Vasco Barata: “A habitação está hoje no centro de muitas discriminações”

Com Vasco Barata, membro da associação Chão das Lutas, uma das muitas organizadoras da manifestação pela habitação de dia 30, fazemos um balanço da contestação que levou dezenas de milhares à rua. E um ponto de situação de uma crise que afecta demasiadas pessoas.

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Vasco Barata é membro da Le plancher des luttes, associação pela defesa do direito à habitação, e também deputado municipal pelo Bloco de Esquerda em Lisboa. Mas é com o seu papel associativo que se senta connosco à mesa de um café na Alameda D. Afonso Henriques – local de onde, há semana e meia, partiu mais uma manifestação pela habitação, organizada pela plataforma cívica Maison à vivre, da qual a Chão das Lutas faz parte.

Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico–Criminais, Vasco senta-se com o LPP para fazermos um balanço da manifestação. Para que esta possa ter uma continuidade e um aprofundamento que, no imediatismo do momento, não é possível.

Première partie


Que balanço fazes desta manifestação?

Em Portugal estamos a assistir finalmente a uma grande mobilização popular pelo direito à habitação e isso, julgo, que nos deve orgulhar. A habitação é um direito fundamental que foi esquecido um pouco pelos poderes políticos, desde sempre, na verdade. Este ano, o dia 1 de Abril ficou marcado por uma grande manifestação com cerca de 30 mil pessoas em Lisboa.

E foi possível que essa mobilização e organização não se ficasse por aí, e que as forças vivas da cidade continuassem a trabalhar em conjunto e montassem uma nova manifestação, que foi a de 30 de Setembro. Uma manifestação que cresceu em nível de apoio em todo o país e em Lisboa, muito significativamente, com cerca de mais de 40 mil pessoas, perto de 50 mil pessoas na rua. Isso mostra-nos que só com esta organização, só com esta capacidade de as pessoas se unirem e de unirem esforços, trabalhando em conjunto, é que nós conseguimos também colocar este tema, com a importância que ele tem para as pessoas, na agenda.

Sabemos que a habitação, actualmente, é o maior problema que as pessoas sentem na sua vida. Seja quem comprou casa e tem uma prestação ao banco elevada que não consegue suportar, seja quem está no mercado de arrendamento e também tem rendas incomportáveis para os seus salários, seja quem está no mercado informal porque nem sequer tem um contrato de arrendamento, sejam os jovens… Portanto, é um processo transversal a toda a sociedade. Diria que é bastante importante para a nossa Democracia que haja esta organização de pessoas que se mobilizam para um assunto tão importante.

Como é que se consegue unir associações e movimentos diferentes em torno de uma causa comum e, ao mesmo tempo, cruzar a habitação com outros temas como as alterações climáticas?

Acho que esse trabalho de convergência resulta da forma como as pessoas se juntam, como debatem e trocam ideias. Isso é bastante importante, sobretudo no pós-pandemia (ainda estamos um pouco no pós-pandemia mas já não tanto, naturalmente). É importante dar esse sinal de que a cidade volta a organizar-se, voltar a encontrar-se, a debater os assuntos de forma franca. Os movimentos têm trabalhos e estratégias diferentes, mas todas estas estratégias convergem no essencial, que é dar uma resposta social a este problema – seja na luta contra os despejos, seja na luta pela regulação do mercado, seja a luta contra as demolições ilegais sem alternativa, seja o tema da prestação ao banco.

Hoje, temos um movimento social de várias associações, julgo eu que muito ricas, com muito trabalho que se deve valorizar, e esse movimento está preparado para responder a todos os problemas. Não faria sentido que cada associação – e foi isso que não aconteceu – estivesse a fazer a sua luta individual em vez de trabalhar em conjunto, porque é em conjunto que somos muito mais capazes de responder ao problema.

Depois, há várias outras questões que se entre-cruzam com a da habitação. A questão climática acaba por surgir de forma natural. Sabemos, por exemplo, que a construção civil é dos sectores mais emissores de poluentes. E, em Portugal, se queremos resolver o problema da habitação e também atacar o das alterações climáticas, não podemos desatar a construir de forma quase acéfala, não só porque não seria eficaz desde logo para resolver a crise habitacional, mas também por causa da questão climática.

Por outro lado, um dos problemas que mais afectam a população portuguesa nas suas casas é o da eficiência energética. Nós não temos casas preparadas nem para o frio, nem para o calor, e isso também é uma questão de alterações climáticas. Seria preciso termos essa preocupação nas remodelações das casas, que não houve. Muitas vezes dizemos que o turismo foi muito positivo para reformular e reconstruir os centros da cidade, mas, se houve essa reconstrução, porque é que as pessoas ainda passam frio nessas casas? É porque, por exemplo, a reconstrução que foi feita não teve em conta a eficiência energética. Foi uma reconstrução mais de fachada, mais de limpeza, digamos assim, para tornar a cidade mais bonita, mas não mais eficiente, melhor preparada e mais confortável.

