Carlos Moedas levou novamente a reunião de Câmara a sua proposta de isentar do pagamento de IMT todos os jovens até aos 35 anos em processo de compra de casa própria até 250 mil euros. A oposição, que é maioritária no executivo de Moedas, chumbou a medida, argumentando que beneficiaria apenas 3% dos jovens. A discussão deste tema ocupou mais de uma hora de reunião e dividiu a esquerda e a direita na Câmara de Lisboa.

Na compra de uma habitação própria, os novos proprietários têm de pagar à Câmara Municipal dois impostos: o IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis, que passa a ser cobrado anualmente, e o IMT – Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, que é cobrado apenas no processo de aquisição. No caso de Lisboa, estes dois impostos constituem uma parte significativa das receitas anuais da autarquia; em 2022, representaram um acréscimo de 398 milhões de euros nos cofres municipais.
Prescindir desta colecta significaria para a Câmara de Lisboa um problema orçamental, pelo que a proposta que Carlos Moedas levou pela segunda vez a reunião do executivo falava apenas em isentar de IMT as casas até 250 mil euros compradas pelos jovens até aos 35 anos. A medida poderia representar uma poupança até 8,3 mil euros e deveria custar 4,5 milhões de euros – uma pequena fatia dos 272 mil euros de receita com o IMT em 2022.

“Não se compreende como, havendo uma preocupação tão propagada com a habitação jovem, não consigamos dar este passo e colocar por uma medida que beneficia os jovens acima dos partidos. Esperamos que possa imperar o interesse dos jovens”, disse referiu o Vice-Presidente, Filipe Anacoreta Correia, na apresentação da proposta a todo o corpo de vereadores do executivo camarário. “Estaremos a dizer que nós, Câmara, não queremos cobrar este imposto. Queremos que os jovens comprem casa em Lisboa e estamos disponíveis para prescindir da nossa receita.”
A medida – que, desta vez, foi apresentada dentro de um pacote mais amplo dedicado à habitação – foi novamente chumbada com apenas sete votos a favor, dos membros da coligação Novos Tempos, e 10 votos contra (PS, PCP, BE, Livre e Cidadãos Por Lisboa). A discussão e votação aconteceu na reunião pública de Câmara de 30 de Março.
Os argumentos da oposição
De uma forma geral, os partidos de oposição com assento no executivo da Câmara de Lisboa (PS, Livre, PCP, BE e Cidadãos Por Lisboa) não compreenderam o ressurgimento da proposta de isenção do IMT, reafirmando as suas posições de há quatro meses, quando a medida foi apreciada pela primeira vez em reunião camarária. Os vereadores sem pelouro concordaram que a isenção do IMT beneficiaria uma fatia pequena de jovens e alegaram que o investimento do município deve ser noutro tipo de medidas.
Patrícia Gonçalves, do Livre, referiu que o partido não pode “acompanhar esta proposta” porque ela não explica quantas casas existem até 250 mil euros em Lisboa, em que condições e quem são os jovens que as conseguiriam comprar, afirmando que existem outras formas de apoiar a habitação com o mesmo orçamento da isenção do IMT. O Livre fez uma pesquisa no Idealista, um dos maiores motores de pesquisa de imobiliário no país, e identificou que, em Lisboa, apenas 8% dos anúncios na plataforma são de casas e apartamentos até 250 mil euros. Cruzando este dado com os do INE, extrapolou que esse patamar representa 0,3% do parque habitacional actual da cidade e 2% das habitações vagas.


Das casas até 250 mil euros identificadas no Idealista, o Livre constatou que a área bruta é em média de 54 metros quadrados, que o preço médio ronda os 207 mil euros, que a maioria dessas habitações são de tipologia T1 e sem elevador. O partido abordou ainda o acesso ao crédito de habitação, apontando, com algumas simulações, que, para uma taxa de esforço mínimo de 33% do rendimento líquido mensal, os salários dos jovens compradores devem situar-se entre os 3255 e 3876 euros – uma realidade de 3% dos jovens portugueses até aos 35 anos, segundo sustentou o Livre baseando-se num estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “É assim que os vereadores do PSD, CDS e independentes dos Novos Tempos pretende resolver a crise habitacional em Lisboa?”, questionou Patrícia Gonçalves, que assumiu a vereação do partido nesta reunião em substituição de Rui Tavares.
O Livre apresentou três alternativas para aplicar os 4,5 milhões de euros que custariam a medida de isenção do IMT e os 100 milhões previstos no reforço da devolução do IRS em todo o mandato: para 862 novas casas para Renda Acessível, para 3800 camas em residências universitárias, e para a reabilitação de 4543 casas de habitação municipal.

