Esta é a quarta e última história de mulheres utilizadoras da bicicleta em Lisboa que publicamos. Uma série do Lisboa Para Pessoas e da MUBi que chega agora ao fim.
Catarina Domingues
41 anos, Lisboa
“Há menos mulheres [do que homens] a andar de bicicleta porque a maioria das tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos ou outros familiares ainda são unicamente ou em grande parte responsabilidade das mulheres.”

O Lisboa Para Pessoas publica quatro histórias de mulheres de Lisboa que fazem da bicicleta o seu meio de transporte preferencial. Uma parceria com a MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta e o seu projecto +MAP – Mais Mulheres a Pedalar.
Depois das história de Luiza Borges, à partir de Maria Luísa Sousa e de Victória. Clemente, chegamos ao fim desta série especial com a quarta e última história.
Qual a tua experiência em bicicleta na cidade?
Sou utilizadora diária, desde 2018, das GIRA, como meio de deslocação para o trabalho, o cinema, ir às compras, ir ter com amigos. O meu uso diário da bicicleta deve-se ao surgimento de uma maior rede de ciclovias e do sistema GIRA. Considero que ainda há muito para melhorar, nomeadamente a nível de comportamento dos automobilistas.


Principal dificuldade: O comportamento agressivo dos automobilistas
Conselho: Não há uniforme para andar de bicicleta: normalize o seu uso como se fosse outro meio de locomoção. E, acima de tudo, divirta-se!
Fala-nos de como o teu género tem condicionado, ou não, essa experiência.
O meu género não condicionou a minha decisão de usar a bicicleta, mas isso deve-se à educação que tive, em que nunca houve diferenças de tarefas/brincadeiras devido ao meu género.


Se consideras que tem condicionado, que situações viveste, ao usar a bicicleta, em que sentiste de algum modo desigualdade, insegurança ou falta de acesso pelo facto de seres mulher?
Como referi, o facto de ser mulher não me fez sentir condicionada. Todavia, vivi situações menos simpáticas, como comentários machistas, insinuações pelo facto de andar na estrada ou não “adaptar” o meu vestuário. O comportamento dos automobilistas é sempre mais agressivo para com as mulheres por as considerarem com menos capacidade de resposta (quantas vezes, no mesmo percurso, antes de mim passa um ciclista homem e não apitam ou fazem comentários, mas quando eu passo tal ocorre). Infelizmente, as minhas queixas não são um exclusivo do uso da bicicleta, mas da sociedade em geral, pois já tive “direito” ao mesmo tipo de comportamentos sem estar a andar de bicicleta.


Na tua perspectiva, o que falta para que mais mulheres usem regularmente a bicicleta como modo de transporte?
O pouco uso da bicicleta por parte das mulheres só reflete um problema geral de
discriminação da sociedade ou muitas vezes a sua própria negação. Quantas vezes
ouvimos frases como “já cansa essa conversa da discriminação” – aplicada não só a
discriminação de género – de quem não sabe o que é ser discriminado?
Em geral, há menos mulheres a andar de bicicleta e da minha faixa etária (35-45
anos) ainda menos. Considero que isto ocorre porque a maioria das tarefas domésticas e responsabilidade com os filhos ou outros familiares ainda são unicamente ou em grande parte responsabilidade das mulheres.
Porém, também há outras questões que contribuem para o não uso da bicicleta por
parte das mulheres, até porque há mais mulheres a andar a pé ou de transportes
públicos do que homens: algumas não sabem andar de bicicleta, a manutenção das
bicicletas, haver poucas ciclovias, a agressividade dos automobilistas, a falta de informação sobre percursos, as falhas nos cruzamentos e pontos de interseção, a falta de estacionamento seguro, as falhas no sistema de bicicletas partilhadas (ponto de partida para muitos novos ciclistas), a ideia errada que não se podem vestir “normalmente” e não se sentirem seguras para levarem os filhos consigo nas bicicletas.
Lançado no dia 8 de Março, o projecto +MAP – Mais Mulheres a Pedalar é uma iniciativa da MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta que pretende funcionar como um ponto de encontro em torno das questões de género – um espaço onde se pode falar das lacunas evidentes no que toca à utilização da bicicleta pelas mulheres, e derrubar preconceitos e obstáculos sociais.