Portanto, estes temas relacionam-se, tal como se relaciona a questão LGBTQI+ porque sabemos que são essas pessoas que sofrem outros tipos de discriminação no acesso a uma casa, tal como se tem a questão migrante, porque sabemos que as pessoas migrantes são as que têm ainda mais dificuldade em receber uma casa e vivem em situações bastante indignas de camas quentes, em que arrendam não um quarto, mas uma cama. Tudo isto se relaciona. A habitação está hoje no centro de muitas discriminações, de muitos problemas e de muita pobreza. Portanto, faz sentido que esta luta não fique pelos movimentos do direito à habitação.

Existirá uma dificuldade em centrar numa mensagem dado haver vários temas e envolvidos. Como é que se garante um espaço comum e que não se geram ruídos, descréditos e descontextos?

Acho que é um processo de confiança, julgo eu. Posso apenas falar pela Chão das Lutas. É um processo de confiança, de debate sincero e frontal, em que pomos as pessoas e a causa da habitação no centro e não nos deixamos levar por questões laterais. Não podemos estar preocupados, numa manifestação com 50 mil pessoas, com o que é que cada pessoa escreve no seu cartaz. A riqueza da democracia é essa, é as pessoas saírem e escreverem aquilo que lhes apetece. Sabemos que para as pessoas que acham que a habitação é um activo financeiro ou que deve ser deixada ao mercado sem algum tipo de regulação qualquer coisa servirá para, nas redes sociais, tentarem fazer uma campanha contrária.

Mas também sabemos que nenhuma transformação vem das redes sociais. As redes sociais têm um importante papel de comunicação, e nós usamos esses canais, mas o mais relevante, no dia-a-dia, é estarmos em debates, cara-a-cara, porque aí é que conseguimos criar relações de confiança, conhecer problemas concretos e estar preparados para responder ao debate que se instala no espaço público. Portanto, acho que a base é essa, é uma base de confiança e de trabalho conjunto, respeitando as diferenças de cada de cada associação, que são legítimas naturalmente, e todas elas fazem um trabalho bastante relevante.

E qual o papel dos partidos, que também marcaram presença?

A manifestação foi dos movimentos sociais, e isso foi e é evidente. Se olharmos para o movimento, para o trajecto, para quem liderava a manifestação, para os porta-vozes que falaram, para as ideias, para tudo isso…, percebemos que o dia foi dos vários movimentos que organizaram a manifestação através da plataforma Maison à vivre.

Agora, vivemos num sistema democrático, e os partidos que estiveram visíveis foram de várias sensibilidades políticas. Os partidos são livres de estar onde entenderem que devem estar. O caso específico do Chega teve uma resposta pacífica e expressiva por parte das pessoas, porque ninguém entende que o Chega seja um partido que tem uma resposta para o problema da habitação. Um partido que é financiado pelo lobby do imobiliário, por fundos imobiliários, por gente ligada à especulação imobiliária do pior que esse setor tem, é óbvio que estar numa manifestação pelo direito à habitação não faz grande sentido.

Diria que essa questão ficou resolvida. Não houve nenhum protagonismo, a não ser o protagonismo das associações, dos activistas que organizaram a manifestação.

Partie 2


Olhando agora para a crise da habitação agora e para pacote Plus de logements, que medidas podem ser mais distintivas? O que falta fazer?

O problema do Plus de logements é um problema de opções políticas do que aquilo representa. No seu grosso, o Plus de logements traz benefícios fiscais, uma fórmula errada de resolver o problema da habitação. Tem sido, aliás, a fórmula que tem sido tentada pelos sucessivos governos, sobretudo pelo PS e pelo PSD. E não tem resultado. Antes do Plus de logements, Portugal perdia entre 800 a dois 2 mil milhões de euros por ano em benefícios fiscais ligados ao imobiliário. Aprofundar esse valor, ou seja, dar mais benefícios, parece-nos que é uma solução errada, porque é insistir-se em algo que não está a funcionar. E o facto de não estar a funcionar não será por uma questão de grau. Aliás, há uma questão bastante perversa neste programa: quem quiser vender a sua casa ao Estado, depois de ter andado anos a lucrar com um sector especulativo, não paga nenhum tipo de imposto. Isto também nos levanta uma grande desigualdade. Portanto, temos medidas muito desesperadas na parte fiscal.

