O Governo já apresentou a sua proposta para o Orçamento de Estado do próximo ano, 2024, e há várias novidades no campo da mobilidade e dos transportes, afectando a área metropolitana de Lisboa.

Os principais fluxos quotidianos que ocorrem na área metropolitana de Lisboa são intermunicipais e centrados na capital: de fora para Lisboa, e de Lisboa para fora. E uma parte dessa mobilidade é definida ao nível do Estado central através do badalado Orçamento de Estado. Na verdade, muitas das operadoras de transporte dependem directamente do Governo; por outro lado, o dinheiro que chega à Área Metropolitana de Lisboa para manter, por exemplo, o preço dos passes ou fazer investimentos em material circulante, em infraestrutura ou em recursos humanos também depende de uma decisão central.
Por isso, o Orçamento de Estado (OE) é um instrumento importante também para o futuro da mobilidade metropolitana. E na proposta de OE para o próximo ano de 2024 há várias novidades nesta matéria, como um mecanismo “mais equilibrado, estável e previsível” de financiamento dos transportes públicos metropolitanos e o alargamento da gratuitidade dos passes a todos os jovens estudantes até aos 23/24 anos. A proposta do OE 2024 refere que “a sustentabilidade das economias exige uma mobilidade mais verde e a redução da pegada ecológica”.
Vamos às propostas concretas. Nesta análise, vamos focar no território da área metropolitana de Lisboa, mas as medidas aqui descritas são de âmbito nacional.
As propostas
- Transportes gratuitos para estudantes
- Desconto nos transportes para desempregados de longa duração e pessoas com deficiência
- O fim do PART e o novo “Incentiva +TP”
- Trocar o carro antigo por uma bicicleta eléctrica de carga ou por transportes públicos
- O saneamento da dívida histórica da CP, investimentos e compra de comboios
- Reformados podem voltar à CP e ao Metro
- 1 milhão para a Mobilidade Activa
Transportes gratuitos para estudantes
Em 2024, todos os que estudem na área metropolitana de Lisboa vão beneficiar de transportes públicos gratuitos. A medida que os municípios de Cascais e Lisboa lançaram em 2020 e 2022, respectivamente, vai, desta forma, ser alargada a toda a área metropolitana de Lisboa e não só – será uma medida nacional, para os jovens estudantes de todo o país.
Actualmente, os jovens do ensino básico, secundário e superior têm acesso ao passe Navegante com 25% de desconto, através das modalidades “4_18” ou “sub23” – se forem de famílias carenciadas, por exemplo, esse desconto já é de 60%. Paralelamente, desde 2022 que os estudantes residentes em Lisboa podem andar nos transportes públicos municipais sem pagar; em Cascais, só os autocarros da operadora municipal MobiCascais estão ao serviço gratuito de toda a população do concelho, não apenas a estudantil.
O Governo estima que cerca de 370 mil estudantes (de um universo potencial de 1,7 milhões de pessoas) adiram a esta medida, o que representará um aumento de 36% face aos jovens que actualmente usam os transportes através das assinaturas “4_18” e “sub23”. O Executivo de António Costa espera, com esta medida, orçamentada em 126 milhões de euros, conseguir uma “adopção de padrões de mobilidade sustentável por parte da população mais jovem” e também um “aumento do rendimento disponível das famílias”.
Desconto nos transportes para desempregados de longa duração e pessoas com deficiência
Os desempregados de longa duração e as pessoas com deficiência (incapacidade igual ou superior a 60%) vão passar a beneficiar de descontos entre os 25% e 50% no preço dos passes de transporte público, incluindo de passes Navegante. Na proposta do OE 2024, ainda não é claro que o desconto será de 25% ou de 50%. No entanto, esta medida resulta de um alargamento dos beneficiários dos descontos “Social+”.
Actualmente, os descontos “Social+” estão disponíveis para idosos que recebam pensões, baixas reformas ou o designado Complemento Solidário para Idosos, desempregados que estejam a receber o Subsídio de Desemprego, famílias com baixos rendimentos e beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI). Existem dois escalões de desconto: 25% e 50%. Um passe Navegante para circular dentro de um município pode ficar a 15 ou 22,5 euros.
Com este OE 2024, as tarifas “Social+” vão sair das áreas metropolitanas e passar a estarem disponíveis para todo o país. O Governo estima 2,7 milhões de pessoas a beneficiar de transportes públicos mais baratos e um impacto orçamental de 8,8 milhões de euros por ano.