João Ferreira, pelo PCP, criticou o Presidente da Câmara por apresentar a proposta do IMT enquanto diz que não a “medidas como a criação de limites à aquisição de habitações por fundos imobiliários em zonas de declarada carência habitacional, a limitações ao alojamento local, à suspensão de regimes fiscais de privilégio à semelhança da eliminação já tardia dos vistos Gold ou a medidas no domínio do arrendamento para controlar a subida dos preços das rendas inclusive nos novos contratos”. O vereador comunista também fez uma apresentação na reunião de Câmara, mostrando, para um caso de uma casa de 220 mil euros, que o IMT representaria um “desconto de 2,57% do preço total do que se tem de pagar pela casa”, considerando todos os impostos à aquisição de habitação.

“São estes 2,57% que fazem a diferença entre um jovem poder ou não fixar-se em Lisboa?”, questionou. “Para uma esmagadora maioria dos jovens não é isto não é este desconto que ia fazer a diferença porque eles não teriam os recursos necessários para chegar àqueles 228 mil euros. E para outra pequena parte dos jovens que teriam o dinheiro para avançar para isto, não são os 2,57% que vão fazer a diferença para a decisão entre comprar eu não comprar a casa”, argumentou João Ferreira. “Ou seja, a esmagadora maioria não tem dinheiro para isso e os que têm dinheiro compram com ou sem desconto.”

Para João Ferreira, “muito mais que o IMT”, há outras barreiras à compra de habitação, nomeadamente os preços das casas devido à especulação imobiliária, e avançou dados: de acordo com diferentes indicadores, os preços da habitação em Lisboa verificaram um crescimento de cerca de 60% nos últimos cinco anos, o que significa um crescimento médio anual de cerca de 10% e que a casa que um jovem compraria por 220 mil este ano tinha o seu preço em 135 mil euros há cinco anos, em 2017. O PCP referiu que, se o preço da casa desse jovem-exemplo tivesse seguido a evolução do Índice de Preços no Consumidor, ela teria teria tido um crescimento de 14%, ou seja, teria passado dos 135 mil euros em 2017 para aproximadamente 155 mil euros em 2022 – um aumento de 20 mil euros.
“Estamos a dizer isto para demonstrar que há algo que constitui uma barreira muito maior, muito maior, para os jovens poderem ter casa em Lisboa do que aquela que o senhor Presidente identifica”, sintetizou o vereador comunista. “Com o crescimento médio de preços que as casas em Lisboa têm tido nos últimos anos, basta menos de meio ano – se mantivéssemos o ritmo de aumento de preços – para que o desconto que o senhor Presidente está a propor em sede IMT seja engolido pela especulação imobiliária.”
Pelo BE, Ricardo Moreira, que substituiu a vereadora Beatriz Gomes Dias nesta reunião do executivo camarário, afirmou estupefação por Moedas considerar que a isenção do IMT “é a grande prioridade” e lembrou que, há quatro meses, “houve uma maioria nesta Câmara que considerou que esta era uma má proposta”. “Nesse mesmo dia foi aprovado um subsídio de arrendamento para jovens, onde é que ele está? Foi aprovado também nesse mesmo dia um subsidio para apoio a residências de estudantes, onde é que ele está? Esta medida do IMT jovem foi chumbada e no mesmo dia houve duas que foram aprovadas, onde estão?”, questionou o vereador bloquista, acusando Moedas de ter “as prioridades tão, tão trocadas que já não sabe para quem governa. Mas deixe-me dizer que governar para 3% dos jovens da cidade me parece poucochinho”. “Esta é uma medida contra 97% dos jovens”, acrescentou Ricardo Moreira durante a sua intervenção.
Para o PS, a isenção do IMT para jovens até aos 35 anos “nos moldes em que é apresentado não é central” et est “uma política errada para um problema real que é a falta de habitação a preços que as pessoas possam pagar em Lisboa”, referiu a vereadora do PS, Inês Drummond, argumentando ainda que “é o momento errado” para esta proposta, pois “centra a resposta pública no recurso ao crédito à habitação numa altura em que os juros estão cada vez mais altos”. “É também uma medida socialmente injusta porque beneficia uma pequeníssima minoria e sobretudo porque exclui os que não têm 1000 a 1200 euros para pagar uma prestação mensal. É pensada para apoiar os que menos precisam”, disse.
Inês Drummond questionou o não seguimento dado à proposta apresentada pelo seu partido em Novembro de 2022 de criar um programa municipal de apoio à renda para jovens até aos 35 anos, uma ideia que foi aprovada por maioria em alternativa à isenção do IMT. Com uma dotação de 4,5 milhões de euros, esta proposta pretendia reforçar o subsídio ao arrendamento já existente nas políticas de habitação da autarquia de modo a “abranger muito mais jovens”, sem os condicionamentos do actual programa, permitindo um apoio entre 300 e 450 euros por jovem. Para Drummond, “existem propostas de primeira e propostas de segunda. As de primeira são as propostas que o senhor Presidente e vereadores com pelouro trazem a reunião de Câmara e que são anunciadas três dias antes na imprensa como se já fossem favas contadas. E depois existem as propostas de segunda, que são as que o Senhor presidente não tenciona cumprir e que são aquelas que são apresentada pelos vereadores da oposição”. Para a vereadora do PS, “esta situação de incumprimento permanente das deliberações da Câmara com as quais o senhor Presidente não se revê corroí as bases democráticas de funcionamento da autarquia e e o regular funcionamento dos órgãos electivos. O senhor presidente tem de parar de se comportar como o dono disto tudo e começar a respeitar as regras democráticas”.
Por sua vez, Rui Franco, do Cidadãos Por Lisboa, referiu que, “concordando com o mérito de apoiar resposta de habitação para jovens”, não é a isenção do IMT o caminho e que “prescindindo dessa receita” está-se ao mesmo tempo a concentrar “a poupança numa franja muito pequena de jovens de rendimentos superiores”. Acrescentou também, numa segunda intervenção, que ele e os seus colegas vereadores sem pelouro foram “eleitos com um programa eleitoral que não defende isto”où “a maioria dos lisboetas e dos seus representantes eleitos defendem uma opção que é contrária”. “A minoria com pelouro tem toda a legitimidade de defender aquilo que já defendeu no seu programa eleitoral mas essa posição é minoritária e é por isso que não vai passar com toda a lealdade democrática”, acrescentou ainda Rui Franco, que foi eleito através da coligação Mais Lisboa (PS+Livre).
As respostas de Moedas
Em resposta às diversas intervenções, Carlos Moedas lamentou que “os colegas vereadores” defendam “uma parte da sociedade contra a outra” e que criem “fricções sociais o tempo todo”, em vez de fazerem “uma política que serve a sociedade no seu todo”. “Nunca poderei ser acusado de não ser tolerante e de não estar a governar para todos, muito menos a senhora vereadora Filipa Roseta [Vereadora da Habitação]. É das pessoas mais humanas que eu conheço e todos sabem que é real”, acrescentou.

