropolitana “uma grande vitória” após um trabalho que terá começado, nos bastidores, em 2016, mas realçou ser “frustrante para nós, [decisores políticos]” o facto de as pessoas “ainda não sentirem os resultados”. “Este é o momento para olharmos para o que está [em operação] e tentarmos corrigir”, até porque o transporte público “mexe com as vidas profissionais e pessoais de cada um de nós”. “Sabemos que, em alguns casos, há incumprimento de contrato e que, noutros casos, há ajustes que precisam de ser feitos.”

A Presidente da Câmara de Almada salientou existir uma grande diferença entre o regime actual de transporte público, gerido por uma empresa pública – na qual todos os municípios da AML participam –, e o anterior modelo, em que operadores privados podiam gerir a oferta e tarifários de forma autónoma. “A TML aceitou, desde a primeira hora, a dar a cara e a responder às pessoas. A TST nunca estaria aqui. É essa a diferença”, reforçou Inês de Medeiros, para dizer que, apesar de a TST operar a Carris Metropolitana no terreno da Área 3, agora a operação é da responsabilidade da TML, que define as linhas, os percursos e o tarifário; cabe à TST apenas executar e receber por cada quilómetro realizado.

Antes ainda de as pessoas falarem, a TML introduziu-se e garantiu, de antemão, que todos os presentes tinham razão. “Estamos sobretudo para ouvir e corrigir as situações pelas quais todos vocês estão a passar”, referiu Rui Lopo, deixando claro que “não há nenhuma razão financeira” para o serviço da Carris Metropolitana não existir como está contratualizado à TST. “Não tem a ver com poupança de dinheiro. São erros que têm de ser corrigidos”, disse. Rui Lopo informou que as questões laborais entre os trabalhadores e a empresa que levaram a problemas no arranque da operação na Área 4 estão resolvidas e que o serviço “ainda não está óptimo” mas já sofreu uma grande melhoria. “Aqui [na Área 3] temos outras dificuldades”, e “vamos exigir o cumprimento do contrato” à TST.

De um passe que não funciona a autocarros que não passam onde não deveriam passar

A sessão em Almada permitiu perceber aquelas que serão as principais preocupações dos utilizadores da Carris Metropolitana. Algumas pessoas questionaram a oferta actualmente existente para o Cristo Rei, dizendo ser insuficiente quer para os turistas, quer para a população residente. “Porquê autocarros de hora a hora havendo tanto turismo? Parecemos animais dentro deles”, questionou uma senhora. “O que é isso do ‘horário escolar’ e ‘não escolar’? Quem anda pior? São as crianças ou somos nós?”, acrescentou outro senhor, referindo-se à sua idade mais avançada.

Houve queixas de autocarros cheios e que, por isso, não páram nas paragens – “os autocarros não estão dimensionados para andar fora de Lisboa. São de tamanho pequeno e vão cheios”, lamentou um passageiro, referindo-se à dimensão urbana e não suburbana de alguns veículos. Houve quem criticasse a falta de oferta à noite – “quem trabalha por turnos e sai à meia noite, não tem autocarros”. Falou-se também de ser necessária melhor interligação com os outros operadores. Alguns intervenientes perguntaram sobre os percursos de algumas linhas, referindo que passam em zonas onde não há procura – “se não há casas, não há pessoas”, sintetizou uma pessoa.

“Demoro uma hora ou hora e meia para chegar a casa ou ao serviço. E ainda temos de atravessar estradas perigosas e ficar à espera ao sol porque não há abrigos”, questionou outro interveniente. Esta questão da falta de sombreamento nas paragens foi repetida ao longo da sessão, pois muitas paragens da Carris Metropolitana apenas têm um poste amarelo com indicação do número das linhas e, em algumas, também os horários afixados. Um senhor, por exemplo, lamentou não existirem abrigos e sombra nas paragens de Cacilhas – algo que nós, Lisboa Para Pessoas, também sentimos na viagem que fizemos.

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“Ficou tudo na mesma, talvez um pouco pior. Tínhamos esperanças de que ia ser melhor”, lamentou uma senhora, acrescentando que alguns horários são “de aldeia” e de não de uma grande cidade como Almada: “às 18 acaba e ao fim-de-semana não há”. Uma outra senhora queixou-se da oferta para a praia, nomeadamente para a Costa da Caparica. “É um facto que não tenho de picar o ponto na praia mas é um direito que tenho”, disse, aludindo à importância do lazer para a vida das populações. “A carreira rápida das 9 para a Costa nunca há. Se não é para haver, mais vale tirarem” e, desse modo, não geram falsas expectativas.

