Em bicicletas estรกticas, profissionais da Carris tiveram oportunidade de perceber o impacto da ultrapassagem de um autocarro a um utilizador de bicicleta sem a distรขncia mรญnima de seguranรงa de 1,5 metros. Acรงรฃo de sensibilizaรงรฃo foi promovida pela FPCUB.

A EMEL emprestou as bicicletas e a Federaรงรฃo Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) organizou tudo. Durante trรชs dias, motoristas da Carris experimentaram o que รฉ, de bicicleta, levar razias e buzinadelas de um autocarro. A acรงรฃo foi desenvolvida nos parques da empresa em Miraflores, na Musgueira e na Pontinha ao longo de todo o dia, com os motoristas a participarem nas suas mudanรงas de turno.
“Aquele homem ali รฉ o motor disto tudo”, diz Josรฉ Caetano, Presidente da FPCUB. Apontava para Leonel Mendonรงa, que divide as mรฃos entre os volantes dos autocarros e o guiador da sua bicicleta. Estรก na Carris desde 1996 e “hรก muitos anos” que vai a pedalar para o trabalho habitualmente: de Massamรก para Miraflores, sempre por estrada. “รs cinco e tal da manhรฃ, nรฃo hรก muitos carros e os que hรก respeitam-me, desviam-se”dit-il.
ร a Leonel que cabe a tarefa de conduzir o autocarro que vai fazer a razia e apitar aos colegas, parados em bicicletas GIRA. A distรขncia de seguranรงa de 1,5 metros que, segundo o Cรณdigo da Estrada, รฉ preciso salvaguardar de um ciclista na estrada nรฃo รฉ cumprida: Leonel passa mesmo rente e nรฃo รฉ contido no uso da buzina. Parece fรกcil mas Leonel conta que รฉ preciso alguma destreza, pois o objectivo nรฃo รฉ, naturalmente, magoar ninguรฉm.


Nas mudanรงas de turno, feitas nos parques da Carris, motoristas iam aderindo ร iniciativa. Quatro bicicletas GIRAs, alinhadas e seguras em apoios para nรฃo saรญrem do sรญtio, estavam ร disposiรงรฃo e os participantes iam rodando. Em cada ronda, os motoristas pedalavam enquanto esperavam que um autocarro da Carris, reservado para esta acรงรฃo, passasse ao seu lado a alta velocidade, trรชs a quatro vezes consecutivas. A primeira passagem era feita devagar mas as restantes duas ou trรชs nem por isso, e em algumas delas havia apitos.
No final, os participantes levavam uma t-shirt da FPCUB e uma inscriรงรฃo num passatempo em que serรก sorteada uma bicicleta de cidade e uma cadeira de transporte de crianรงas, por exemplo. A acรงรฃo de sensibilizaรงรฃo contou com perto de 200 pessoas nos primeiros dois dias; o Lisboa Para Pessoas acompanhou o terceiro dia, na Pontinha โ atรฉ meio da manhรฃ, houve cerca de duas dezenas de motoristas a experimentar o impacto da ultrapassagem de um autocarro a um utilizador de bicicleta.

Enquanto o autocarro de Leonel passava e nรฃo passava, iam desenvolvendo-se conversas em cima das bicicletas. “ร um importante experimentar um lado e o outro. ร um alerta para nรณs que vamos a conduzir os autocarros“, disse um motorista no final, depois de levar uma razia. “A gente jรก sabe [que o autocarro] vem aรญ, mas mesmo assim apanhei um susto, principalmente quando buzinou”, relatou um colega. Vรกrios participantes contaram ter experiรชncia de bicicleta e cuidado, por isso, com quem a utiliza na cidade. “Sempre que posso tenho cuidado”, disse um deles, referindo que, por vezes, รฉ difรญcil “quando saltam do passeio para a estrada de repente”. “As trotinetas sรฃo as piores”, comentou outro motorista.
“Algumas pessoas de bicicleta nรฃo tรชm cuidado, outras tรชm. ร como tudo na vida”, disse Leonel. “Acho que todos nรณs temos consciรชncia” do impacto de levar uma razia de um autocarro. Da amostra de motoristas que participaram durante a manhรฃ na Pontinha, pareceu existir um cuidado com quem anda na cidade de bicicleta ou trotineta, mas ao mesmo tempo uma insatisfaรงรฃo com a imprevisibilidade de alguns utilizadores dos modos suaves, seja na estrada, seja entre a estrada, ciclovia e zonas de passeio.
Certo รฉ que os motoristas da Carris enfrentam diariamente obstรกculos pelo caminho, como trรขnsito, veรญculos mal estacionados e outras situaรงรตes que vรฃo atrasando os autocarros. A maior presenรงa de utilizadores de bicicleta e trotineta na cidade โ por exemplo, em vias BUS โ pode ser visto como um novo obstรกculo, principalmente por quem estรก a tentar cumprir horรกrios rigorosos.

No fundo, como esta acรงรฃo veio mostrar, a soluรงรฃo passa por perceber um lado e o outro, e por haver uma consciencializaรงรฃo colectiva para uma melhor coexistรชncia. Se esta iniciativa colocou motoristas da Carris na pela de ciclistas, os primeiros pediram que tambรฉm exista uma campanha de sensibilizaรงรฃo para os segundos. Mas os problemas tambรฉm existem noutras faรงรตes: “Uma pessoa que ande de transportes pรบblicos tem mais consciรชncia para respeitar a prioridade de um autocarro quando vai de carro”, desabafa um motorista. Josรฉ Caetano defende que as vias BUS possam ser, em alguns casos, partilhadas com bicicletas e outros veรญculos de mobilidade suave. “Tudo isto resolve-se com acalmias e coexistรชncias a 30 km/h”, disse, mostrando no seu telemรณvel fotografias de cidades onde esteve e onde autocarros partilham espaรงo com bicicletas. Em 2021, a velocidade mรฉdia dos autocarros em Lisboa foi de 14,47 km/h (e de 9,57 km/h para os elรฉctricos) โ em 2019, tinha sido de 14,23 km/h (9,25 km/h no caso dos elรฉctricos). O trรขnsito automรณvel รฉ apontado como a principal causa de atraso dos autocarros.