Dois lugares de estacionamento na freguesia de Alcântara foram, por um dia, transformados num pequeno parque urbano com uma mesa de conversa, uma biblioteca comunitária e uma programação especial ao longo do dia.

Em 2005, duas pessoas decidiram converter um lugar de estacionamento pago em São Francisco, nos EUA, num pequeno parque urbano temporário. John e Blaine tinham percebido, por um lado, que 70-80% do espaço público das ruas de São Francisco era dedicado à circulação e estacionamento de veículos e que, por outro, esse estacionamento era mais barato que a habitação na cidade. Ao mesmo tempo, encontraram uma lacuna no regulamento de estacionamento de São Francisco: não era ilegal ocupar lugares na via público com outras coisas que não um carro. E foi isso mesmo que fizeram.
Assim, durante um dia, a 16 de Novembro de 2005, criaram o primeiro Park(in) – um parque urbano com relva artificial, uma árvores e um banco. A iniciativa foi documentada e publicada na internet, chamando à atenção de mais pessoas. No ano seguinte, foi transformado num evento anual – Park(in) Day – para as pessoas recuperarem o espaço urbano dos carros, um lugar de estacionamento de cada vez; o projecto foi-se espalhado pelo mundo e por várias cidades. Este ano, chegou pela primeira vez a Lisboa.

A capital portuguesa celebrou o seu primeiro Park(in) Day em Alcântara na passada sexta-feira, dia 15 de Setembro, nas vésperas da Semana Europeia da Mobilidade. Logo de manhã cedo, um tapete verde de relva artificial foi estendido em dois lugares de estacionamento junto ao número 82 da Rua Luís Vaz de Camões; adicionou-se uma mesa e algumas cadeiras, e também uma estante de livros que diferentes pessoas trouxeram. Ao longo do dia, existiu uma programação especial, como um workshop para crianças fazerem um livro, uma conversa entre vizinhos e amigos sobre o futuro das cidades, e uma cicloficina comunitária.
A iniciativa foi dinamizada pela EIT Urban Mobility, uma iniciativa do European Institute of Innovation and Technology (EIT) e que em Portugal é dinamizada pela consultora BGI. “A EIT Urban Mobility desafiou-nos a concretizar um Park(in) Day em Lisboa pela primeira vez. E nós aceitamos o desafio”, explica-nos Filipa Fernandes, da BGI. A primeira ideia passava por transformar um lugar de estacionamento em cada uma das 24 freguesias da cidade de Lisboa, mas, a braços com a dificuldade logística que tal representaria, Filipa rapidamente reduziu a ambição para dois lugares contíguos na freguesia de Alcântara. E porquê Alcântara? “Vivi e estudei aqui, passei aqui grande parte da minha infância e adolescência. Tendo já vivido fora, na Dinamarca, apercebi-me de que Alcântara era um caso complicado em relação ao estacionamento, ao espaço público, ao peão”dit-il.

Filipa conhecia algumas associações locais de Alcântara e desatou a enviar e-mails para construir uma programação para o Park(ing) Day. “Juntámos associações locais, outras entidades e uns amigos. E assim se fez, conversa puxando conversa.” A Biblioteca Municipal de Belém, além de emprestar algum material, dinamizou um workshop para os mais novos em torno dos livros. “Tivemos 16 crianças entre os sete e os oito anos a criar o seu próprio livro. Tinham um livro com vários desenhos incompletos que elas tinham de terminar. Foi um momento muito engraçado porque de repente temos crianças na rua, que é algo que não estamos acostumados a ver muito. Toda a gente que passava de carro ou mesmo a pé com curiosidade”, relata. Pelas 12 horas, a Rede DLBC – Desenvolvimento Local de Base Comunitária promoveu um almoço comunitário com alimentos locais e sustentáveis, sem desperdício. “Falámos também sobre a pegada carbónica dos nossos alimentos favoritos, como o café, o chocolate, o queijo. Foi muito interessante essa aprendizagem e troca de experiências.”








De tarde, o URBinLAB, um grupo de investigação ligado às questões do espaço público e que pertence à Faculdade de Arquitectura de Lisboa, abriu uma conversa a todos os interessados sobre o futuro das ruas. “Cada um de nós meteu-se a imaginar como poderiam ser as nossas ruas sem estacionamento ou preenchidas de forma mais agradável para os habitantes dos bairros.” Do encontro saíram alguns desenhos mas sobretudo uma discussão de ideias. “Fizemos desenhos, estivemos a falar, comentámos os desenhos uns dos outros. Conseguimos aprender quais são as questões mais preocupantes, como a falta de sombra, de elementos de água e de espaços verdes.” O dia terminou com uma conversa sobre agricultura urbana do André Maciel, agricultor e autor do projecto Hortas LX, e com uma oficina comunitária de bicicletas onde qualquer pessoa pôde levar a sua para, com a ajuda de outros, encher pneus, afinar travões ou aprender a fazer outra pequena reparação.
Mais que todo o programa de actividades, o Park(ing) Day permitiu juntar pessoas num espaço. Foi um ponto de encontro de quem já se conhecia, de quem se conhecia só dos meios digitais e adiava um encontro físico, e de quem por acaso estava a passar ali na rua sem fazer ideia do evento e que se juntou a ele e fez novos contactos. Filipa conta que nem todas as reacções foram positiva. “Tivemos pessoas que estavam simplesmente a passar e que ficaram connosco para o resto da tarde. Mas também pessoas que não perceberam o evento ou que mandaram algumas bocas mas tudo relativamente tranquilo. Nós também não alimentámos muitas dessas provocações”, reporta Filipa. “Por exemplo, no início de madrugada, quando estávamos a montar o espaço, houve alguns vizinhos indignados porque no fundo estamos a retirar dois lugar de estacionamento que muitos consideram ser um direito. Nem sempre conseguimos que as pessoas percebessem o que estávamos ali a fazer, porque estávamos a tirar aqueles lugares de estacionamento.”
Filipa ambiciona repetir o Park(ing) Day em Lisboa no próximo ano, em Alcântara, noutra freguesia ou mesmo em todas as 24. “Talvez para o ano consigamos cumprir esse sonho. Acreditamos que este micro evento pode ser importante para expandir junto dos cidadãos comuns estas questões da ocupação do espaço público e do espaço para as pessoas.”