Houve, no entanto, quem reconhecesse que o serviço da Carris Metropolitana “já está a melhorar um bocadinho”. Um responsável da Universidade Sénior de Almada congratulou-se com uma visível “preocupação em resolver as coisas” e disponibilizou-se para ajudar nesse sentido. “Vou criar um grupo ad doc na Universidade para perceber as preocupações dos nossos alunos”, anunciou, explicando que a ideia é também apresentar sugestões prática. Uma senhora congratulou-se com a nova frota: “Nunca vi tanto autocarro novo”, disse. “Era só velharias que vinham para Almada. Agora consigo subir e descer [do autocarro] facilmente. Muito obrigada, nem tudo é mau.” Numa outra intervenção, um senhor decidiu lembrar a audiência de como era o transporte público rodoviário anteriormente, dizendo que chegou a ver autocarros com portas avariadas, onde chovia no interior ou “até a arder”. E fez um apelo para que se estimassem os novos veículos: “Estes novos autocarros nas mãos dos TST vão para a sucata cedo, não vão durar muito tempo.”

Vários participantes lamentaram que estas sessões não tivessem sido realizadas mais cedo. “Estas sessões deviam ter sido feitas há anos para saberem as necessidades das pessoas”, afirmou um senhor, acrescentando que rapidez e comodidade são os factores mais importantes no desenho de uma rede de transportes públicos.Temos de tirar carros da estrada e temos de tirar carros da ponte”, afirmou.“Alguma vez se pensou quantos carros se ia tirar da estrada e em quanto se ia melhorar a qualidade do ar” quando se planeou a Carris Metropolitana, perguntou, referindo que no trajecto para o Fórum demorou uma hora e meia, dos quais 30 minutos só do Pragal, onde diz ter visto oito autocarros parados e nenhum metro a sair em 15 minutos – de carro seria um trajecto inferior a 10 minutos.

Outro participante afirmou, na minha linha de raciocínio, que a Carris Metropolitana é “uma revolução que já deveria ter acontecido há muitos anos” e lembrou a conquista recente do passe social Navegante (de 30 € / 40 € mensais). Mas essa revolução, acrescentou, “tem de ser feita com as pessoas e estas reuniões deviam ter sido feitas há mais tempo, para que não estivéssemos aqui a comentar coisas básicas”. “Não conduzo e não tenho carro”, contou o mesmo interveniente. “Esta tem de ser uma revolução que nos vai servir no dia-a-dia”, disse ainda, referindo que deixou de ter um autocarro directo que antes tinha para visitar um familiar e que passou a ter de apanhar três transportes diferentes.

Os representantes da TML e Inês de Medeiros foram escutando os participantes e tomando notas. A Presidente da Câmara de Almada trazia consigo um grande dossier onde teria impressas todas as linhas da Carris Metropolitana do concelho. Mostrou-se disponível para resolver os diferentes problemas e, por exemplo, sobre a ausência de sombras, informou que “só agora estamos em condições para lançar concursos públicos para abrigos”, pois “era complicado lançar sem ter a rede estabilizada”. Em relação a Cacilhas, indicou que pode equacionar-se a instalação de abrigos provisórios que depois seriam mudados para definitivos, depois das obras que agora decorrem naquele terminal intermodal, onde se conjuga transporte fluvial, rodoviário e ferroviário (metro de superfície). Sobre a oferta para a Costa disse que “tem de ser reforçada claramente no Verão”.

Rui Lopo, da TML, informou que “todas as revoluções têm os seus processos” e lamentou “muito, muito” todos os inconvenientes que a CM está a provocar nas vidas dos presentes e de todas as outras pessoas. “Nada destas situações eram desejáveis.” Anunciou que a linha 3022 “vai voltar ao seu percurso anterior”, mas que para já será feita apenas um “aumento das circulações”. Lopo explicou que é preciso avaliar a capacidade de resposta dos TST, que operam a CM em Almada e na restante Área 3, porque “às vezes os TST não conseguem responder logo” aos aumentos de oferta ou alterações. “O mais importante é a gestão de expectativas” e, por isso, não quis arriscar a avançar datas para as alterações à 3022 ou a outras linhas.

Os responsáveis da TML e CMA promoveram, nesta terça-feira, uma quinta e última sessão pública. O serviço da Carris Metropolitana deverá estar mais estabilizado a partir de Setembro e a 100% só a 1 de Janeiro de 2023, juntamente com o lançamento na Margem Norte.

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