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Na parte do Alojamento Local, parece-nos que o Governo joga com as palavras, porque não há uma limitação ao Alojamento Local quando se diz que não se vai dar mais licenças numa área como Lisboa, onde já não há mais por onde atacar. Nós temos freguesias com quase 70% de casas em Alojamento Local; cidade tem um grande problema de 20 mil casas de Alojamento Local; é um sector muito expressivo. Quando nós comparamos com outras cidades que têm turismo, as pessoas não acreditam no número de Alojamentos Locais e de camas turísticas que temos em Lisboa. Para dar um exemplo, nós temos 200 camas turísticas por 100 habitantes. No bairro gótico em Barcelona, há 70 camas turísticas por 100 habitantes. E o bairro gótico em Barcelona é considerado o suprassumo do turismo, por assim dizer.

Depois, a única medida do Plus de logements que vejo que poderia fazer sentido – mas que teria que ter sido tomada há dez ou oito anos atrás – era a limitação do aumento de renda aos novos contratos. Isso poderia ter tido um impacto importante para conter algum aumento dos preços, sendo que, nesta altura, dizer às pessoas que a renda vai aumentar mas que vai aumentar pouco, quando os os seus salários já não estão a acompanhar o aumento dos preços da habitação, é dizer que vão ficar numa ainda situação pior.

Com uma agravante: é que o Governo anunciou estas medidas sem as aplicar. Ou seja, nós estamos a falar do Plus de logements comunicado em Fevereiro e só agora é que foi promulgado. E nem tudo é culpa do Presidente da República. O Governo poderia ter não anunciado as medidas, para que o mercado não pudesse reagir, por exemplo, a medidas que vão limitar o aumento de rendas. O que é que aconteceu, para ser muito concreto? Com o Governo a dizer que ia limitar o aumento das rendas, houve uma pressão e uma corrida dos senhorios para não renovar contratos e para conseguir rentabilizar ao máximo as casas, porque sabiam que viria aí um limite. Portanto, o que nós tivemos foi uma pressão ainda maior por parte dos senhorios nesta fase, porque estavam a reagir a um anúncio do Governo.

Se o Governo quisesse ter sido consequente, tinha aplicado a medida de forma a não dar espaço a este aproveitamento. Agora estamos a colher uma nova fase depois de as rendas terem subido imenso outra vez, sobretudo em cidades como Lisboa, que é também o que nos interessa nesta conversa, e em que as pessoas continuam completamente desprotegidas porque os salários são muito baixos para o preço que se paga no mercado.

Continuando em Lisboa e na Carta Municipal de Habitação que esteve em elaboração: uma das prioridades é construir mais para Renda Acessível, algo que não se fez com vigor na última década. Precisamos de mais construção?

Da minha perspectiva, a conversa do construir mais deve ser sempre acompanhada de algumas perguntas: construir onde, construir para quem, e construir como. Faz sentido nós dizemos que o que é preciso é construir, ponto final? Não. Nós estamos a construir. Estamos a construir torres para o sector de luxo. O sector de luxo continua a construir. E se um investidor ou um proprietário de um terreno que queira fazer um loteamento para construir uma casa pode construir para o sector de luxo, em que vai rentabilizar por um T0 um milhão de euros, porque motivo é que iria construir em Renda Acessível? Isso é um problema.

Primeiro temos que reabilitar o que existe, em vez de construir mais. E isso poderia ter sido feito muito mais rápido. Por exemplo, Campo de Ourique tem um quartel na Rua Ferreira Borges, muito expressivo, que não tem hoje uma vida. E não faz sentido existir um quartel numa zona do centro da cidade. Não se poderia já ter dado um passo de reabilitar esse quartel para que fosse habitação, para que fosse transformado em residências estudantis, ou para que fosse um programa de Renda Acessível? Poderia ter-se feito isso, perfeitamente. E quem diz o quartel de Campo de Ourique, diz o Hospital Miguel Bombarda, diz outras muitas infraestruturas no centro da cidade que poderiam já ter sido reabilitadas para as pessoas.

O Governo poderia fazer isso em parceria com a Câmara. Se me disserem que há zonas onde ainda é possível construir em Lisboa e que nós vamos fazer construção pública para Renda Acessível, acho que esse é um caminho mais interessante. Não estamos a colocar as fichas todas na questão de que vamos construir mais, pura e simplesmente, porque só construir não resolve; é preciso regular o mercado. Mas com programas públicos de construção para rendas acessíveis, então a nova construção poderá ser um caminho.

E foi um caminho que se revelou mais ou menos consequente nos últimos anos. Ao contrário, por exemplo, de algo que está na Carta Municipal de Habitação outra vez, que já tinha sido tentado pelo executivo anterior, que é o regime de Parcerias Público-Privadas da habitação. Isso foi um modelo que não entregou nenhuma casa em Lisboa, e que é errado. Por exemplo, Berlim está a começar a perder casas de renda controlada porque há 20-30 anos fizeram esse tipo de programa, em que os privados construiam, a casa tinha que ficar no mercado controlado durante 30 anos e depois passava para o mercado livre. O que é que está a acontecer agora? Todos os anos, há novas casas que estavam em rendas controladas a passar para o mercado livre. Nós temos que acautelar que isso não aconteça cá.