O Presidente da Câmara destacou os seus pacotes para habitação social, um de 42 milhões de euros com a empresa municipal Gebalis e um outro de 85 milhões em conjunto com o Estado central, através do seu Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e do Ministério da Habitação. “Portanto, 125 milhões de euros para os bairros municipais.” Num momento de irritação, dirigido à oposição, Moedas sublinhou que “há um limite para os vossos argumentos”, “quando nós temos 125 milhões que vão ser aplicados aos bairros municipais e os senhores aqui estão a acusar-nos de com a medida do IMT estarmos a fazer uma maldade enorme, enorme…”. “E ninguém fala nem da residência universitária na Alameda que estamos a construir com 300 camas nem das 900 camas que estamos a estudar. Disso ninguém fala”, referiu Moedas, a propósito de várias críticas dos partidos da oposição de o Presidente da Câmara ter participado na inauguração de uma residência privada destinada a estudantes estrangeiros e que tem quartos a partir de 700 euros mensais.
Carlos Moedas acrescentou que a isenção do IMT “existiu sempre” para casas até aos 90 mil euros, recuperando a lei do Orçamento do Estado para 2011 que estipulou que “são isentas do IMT as aquisições de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente cujo valor que serviria de base à liquidação não exceda 92 407 euros”. Foi uma medida que “tomada por partidos à esquerda e à direita”. “O que acontece é que com a especulação imobiliária os preços foram aumentando e o que nós estamos a tentar fazer é acompanhar esse aumento, porque os 90 mil euros – não tenho aqui os números, mas era à volta disso – já não correspondem hoje a nada.” O Presidente da Câmara disse ainda que a Juventude Socialista propôs ao Governo a isenção do IMT também para jovens até aos 35 anos e habitações até aos 250 mil euros à escala nacional, no contexto do programa Plus de logements.
Reagindo a alguns dos dados apresentados, Moedas defendeu-se argumentando que é redutor fazer uma pesquisa no Idealista para obter um panorama da cidade e avançou que “para fazer esta proposta foram analisados dados da Autoridade Tributária, que nos disse que 45% das transações [de compra de imóveis] são abaixo de 250 mil euros”, correspondendo a cerca de 1500 transições. O Presidente da Câmara não especificou, no entanto, qual o intervalo temporal, faixa etária e abrangência geográfica desse dado, nem disponibilizou essa informação aos vereadores da oposição. Mas, num esclarecimento enviado ao Lisboa Para Pessoas, a autarquia explicou que se tratam de dados da Autoridade Tributária referentes ao ano 2021; o total de transações realizadas por jovens com menos de 35 anos no concelho de Lisboa, em 2021, foi de 3196, dos quais 1457 dizem respeito a transações cuja base tributável é igual ou inferior a 250 mil euros.
Patrícia Gonçalves, do Livre, esclareceu de imediato que, na análise realizada pelo seu partido, “usámos os dados que temos de um dos maiores agregadores de casas e que são dados que o senhor Presidente também pode consultar, mas os dados que o senhor Presidente tem nós não podemos consultar”. Por isso, “gostaríamos que o senhor Presidente e a senhora Vereadora com o pelouro disponibilizassem os dados que têm da Autoridade Tributária por todos os vereadores que aqui estão”.