O fim do PART e o novo “Incentiva +TP”
Se os passes Navegante custam apenas 30 ou 40 euros/mês desde 2019 é porque, todos os anos, o Governo tem subsidiado o custo real dos passes, através do OE e de um programa chamado PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos.
Na prática, desde 2019, o Governo transfere, por exemplo, para a Área Metropolitana de Lisboa (AML) verbas que permitem que esta possa disponibilizar transportes públicos a preços mais convidativos, através de um passe único intermodal, o Navegante, sem que os operadores de transporte ficassem a perder dinheiro. No entanto, tanto a AML como a sua Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML) já pediam um mecanismo de financiamento do transporte público mais certo e mais integrado no OE. É isso que o Governo está a propor agora.
Se o PART foi um programa transitório, que permitiu um paradigma de transportes mais acessíveis e integrados nas áreas metropolitanas (e não só), o novo Incentiva +TP é um programa que propõe dar continuidade a esse trabalho. Através deste Incentiva +TP, a Área Metropolitana de Lisboa, a do Porto e as Comunidades Intermunicipais vão ter verbas para o “financiamento e promoção dos transportes públicos”, cabendo a cada entidade intermunicipal “identificar as medidas mais eficazes para aumentar a procura de transporte público e assegurar a sustentabilidade das operações a seu cargo”.
No entanto, o Governo coloca algumas balizas: “As acções a financiar incluem o apoio à redução de tarifas, o pagamento de Obrigações de Serviço público decorrentes da contratualização dos serviços de transporte público e o apoio ao reforço da oferta, seja através de serviços de transporte público regulares ou flexíveis.” O programa Incentiva +TP vai ser financiado, à semelhança do PART, pelas receitas de carbono, ou seja, com as receitas que o Estado arrecada com o transporte individual. “Com este mecanismo assume-se uma partilha de riscos subjacente à variação das receitas de carbono”, explica o Executivo central.
Além do PART, o novo programa substitui o PROTransP – Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte Público. Para todo o país, o orçamento é de 360 milhões de euros (acréscimo de +91 milhões de euros face a 2023), sendo que a AML receberá, em 2024, cerca de 43,1 milhões, tendo em conta os valores de procura por transportes públicos do ano presente. Os beneficiários da medida são os mais de cinco milhões de portugueses do Continente e se deslocam habitualmente nos seus territórios, em particular os 730 mil habitantes que usam regularmente o transporte público.

Trocar o carro antigo por uma bicicleta eléctrica de carga ou por transportes públicos
No OE 2024, o Governo está a propor um programa de incentivo ao abate de automóveis ligeiros em fim de vida, isto é, matriculados até 2007. Quem tiver um carro de 2007 ou mais antigo ainda poderá dá-lo para abate e receber do Estado um “cheque” que poderá trocar por um Cartão de Mobilidade (para gastar em transporte público ou serviços de mobilidade partilhada), numa bicicleta eléctrica de carga ou num carro eléctrico.
Com esta medida, que será excetuada através do Fundo Ambiental, o Executivo de António Costa pretende “reduzir a idade média das frotas nacionais e dessa forma melhorar a segurança rodoviária e a qualidade do ambiente”, mas está, ao mesmo tempo, a dar um sinal a favor da mobilidade ciclável (as bicicletas de carga podem ser substitutos do automóvel em múltiplas circunstâncias) e da mobilidade colectiva.
A proposta do OE 2024 estima 45 mil veículos a abater em 2024, tendo um orçamento de 129 milhões de euros reservado para esta medida. O Governo vai, além deste programa de incentivo ao abate, aumentar o Imposto Único de Circulação (IUC) para os veículos anteriores a 2007, “como medida complementar para o reforço da renovação das frotas nacionais”.
O saneamento da dívida histórica da CP, investimentos e compra de comboios
O saneamento da dívida histórica da CP ao Estado estava previsto no OE 2023 e está a ser concretizada agora no final deste ano, em cima discussão do novo OE. Este sanaemento concretiza-se com uma injecção de capital de 1,9 mil milhões de euros na operadora pública ferroviária (a CP tinha uma dívida total de 2,1 mil milhões de euros, dos quais 1,8 era dívida ao próprio Estado). A resolução desta dívida – que resultou de anos de operação em que o Estado “pediu” à CP para fazer serviço público sem lhe dar os recursos para tal – era essencial para que a empresa pudesse avançar com alguns investimentos, como a compra de novos comboios para os serviços de longo curso (Alfa Pendular e Intercidades). “Esta operação vem dar à CP condições efetivas para cumprir as obrigações de serviço público contratualizadas com o Estado e competir no mercado de longo curso, que funciona em regime de concorrência ao abrigo das regras europeias”, explica o Governo num comunicado.