Construir mais habitação pública é importante em certos terrenos. O Vale de Santo António pode ser um programa interessante. O Restelo teria sido um programa interessante. Agora, o que nós vemos do actual executivo é que tem feito o que já estava em andamento do anterior, ou seja, está a concluir alguns processos que já estavam em curso, mas fechou a hipótese que ainda era possível fechar. Restelo poderia estar em andamento e seria um programa interessante, até porque é uma zona da cidade em que era importante haver Renda Acessível. Estamos preocupados que a construção dos projectos públicos de Renda Acessível estejam metidos na gaveta. O que temos vindo a ouvir da Vereadora da Habitação não é uma intenção de os retomar; o mandato está a meio, portanto, se houvesse essa intenção já alguma coisa teria que ter sido feita nesse sentido.

A Câmara diz que está a tentar priorizar os projectos para os quais tem financiamento e que consegue concluir nos prazos indicados.

A gestão da narrativa, do porquê de certas coisas avançarem ou não, fica a cargo do executivo. A nós, enquanto pessoas preocupadas, medimos um pouco pelos resultados e pelo que é concretamente aplicado. Nós não vemos nenhuma casa projectada, ou seja, não vemos um processo que seja lançado por um este executivo, e naturalmente seria o próximo executivo – fosse quem fosse que ganhasse as próximas eleições – que iria fechar esse projecto.

As coisas demoram tempo e é normal que assim seja. Estar a discutir é quem é que põe a bandeira não interessa, as pessoas querem é casas. Faz parte, a vida democrática é assim mesmo. Nem quem projetou tem que andar agora muito preocupado sobre quem é que acaba por entregar as casas; nem quem está agora a entregar as casas deve tentar tomar as pessoas por parvas, a achar que foi em dois anos que se construiu. Isto são tudo coisas que dizem pouco as pessoas, no meu entender.

Mesmo a promessa de seis mil casas para Renda Acessível, Medina falhou completamente que poderia ter sido complementada com outras medidas: maior limitação ao Alojamento Local; usar a pressão institucional que a Câmara tem no aspecto das políticas nacionais para para fazer pressionar o Governo a conseguir regular o mercado e baixar os preços; a própria Câmara assumir um plano mais activo na questão da requalificação do que já existe.

O que achas deste modelo de o Estado alugar e depois subalugar?

Foi algo que o Medina fez em Lisboa, com um programa chamado Renda Segura; e está agora no Plus de logements com outro nome. Acho que é um programa que é errado e ineficaz. Choca-me como é que algo que foi tentado em Lisboa e que falhou é novamente tentado. A expressão das casas que se recolheram não justifica a canalização de fundos públicos, pois o que estamos a fazer com estes programas é subsidiar preços especulativos; o município ou o Estado arrenda a preços que são especulativos e garante esses preços se mantêm. Ainda que sejam ligeiramente abaixo do preço de mercado, continuam a ser preços altíssimos.

Portanto, é dinheiro público que poderia ser canalizado para políticas de habitação mais relevantes do ponto de vista estrutural. E o resultado são 100 casas, 200 casas, nestes programas. Eu quando oiço a Ministra dizer que se houver um programa que traga 100, 200 casas, já é um sucesso, porque são 100, 200 famílias que ajudamos…. acho que isto não é uma forma séria de discutir políticas públicas. Se fosse assim, com qualquer programa que traga uma casa para o mercado de habitação, estamos a ajudar uma família. Nós temos é que ter uma visão que resolva o problema de forma estrutural. Isso é que é importante.

A Renda Acessível também é limitada em termos de impacto.

É insuficiente, mas, ainda assim, o problema do Programa Renda Acessível é um problema de falta de escala. O programa deveria ser aprofundado, para termos mais casas a preços controlados, mais casas públicas a que as pessoas pudessem aceder. E isto sem esquecer as classes mais pobres, que, com este boom da habitação, ficam um bocado esquecidas pois parece que é um problema quase só da classe média. Temos de ter medidas para todos os sectores sociais, para que haja um parque público que seja robusto.

Ainda sobre a questão da construção, para também ficar claro: é uma narrativa comum do lado liberal dizer que o problema da habitação em Portugal é haver falta de casas e que, portanto, temos que construir mais para haver mais oferta e os preços baixarem. O Nuno Serra escreve sobre isso no Setenta E Quatro de forma muito clara: nós somos dos país que tem melhor rácio entre agregados familiares e casas. Temos 1,5 casas por agregado familiar. Portanto, há mais casas que famílias. A simples lógica de que construir mais faz baixar os preços é bastante falaciosa, porque é um argumento que usa a lei da oferta e da procura mas só se preocupa com a oferta. É que a procura tem diminuído porque temos menos população.

