Gingar na cidade

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O livro Gingar Na Cidade explora a relaรงรฃo entre territรณrio, participaรงรฃo e mobilidade, com foco na bicicleta, na freguesia de Marvila, Lisboa. Publicado pela Tigre de Papel, este livro analisa Marvila em profundidade โ€“ do desporto popular ร s transformaรงรตes na zona ribeirinha โ€“, antes de destacar a bicicleta como ferramenta de trabalho e inclusรฃo.

A partir do financiamento conseguido atravรฉs do Programa Vinci Para A Cidadania, foi possรญvel adquirir bicicletas para a Cicloficina Crescente e para a Rede Gingada. Entre os bairros Marquรชs de Abrantes e Quinta da Chalรฉ, voluntรกrios da Cicloficina Crescente regressam ao espaรงo da Cicloficina com as bicicletas recentemente adquiridas (fotografia de Cicloficina Crescente, 2022)

Foi apresentado na Biblioteca de Marvila, em Lisboa, o livro Gingar Na Cidade: Bicicleta, Participaรงรฃo e Transformaรงรฃo do Territรณrio, organizado por Henrique Chaves e Inรชs Vieira, e editado pela Livraria Tigre de Papel. O livro foi apresentado por Rita Dโ€™รvila Cachado, com a participaรงรฃo dos editores e de vรกrios autores. Publica-se aqui a introduรงรฃo do livro.


Este livro parte do desafio de produzir investigaรงรฃo e intervenรงรฃo de forma participada sobre territรณrio e mobilidades. Propรตem-se diferentes รขngulos de pesquisa sobre territรณrios perifรฉricos, com forte destaque para a freguesia de Marvila, em Lisboa, alargando-se a discussรฃo para outros territรณrios e para a compreensรฃo de fenรณmenos relacionados com a mobilidade, sobretudo atravรฉs da bicicleta.

Os territรณrios podem ser considerados como socialmente produzidos e, por isso, investidos de diversos sentidos possรญveis. Sรฃo dinรขmicos, com mudanรงas observรกveis ao longo do tempo, podendo refletir processos ร  escala local bem como transformaรงรตes inscritas a nรญvel mais global. Sรฃo marcados por desigualdades sociais que se manifestam โ€“ nรฃo sรณ, mas tambรฉm โ€“ no รขmbito das mobilidades, podendo a bicicleta ser ponderada como veรญculo (de transporte, como parte de mรฉtodos de pesquisa mรณvel, de iniciativas que podem ser consideradas socialmente inovadoras no territรณrio) e como campo expressivo de diversas intencionalidades polรญticas (pela sustentabilidade, pelo direito ร  mobilidade democrรกtica e de baixo custo, pela promoรงรฃo da saรบde, pela coexistรชncia e coesรฃo urbanas) e manifestaรงรตes de desigualdade (quem tem e utiliza bicicletas, com que motivaรงรตes, em que infraestruturas, quem รฉ mais visรญvel nas reivindicaรงรตes pela bicicleta e quais as que ganham apoio popular e dos poderes pรบblicos), as quais tanto podem servir intentos emancipatรณrios quanto podem reforรงar a discriminaรงรฃo social e racial e as diferentes formas de exclusรฃo urbana.

Os territรณrios sรฃo nรฃo sรณ palco de reflexรฃo, mas tambรฉm de intervenรงรฃo, abrindo-se possibilidades de diรกlogo e de confronto entre formas de estudar, observar e intervir. Ultrapassando a fronteira da pesquisa pretensamente isenta de envolvimento no campo, diferentes tipos de investigaรงรฃo sobre um mesmo territรณrio podem aproximar-se. Para alรฉm da comunicaรงรฃo de resultados a partir de diferentes abordagens de pesquisa, para estreitar a relaรงรฃo com o campo podem ensaiar-se e praticar-se diferentes formas de observaรงรฃo participante, investigaรงรฃo-aรงรฃo participativa e parcerias com a comunidade, potencializando uma compreensรฃo aprofundada dos problemas locais, a colaboraรงรฃo em iniciativas comunitรกrias e a procura sensรญvel e partilhada de soluรงรตes adaptadas a cada territรณrio.

Gingar Na Cidade: Bicicleta, Participaรงรฃo e Transformaรงรฃo do Territรณrio (Photo LPP)

A primeira parte deste livro centra-se mais num contexto local especรญfico, apresentando o territรณrio de Marvila em retratos captados a partir de diferentes perspetivas, รกreas disciplinares e posicionamentos de pesquisa e de intervenรงรฃo.

Joรฃo Santana da Silva, no primeiro capรญtulo, โ€˜Dos pรกtios operรกrios aos grandes clubes: o desporto popular em Marvila e no Beatoโ€™ (pp. 13-26), elabora uma apresentaรงรฃo histรณrica do territรณrio com foco no desporto. Explica o modo como, em Marvila, o desporto estava inicialmente relacionado com o lazer burguรชs, sendo progressivamente mais associado ao desporto popular, numa riqueza associativa que esmorece em contexto pรณs-revolucionรกrio, a par da transformaรงรฃo profunda de um territรณrio desindustrializado e sob pressรฃo habitacional.