Em 2022, a CP registou lucros pela primeira vez na sua história e, por causa disso, a empresa pública ferroviária deverá pagar dividendos de 1,78 milhões de euros ao Estado, segundo o OE 2024 (nota: dividendos são uma parcela do lucro das empresas que é destinada aos accionistas como forma de remuneração; no caso da CP, o Estado é accionista). “Em 2024, a CP pretende dar início ao fabrico de até 117 novas automotoras elétricas (até 62 para os serviços urbanos de Lisboa e do Porto e até 55 para os serviços regionais). Será dada continuidade à reabilitação do material circulante de modo a suprir as necessidades deste material até entrega das novas automotoras, com vista a melhorar e incrementar a oferta da CP”, pode ler-se na proposta do novo OE. “Prevê-se ainda a realização do projeto denominado ‘Comboio Português’, mediante fabrico de um protótipo de comboio de produção nacional, com vista a aferir da sua viabilidade comercial, projeto este financiado por fundos europeus.”
Do lado do Metro de Lisboa, vão prosseguir os investimentos em infraestrutura: o investimento de 258 milhões de euros para a construção da Linha Violeta (desses, deverão ser gastos, em 2024, 97 milhões), o investimento de 409 milhões para a expansão da Ligne rouge até Alcântara (137 milhões em 2024) e a conclusão do investimento de 335 milhões para o fecho do anel circular entre o Cais do Sodré e o Rato (159 milhões em 2024). O Metro de Lisboa tem também em curso a aquisição de 14 novas unidades triplas (42 carruagens) com um novo sistema de sinalização, um investimento global de 114,5 milhões de euros.
Por seu lado, a Transtejo (do grupo TTSL) “prosseguirá a execução do plano de renovação da sua frota, o qual inclui a aquisição de cerca de dez novos navios eléctricos, tendo já sido adjudicada a aquisição e construção de postos de carregamento e a respectiva manutenção”, pode ler-se no OE 2024. “Em 2023, foi entregue o primeiro daqueles navios, tendo sido feita a sua viagem inaugural para a realização de testes e formação. A construção dos restantes encontra-se em curso. Este investimento permitirá à Transtejo potenciar a sua missão enquanto operadora de serviço público de transporte fluvial, ao serviço da mobilidade e da qualidade de vida das pessoas, e contribuir para a descarbonização do sector.”
Reformados podem voltar à CP e ao Metro
Ao mesmo tempo, e para fazer face à carência de mão-de-obra especializada na área da ferrovia, necessária nas operações da CP ou do Metro, a proposta de OE 2024 sugere que os aposentados destas empresas de transporte, que trabalhavam na manutenção de carruagens ou na condução dos comboios, possam regressar ao activo, mantendo a pensão que têm e recebendo até 75% do salário correspondente à categoria que vão ocupar.
“Os aposentados ou reformados com experiência relevante em áreas de manutenção de material circulante ou em funções de maquinista podem exercer funções nas empresas públicas do setor ferroviário que procedam ao transporte colectivo de passageiros, mantendo a respectiva pensão de aposentação, acrescida de até 75% da remuneração correspondente à respectiva categoria e, consoante o caso, escalão ou posição remuneratória detida à data da aposentação, assim como o respetivo regime de trabalho”, detalha o documento.
1 milhão para a Mobilidade Activa
A proposta do OE 2024 atribui um milhão de euros para a dar “continuidade à implementação da Estratégia Nacional Para A Mobilidade Activa, nas componentes Ciclável e Pedonal”. Esta execução continuará a cargo do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT). Actualmente, existem dois documentos estratégicos – um para a parte Ciclável, com quatro/cinco anos, e outra para a Pedonal, que ficou concluído este ano.
Em conjunto, estas estratégias pretendem, até 2030, um aumento da quota modal das deslocações de bicicleta para 10% nas cidades (7,5% a nível nacional) e do andar a pé para 35%. Mas associações como a MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta dizem que o Governo tem impresso um ritmo lento e investido pouco no desenvolvimento da mobilidade activa, não só da ciclável mas também também da pedonal.
No OE deste ano, o IMT recebeu também um milhão de euros para a mobilidade activa. Ainda assim, no OE 2024, o Governo promete “um reforço das soluções de mobilidade ativa nas cidades, nomeadamente através da construção de novas redes de vias clicáveis”, não detalhando nos documentos apresentados este assunto.