Na altura em que fez o Renda Segura, há declarações de Fernando Medina a dizer que se o renda segura falhar temos que regular o preço das rendas. E o renda segura falhou.

Devíamos regular o preço das rendas?

Nós devíamos controlar o preço das rendas. E regular o preço das rendas é regular também o preço dos novos contratos. Aliás, o Governo tem uma proposta de limitar aumentos aos novos contratos. Agora, o problema é que a medida chega tão tarde que não terá um efeito muito expressivo. E acho que o que seria justo era encontrarmos uma fórmula que ligasse os rendimentos das pessoas, a tipologia de imóveis, a localização desses imóveis… e desse um preço, por cidade, que se considerasse adequado. Por exemplo, um T3 em Lisboa iria valer mais, neste controlo de rendas, do que um T3 em Castelo Branco, por exemplo. Por vários motivos, entre eles, porque as pessoas também ganham mais em Lisboa do que ganham em Castelo Branco. Portanto, é adequar o preço das casas ao rendimento das pessoas e à sua tipologia.

Não há nenhum motivo racional para nós permitirmos que uma casa, só porque um contrato termina, passe a valer de 500 € para 700 €. Isto é um aumento especulativo. Em muitos dos casos, não há obras de manutenção, não há melhoria energética, não há nada que o senhorio tenha feito que traga algum valor até à cidade. Até pode haver aumentos, imaginemos, se o senhorio fizer obras de melhoria energética do apartamento, se fizer obras estruturais. Aí há alguma lógica. Agora, o que nós temos actualmente é permitirmos contratos especulativos só para o decurso do tempo.

O controlo de rendas funciona. É uma medida importante que tem várias matizes, ou seja, já foi adotada de várias formas. É preciso que cada país encontre o seu modelo, um modelo que funcione para si; as especificidades de cada país contam. Temos de encontrar o nosso próprio modelo. O Governo já regula o preço das rendas com a portaria do Porta 65, que até actualizou recentemente. Com esta portaria, está a dizer o que considera ser o preço justo de um T3, T2, T1, T0… nos vários concelhos. Portanto, o próprio Governo já não tem uma portaria que os valores. Isto poderia ser um ponto de partida interessante: olharmos para o Porta 65 e abrimos um processo de regulação. Não se faria de um dia para o outro, claro. O que importante é encontrar uma regulação que reduza a curto prazo as rendas e que depois permita aumentos ponderados, que acompanhem o salário das pessoas. E que, além disso, ajude a prevenir despejos, protegendo as pessoas de situações tão dramáticas.

Isso não poderia levar a que os senhorios tirassem as casas do arrendamento formal para o mercado paralelo?

Dois pontos sobre essa questão. Primeiro, porque é que os senhorios tiraram a casas? Eu sigo muito o Tom Slater, um professor escocês, geógrafo, que dá aulas agora em Colômbia e que tem feito o seu trabalho muito sobre o controlo de rendas. Ele diz que esse é um dos mitos e que está documentado a forma como este mito surgiu, de uns estudos muito pouco independentes que surgiram em forma de panfleto mas aos quais foi dado crédito.

E se nós pensarmos racionalmente, dizer que, se houver controlo de rendas, os senhorios vão tirar as casas do arrendamento é dizer que uma pessoa só está disponível para estar num sector económico – eu não gosto do termo, mas para efeitos do debate, admitamo-lo enquanto sector económico – se tiver garantia de 100% do lucro que pode tirar. É dizer, por exemplo, como também se diz, que se aumentarem o salário mínimo nacional não vai haver emprego, porque assim os patrões vão deixar de empregar pessoas. E isso não acontece. Porque motivo é que alguém que tem uma casa e está a cobrar mil euros, iria retirá-la do mercado de arrendamento se lhe disserem que só pode cobrar 800? Qual é o racional para dizer que então não quer receber nada? Não faz muito sentido. Este mito é uma pressão que surge para evitar que essa medida seja aplicada.

A outra questão parece mais real e mais importante: tem a ver com combater uma migração para o mercado informal. Ponto um, já há muito mercado informal mesmo sem controlo de rendas, e isso é um problema. Ponto dois, para qualquer medida de habitação, de controlo de rendas, de regulação, precisa de ter um instituto público, relevante, com meios, com capacidade, para fiscalizar. Aí teria que haver um investimento público. Não tenho esse debate muito fechado, mas o IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] poderia ser outra coisa que não é o que é. Podia ter novos poderes.