A fechar, o Vice-Presidente acusou a oposição de desistir dos jovens. Filipe Anacoreta Correia disse que “os senhores vereadores verdadeiramente desistiram dos jovens, desistiram dos jovens que trabalham e que tenham poupanças, dos jovens cujos pais tenham poupanças, desistiram do sonho dos jovens comprarem casa”. “Por favor não digam aos jovens que só ricos podem comprar casa em Lisboa. Mas também não digam que acham bem que a Câmara fique com este imposto quando eles estão a fazer este sacrifício, este sonho de comprar casa”, pediu. “Já perceberam o que isto representa de mensagem para os jovens que estão lá fora e que sonham comprar casa em Lisboa? Já se depararam com a perplexidade?”, criticou o também Vereador das Finanças.
As contra-respostas da oposição
PS e PCP fizeram, já no final da discussão do tema e usando tempos que ainda tinham para falar, reparos quanto os valores apresentados por Carlos Moedas e por Filipa Roseta. Inês Drummond quis lembrar a actual Vereadora da Habitação que “depois dos anos em que tivemos a Câmara falida e tivemos de a recuperar, tivemos o maior programa municipal de investimento na habitação no valor de 52 milhões de euros para cinco anos” – mais 10 milhões que o pacote agora anunciado de 42 milhões para a Gebalis. “É tão mais fácil olhar para trás quando estamos sentados em cima dos 340 milhões do PRR e dizer que agora vamos fazer o maior programa de habitação”, criticou Drummond. João Ferreira achou “importante esclarecer para que as pessoas percebam” de que se trata o pacote de 42 milhões. O vereador comunista explicou que se trata de um contrato-programa da Câmara de Lisboa com a sua empresa municipal Gebalis, que a autoriza a gastar 42 milhões em cinco anos e em 66 bairros municipais desta cidade, “onde vive um quinto da população da cidade”. “Não é, senhor Presidente, nada de extraordinário. Quem esteve nesse lugar antes de si, teve um contrato-programa com valor semelhante e que até era ligeiramente superior. O problema é que não foi todo executado, mas isso é outro problema”, disse João Ferreira. “Desses 42 milhões de euros, neste ano de 2023 o senhor só tem para investir cerca de 11 milhões de euros para intervir em seis – e apenas em seis – dos 66 bairros municipais da cidade. Repare: 11 milhões de euros de um total de 42, mas que tem ainda aguentar para cinco anos.”
“Mas só neste ano de 2023 o senhor Presidente deu os mesmos 42 milhões de euros, os mesmos 42 milhões de euros, em benefício fiscal aos 20% de munícipes mais ricos desta cidade com a medida de devolução de IRS”, adicionou o vereador do PCP. “Garantiu que os 20% de munícipes mais ricos da cidade tivessem arrecadado 42 milhões de euros, o mesmo que o senhor propõe gastar em cinco anos em 66 bairros municipais onde vive um quinto da população da cidade. Estamos conversados sobre a política de classe desta gestão municipal. Não é uma política para todos. Não é uma política para quem mais precisa. É uma política para aquela ínfima minoria mais beneficiada da cidade.”
A medida de isenção do IMT para jovens até aos 35 anos e casas até aos 250 mil euros foi chumbada, apesar de constar na Carta Municipal de Habitação – um documento estratégico, apresentado no final de Fevereiro, pela Vereadora Filipa Roseta e que consagra toda a estratégia municipal de Lisboa neste campo.
Actualização às 12h10 de 11/04/2023: adicionado esclarecimento da Câmara de Lisboa sobre os dados da Autoridade Tributária sobre a compra de casa por jovens na cidade.