Concessão da Fertagus prolongada sem Oriente e sem resolver sobrelotações

O contrato entre o Estado e a Fertagus será estendido sem alterações, a fim de compensar a empresa pelos prejuízos causados pela pandemia. A oferta de comboios entre Lisboa e Setúbal permanecerá inalterada, sem soluções para as situações de sobrelotação e sem previsões quanto ao prolongamento esperado até à Gare do Oriente.

Comboio da Fertagus parado na estação Roma-Areeiro (fotografia LPP)

Comboios sobrelotados, mesmo ao fim-de-semana. A única linha ferroviária concessionada da área metropolitana de Lisboa e do país está a rebentar pelas costuras, principalmente desde a introdução do tarifário Navigateur em 2019, mas o Governo prepara-se para prolongar a concessão tal como está, sem forçar o operador privado – a Fertagus – a resolver os actuais problemas.

É a terceira vez que o Estado vai prolongar o contrato da Fertagus, empresa do grupo Barraqueiro que assegura as ligações ferroviárias entre Lisboa e Setúbal. A extensão da concessão é justificada com a necessidade de compensar a operadora pelos prejuízos que teve durante a pandemia, quando os confinamentos e o teletrabalho fizeram diminuir a procura, segundo noticia o jornal Público. Na verdade, o Estado não pode fazer essa compensação de outra forma – por exemplo, entregando um cheque extra à Fertagus –, uma vez que o Decreto-Lei nº 19-A/2020, aprovado durante a Covid-19, não o permite: “tal compensação ou reposição [do equilíbrio financeiro por quebras de utilização ou em que a ocorrência de uma pandemia] só pode ser realizada através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato”, pode ler-se na referida legislação.

Por isso, o Governo fica forçado a prolongar o contrato que tem com a Fertagus por um determinado número de anos, ainda a negociar com esta. A actual concessão termina a 30 de Setembro deste ano. Como aponta o jornalista Carlos Cipriano no Público, “em cima da mesa estará apenas uma visão financeira do contrato e não a tentativa de resolver os problemas de mobilidade ferroviária entre as duas margens do Tejo”. Na verdade, desde a introdução do tarifário Navigateur em 2019, que reduziu em mais de 70% a despesa mensal dos passageiros que viajassem entre Setúbal e a capital, que a procura pelos comboios da Fertagus aumentou significativamente. A transportadora conta actualmente com cerca de 28 milhões de passageiros por ano, quando antes dos passes Navegante a 30/40 euros tinha pouco mais que 20 milhões de passageiros anuais.

Sobrelotações, mesmo ao fim-de-semana

Uma situação de sobrelotação num comboio da Fertagus (fotografia LPP)

A Fertagus, que desde 1999 opera a principal linha ferroviária da Margem Sul, disponibiliza comboios de hora a hora entre Lisboa e Setúbal e ligações a cada 10 ou 20 minutos entre a capital e Coina. Aos fins-de-semana, a frequência mantém-se entre as duas pontas da linha, sendo a cada meia hora entre Lisboa e Coina. Este ritmo não é suficiente para a procura, com o LPP a registar recorrentemente comboios sobrelotados mesmo fora das horas de ponta. E também aos fins-de-semana.

A Comissão de Utentes de Transportes da Margem Sul tem vindo a denunciar esta situação. Num comunicado enviado à comunicação social em Dezembro de 2023, este grupo de passageiros descrevia o seguinte cenário: “carruagens sobrelotadas durante toda a manhã, cheíssimas na hora de ponta da tarde; atrasos decorrentes da dificuldade em entrar e sair das carruagens; passageiros a sentirem-se mal com as aglomerações junto às entradas”. “Sabemos que não se compram carruagens em meia dúzia de dias, mas se tivessem tomado medidas em 2019, quando alertámos, já hoje existiriam melhores condições para os utentes! E se não tomarem medidas agora, quantos mais anos vamos estar à espera?!”, acrescentava a referida Comissão. “No imediato, devem ser sempre colocados comboios duplos (com oito carruagens) a circular – não faz qualquer sentido a ligação a Setúbal ser garantida por comboios simples (apenas com quatro carruagens) –, e adquirir mais composições e carruagens, com a contratação dos meios humanos necessários para os operar!”

A Fertagus opera actualmente com 18 comboios, alugados ao Estado através de uma empresa pública (a Sagsecur, do grupo Parpública). Estes 18 comboios têm quatro carruagens cada e podem circular em dupla, formando oito carruagens. Tanto o Governo como a Fertagus poderiam adquirir novos comboios para reforçar a frota, mas o primeiro não definiu essa prioridade e o segundo não estará com vontade de suportar essa despesa sozinho. De qualquer modo, as regras de contratação pública não permitiriam ao Estado fazer essa compra de forma rápida e ágil. Ao Público, Cristina Dourado, administradora da Fertagus, explica que dois novos comboios já permitiriam colocar todos os comboios com oito carruagens nas horas de ponta; e que quatro novos comboios dariam para ter ter oito carruagens durante todo o dia e uma oferta de de 20 em 20 minutos às horas de ponta para Setúbal.

Passageiros preocupados

Outra questão sensível no futuro da Fertagus é o prolongamento do serviço em Lisboa entre as estações Roma-Areeiro, onde actualmente termina, e Oriente. Deste modo, Setúbal passaria a ter uma ligação directa de comboio à principal estação ferroviária da área metropolitana (de onde partem comboios de longo curso, Alfa Pendular e Intercidades), bem como ao terminal de autocarros suburbanos e de longo curso (incluindo Rede Expressos e Flixbus). A Carris Metropolitana resolve actualmente esta lacuna com autocarros rápidos entre Setúbal e a interface do Oriente.

A Fertagus diz que não consegue levar os comboios ao Oriente sem a prevista quadruplicação da linha ferroviária entre as estações Roma-Areeiro e Braço de Prata. De acordo com a Infraestruturas de Portugal (IP), citada pelo Público, “o projecto de execução, bem como o processo de avaliação de impacto ambiental, deverão estar concluídos até final de 2025, seguindo-se o lançamento do concurso da empreitada de construção civil”, mas o dinheiro para esta obra – estimada em 250 milhões de euros – estará dependente de uma candidatura a fundos comunitários no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, ao abrigo do Programa Sustentável 2030.

A Comissão de Utentes de Transportes da Margem Sul está preocupada com o prolongamento da concessão da Fertagus “sem perspetivas de aquisição de novas composições, da extensão do serviço à estação do Oriente ou do aumento de frequência nas horas de ponta”. “O Governo deve negociar esta concessão, mas para promover a melhoria do serviço, não para manter a situação actual, agravando os problemas que já hoje existem, de sobrelotação das carruagens à hora de ponta e de contínua degradação do serviço”, lamentam, lembrando que “este é um serviço que se mantém praticamente inalterado desde o início da sua operação, já lá vão quase 25 anos”.

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