Na Holanda, por exemplo, há controlo de rendas – ou seja, há controlo de rendas em países liberais; maior parte dos países que tem controlo de rendas na Europa até são países com tradição liberal. E lá há ou havia (eles agora estão a passar por um processo de desmantelamento de algumas políticas de habitação, até por causa da sua configuração política actual) uma figura, uma entidade… – eu agora não sei se seria um tribunal ou uma entidade apenas administrativa –, mas havia algo a que as pessoas podiam recorrer com poderes para fixar o valor da renda. Diziam que tinham uma determinada renda e que queriam saber se era adequado o valor que lhe estavam a cobrar; e essa entidade analisava o processo e, de concluísse que o valor que estavam a cobrar era excessivo, a renda da pessoa para um valor adequado, a pessoa ficava com contrato de um valor de renda adequado.

É importante que o Estado não se demita de fiscalizar, até o informal que já existe.

As pessoas muitas vezes são colocadas numa chantagem…

E não é só uma chantagem económica, é uma questão também de poder. Porque há pessoas que preferem arrendar a casa no informal porque depois têm sempre a chantagem de poder tirar a pessoa ou de ameaçar com isso, porque em termos legais não é assim.

É importante que as pessoas saibam que, se tiverem numa situação de informalidade, há uma lei que as protege. Se viver na casa há mais de seis meses sem contratos e tiver provas, pode ter direito a um contrato. É importante dar esse anúncio às pessoas. Mas, como dizia, o Governo, o Estado não se pode demitir. Não pode deixar as pessoas sozinhas.

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Não deveria o Estado também ter um papel nos devolutos?

A Vereadora da Habitação de Lisboa, quando iniciou o mandato, deu um sinal que nos parecia importante. Na abertura do processo que culminou na Carta Municipal da Habitação, disse não haver falta de casas em Lisboa; que tinha os dados do Censos e que Lisboa tinha 46 mil casas privadas vazias, duas mil casas públicas vazias. Ao todo, 48 mil vazias. Portanto, o seu foco, o foco da vereador, era colocar estas casas disponíveis para as pessoas viverem nelas.

E nós ficamos agradavelmente surpreendidos, porque, de facto, seria um caminho muito importante. Esse caminho parece ter sido abandonado e não sabemos porquê, mas já não parecer ser uma prioridade. Continuamos com 46 mil casas vazias em Lisboa. Seria importante saber como é que se vai resolver esta situação. Há muitas casas onde o que o município podia fazer obras coercivas, notificando o proprietário, que, às vezes até pode nem ter meios para fazer essas obras. Isso não é algo que esteja na Carta Municipal como uma prioridade.

Depois há a questão da a questão da isenção de IMT. É uma gota no oceano e é tida como uma base de um programa político de habitação. Não é por terem que pagar cinco, seis, sete mil euros de IMT que as pessoas não compram casa. Não compram porque os preços das casas são proibitivo por serem preços especulativos.

Outra questão: será que nós queremos, enquanto sociedade, enquanto país, enquanto município, ter uma política de habitação que privilegia a compra de casa? Que é uma política errada e que outros países não seguiram, que é uma política que atira as pessoas para um crédito à habitação de 45, 40 anos. Ou será que queremos ter a nossa sociedade muito mais num paradigma de arrendatários, de pessoas que vivem no regime de arrendamento, sendo que o seu arrendamento tem que ser protegido, tem de ser seguro, permitir que as pessoas tenham estabilidade, que é o que acontece noutros noutros países?

Não podemos ter os dois?

Não estamos a falar de proibir a compra de casa por parte das pessoas. Isto tem a ver sobre como é que gerimos o nosso dinheiro, sobre como canalizamos o dinheiro público para a políticas de habitação. O nosso dinheiro, o dinheiro de todos, deve ser canalizado para isenções fiscais para uma pessoa poder comprar casa? Eu julgo que não.

Eu julgo que o nosso dinheiro deve ser canalizado para programas públicos e robustos de habitação; e o mesmo que se diga em relação aos subsídios ao arrendamento. Eu percebo que, para quem esteja numa situação limite, de corda ao pescoço, porque vive uma situação limite, o dinheiro de um subsídio seja uma ajuda nas despesas de habitação. Mas agora pensemos a mais longo prazo, a nível racional. Faz sentido que o nosso dinheiro público seja canalizado para manter os preços que existem, que já são especulativos, sendo que um dia os subsídios vão terminar porque não é sustentável uma política pública que eternamente pague a renda que as pessoas estão a pagar ao senhorio? Portanto, quando esse dinheiro acabar ou esse subsídio acabar – até pode acabar porque muda o Governo –, as pessoas estarão menos protegidas. O que eu acho que seria necessário era ter uma visão mais estrutural, quer na Carta Municipal, quer no Mais Habitação – pondo as coisas um bocadinho ao mesmo nível: a visão da cidade e a visão do país, Acho que era muito mais importante atacar o problema de forma estrutural, e acho que isto é o que não está a ser feito.

Troisième partie


Poderia haver alguma regulação específica para alguns sectores profissionais, para trazer as pessoas para o centro?

Sem dúvida que sim. Isso é absolutamente essencial. Um polícia que ganha mil euros e que tem que obrigatoriamente passar pela cidade de Lisboa no início de carreira para depois ser colocado na zona que escolher – julgo não estou a dizer nenhum erro – não consegue. Estar a viver em Lisboa actualmente com um salário de mil euros ou algo do género não dá. Se um quarto custa 600 euros, ou 450 em média, e se depois tem que pagar a gás, a água.. Não dá. E quem diz um polícia, diz um professor. Porque é que há falta de professores em Lisboa? Não é que os professores não queiram vir, eles não conseguem vir para Lisboa. E o mesmo se fala já de outras profissões, como médicos, que antigamente eram vistos como uma classe que estaria a salvo deste tipo de problemas e que hoje em dia já não conseguem planear a sua vida e pagar uma casa. E quando falamos nestas profissões – polícias, professores, médicos – temos que ter sempre a noção de que há muitas outras profissões que ganham o salário mínimo, ou que nem ganham o salário mínimo porque estão na informalidade, e que são empurradas para situações verdadeiramente dramáticas, como o caso da Mouraria, em que morreram pessoas por causa da falta de condições de habitação.

Este drama social choca muito com as narrativas que nós vemos de grandes dramatizações relativamente ao Alojamento Local, relativamente aos senhorios.

Acho que perdemos um pouco a noção do que é o verdadeiro drama. Drama é as pessoas viverem numa cama e não terem sequer dinheiro para alugar um quarto. Um drama é não é haver um controlo de rendas em que as pessoas cobram uma renda que é justa. A sociedade deve evoluir no sentido em que as pessoas têm uma profissão que não seja viver da renda de um imóvel que têm. Mas manter um imóvel, cuidar de um imóvel, não é uma profissão? Não, é uma obrigação legal. Quem é proprietário de uma casa tem que a manter em condições habitáveis. Quando tornamos isso não uma obrigação mas quase como se fosse um trabalho, isso é errado do nosso ponto de vista.

O que dizes, então, às pessoas que têm essa liberdade para ter um Alojamento Local e que vivem disso?

Há uma coisa que me choca profundamente – e estou à vontade para o dizer porque escrevi sobre isso antes da decisão do Supremo Tribunal de Justiça. O Alojamento Local foi criado com base numa ilegalidade. Não há forma de dar a volta ao texto: as casas, quando são licenciadas como são quando há um projecto, têm uma licença e essa licença diz se a fracção é para uso habitacional, para comércio ou para outros. Não há dados, mas eu diria que quase 100%, 90% de todos os Alojamentos Locais – a sua larga maioria – está em casas que têm uma licença de habitação. Quem já viu a caderneta predial de um prédio em propriedade horizontal sabe como é que as coisas são licenciadas em Portugal: aqui onde estamos é o café, portanto esta zona de baixo tem uso comercial, e as fracções de cima têm uso habitacional. Esta ilegalidade o Supremo Tribunal de Justiça já disse que existe: não pode haver Alojamento Local em frações que tenham uso habitacional.

O que me choca é que o Governo em primeiro lugar, mas também o município, não façam nada, porque o Governo teria a obrigação de fazer um levantamento e agir de maneira a repor a legalidade. Ou seja, que as casas que têm função habitacional sirvam para as pessoas habitarem. E o município também não devia ficar alheio a este facto e também teria poderes para repor essa legalidade; não pode olhar para cerca de 20 mil casas que estão ilegalmente a servir para uma actividade comercial e fechar os olhos, não fazendo nada. Por exemplo, se eu quiser um escritório de advogados na minha casa, não posso, e bem, fazê-lo, porque a casa onde estou, se fosse minha, é para pessoas viverem nela, não é para eu estar a ter o meu negócio. Este é o primeiro ponto sobre o Alojamento Local.

De resto, podemos discutir tudo. Mas haver um sector de atividade que está a sustentado numa ilegalidade é algo que me faz bastante confusão. Depois, em casos em que fosse legal, logo aí já teríamos uma regulação muito mais natural. Logo aí, a lei já serviria para regular, uma vez que quem tivesse uma fração que pudesse servir para actividade comercial e quisesse lá ter o seu Alojamento Local, muito bem ninguém ser contra – é uma actividade comercial, ninguém aqui está a demonizar nada.

E mais: se esta realidade fosse reposta, teríamos o verdadeiro Alojamento Local a funcionar, que é o caso que sempre existiu de eu ter na minha casa um quarto extra com o qual decido fazer um dinheiro extra, colocando esse meu quarto durante um certo período a arrendar. Também ninguém está a demonizar isso. Inclusivamente as pessoas sempre arrendaram as suas casas no Verão. O que nós estou a dizer é que não é aceitável que uma casa que serve para as pessoas viverem não tenha lá ninguém a viver e que sirva apenas para ser um negócio. O que o Alojamento Local trouxe foi, sob a capa de algo novo, algo bastante velho, que é a canibalização das cidades por sectores de turismo. Quando nós vemos que há cadeias de hotelaria a ter Alojamentos Locais, isto leva nos a pensar para onde é vamos e, até que ponto é verdadeira a narrativa de que o Alojamento Local é um sector de pequenos proprietários. No meu entender é falsa. Já pode ter sido no início. Hoje em dia isso já não acontece.

Reentrando agora na manifestação, para terminar. Próximos passos para que esta luta +não caiam no esquecimento?

Se estas manifestações caíssem em saco roto, acho que das 30 mil pessoas em Abril teríamos passado para cinco mil pessoas nesta manifestação. As pessoas querem medidas imediatas, e nós também. Nós somos as pessoas que têm dificuldade em pagar a renda. A manifestação foi feita por essas pessoas, porque pessoas que querem soluções.

Para dar um paralelismo, o Que Se Lixe a Troika travou, na altura, uma medida da TSU, mas não teve uma reversão imediata das medidas da Troika por parte do Governo de Passos Coelho. Mas depois disso houve uma devolução dos meses de férias cortados, houve uma reposição das pensões, houve uma série de coisas que que essa mobilização conseguiu devolver às pessoas. Eu não estou a dizer que é nesse ponto que estamos, e não vou dizer que o regime dos residentes não habituais terminou ou vai terminar por causa da manifestação.

Mas sei que também foi por isso. Tenha certeza que quando Fernando Medina no último ano dizia que o regime dos residentes não habituais era essencial mas agora quer terminar com ele, é porque houve uma consequência da mobilização. Não é a única consequência que nós queremos. Queríamos que houvesse muitas mais e respostas mais estruturais, mas isto só nos prova que as coisas não ficam iguais quando as pessoas saem à rua.

E para além destes espaços mais visíveis, mais mediáticos, das manifestações, as associações continuam o seu trabalho de várias formas. Nós no Chão das Lutas vamos a tribunal com muitos processos relativamente à habitação. Entre 1 de Abril e 30 de Setembro, os moradores que acompanhamos do Segundo Torrão, em Almada, garantiram residência uma casa para poderem viver, quando não lhes era dado nada. E estou a falar da minha associação de que faço parte, as outras associações terão certamente também feito o seu trabalho.

Agora, será a plataforma Maison à vivre a decidir os primeiros passos, lá teremos certamente visões que coincidem, outras que outras que não serão totalmente iguais e que, no final, esperamos que seja possível conciliar o interesse maior, que é o direito à habitação e encontrarmos um caminho de consensos de novos passos.

Para fechar, que ideias para esta crise habitacional queres deixar na cabeça das pessoas?

O nosso programa, o programa do Maison à vivre, é bastante completo e os pontos que estão lá podem ser replicados. Eu, pessoalmente, e nós, no Chão das Lutas, lutamos para que haja um controlo de rendas. Lutamos também para que haja um limite ao investimento estrangeiro, desde logo, à compra de casa por residentes não habituais porque é necessário atacar o problema onde ele existe. Mais uma vez, volto a dizer que é muito interessante o artigo que o Nuno Serra escreve sobre este tema no jornal Setenta E Quatro, porque é, de facto, onde há uma nova procura. As pessoas que vivem em Portugal e têm salários portugueses já não conseguem pagar, já não conseguem comprar, porque já já são preços muito elevados para os seus rendimentos. E há uma nova procura de dinheiro estrangeiro, dos fundos de pensão, quando essa procura interna não responde. As casas são compradas aos preços a que forem vendidos, e isso faz com que não estejam a servir para a sua função de habitação.

Essa nova procura tem que ser controlada, e é essencial. E, mais uma vez, países liberais ou com partidos liberais no poder tomaram essa medida. Porque é uma questão de bom senso. É dizer que isto não pode só ser um activo financeiro, tem que ter um fim de habitação.

Depois, Portugal é um país em que ainda prevalece a pequena propriedade, de pessoas que compraram casa para aceder à habitação porque foi o caminho político escolhido. E com as taxas do BCE a aumentar, é necessário que a banca seja chamada a responder também com a sua quota parte. Que haja uma obrigação da banca de negociar os créditos à habitação e que tudo aquilo que eles estão a lucrar seja de alguma forma revertido para ajudar as pessoas a terem a vida mais facilitada no crédito à habitação.

Estas três medidas, há muitas outras, seriam algo que eu acho essencial.

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