Seguidamente, Laura Pomesano e Roberto Falanga, no capรญtulo intitulado โ€˜Marvila: um territรณrio em transformaรงรฃoโ€™ (pp. 29-41), abordam as mudanรงas no territรณrio a partir do patrimรณnio, dos novos ocupantes e das novas funรงรตes atribuรญdas ao espaรงo num contexto pรณs-industrial. Os autores apresentam-nos uma reflexรฃo sobre as transformaรงรตes na zona ribeirinha de Marvila, em contraste com a parte mais interior da freguesia, mais marcada por habitaรงรฃo municipal e com dinรขmicas de aรงรฃo coletiva diferenciadas.

Cecรญlia Baraldi e Patrรญcia Pereira, em โ€˜Como Marvila virou cool? Um olhar para a conversรฃo criativa-cultural de uma antiga zona industrial de Lisboaโ€™ (pp. 43-57), apresentam uma outra reflexรฃo sobre a zona ribeirinha de Marvila, explorando a mudanรงa no territรณrio por via da presenรงa de atores sociais da รกrea criativa/cultural, num processo de gentrificaรงรฃo que beneficia nรฃo sรณ da iniciativa privada como tambรฉm do prรณprio Estado, atravรฉs de polรญticas de promoรงรฃo pรบblica para a requalificaรงรฃo urbana.

Esta parte finaliza com o capรญtulo de Rogรฉrio Roque Amaro e de Bรกrbara Ferreira intitulado โ€˜Os grupos comunitรกrios da freguesia de Marvila (Lisboa) โ€“ principais dinรขmicas, caracterรญsticas e conquistasโ€™ (pp. 59-72). Os autores centram-se nos grupos comunitรกrios marvilenses, apresentando as suas aรงรตes numa lรณgica de governanรงa local partilhada e participativa, em cooperaรงรฃo com o poder autรกrquico, bem como ampliando a comunicaรงรฃo das lutas e reivindicaรงรตes destes grupos (nos quais participam de forma continuada), nomeadamente em matรฉria de transportes.

Na praceta do lote C do Bairro dos Alfinetes, uma das primeiras sessรตes em espaรงo pรบblico da Cicloficina Crescente com uma participaรงรฃo maioritรกria de crianรงas e jovens do bairro (fotografia de Henrique Chaves, 2018)

Na segunda parte do livro, a atenรงรฃo dirige-se de forma mais acentuada para a bicicleta e para questรตes relacionadas com a mobilidade.

Esta parte inicia-se com o capรญtulo โ€˜Micromodos como instrumento de trabalho: potencialidades e desafios de um cenรกrio sustentรกvel no Brasilโ€™ de Filipe Marino, Letรญcia Quintanilha, Jรฉssica Lucena e Marcela Kanitz (pp. 75-83), que trazem uma reflexรฃo sobre os micromodos (equipamentos leves, de propulsรฃo humana ou elรฉtricos, nos quais se incluem as bicicletas) e o seu potencial na rede de mobilidade urbana, sobretudo enquanto instrumento de trabalho (no setor da logรญstica e em contexto de aumento do e-commerce em fase pรณs-pandรฉmica) e para os compromissos de sustentabilidade (no Brasil e noutros territรณrios). Os autores refletem que, apesar de estes modos responderem positivamente a questรตes ambientais, de (des)emprego e de saรบde, a sua generalizaรงรฃo encontra-se marcada pela precarizaรงรฃo do trabalho e pela nรฃo adaptaรงรฃo do espaรงo fรญsico das cidades ร s necessidades dos seus utilizadores. Neste contexto, a bicicleta รฉ ponderada como fator de acentuaรงรฃo da exclusรฃo social.

Regressamos a Marvila com um capรญtulo dos editores deste livro, โ€˜Pedalar para a inclusรฃo: bicicletas como catalisadoras de transformaรงรฃo social em Marvilaโ€™ (pp. 85-103). O foco recai sobre a utilizaรงรฃo da bicicleta neste territรณrio, apresentando-se uma sรญntese de diversas iniciativas marcadas pelo envolvimento comunitรกrio e pela intencionalidade educativa, desportiva, socioartรญstica e/ou de promoรงรฃo da inclusรฃo social atravรฉs da dinamizaรงรฃo do uso da bicicleta.

ร‰ neste enquadramento territorial, projetual e organizacional que surge o projeto Gingada, projeto financiado pela Cรขmara Municipal de Lisboa atravรฉs do programa de financiamento Bairros e Zonas de Intervenรงรฃo Prioritรกria (BIP/ZIP) na ediรงรฃo de 2020 (refยช 87 โ€“ Pedalada). O projeto teve como entidades promotoras as associaรงรตes Rรฉs do Chรฃo e Grupo Recreativo Janz e Associados, contando ainda com as organizaรงรตes parceiras Grupo Comunitรกrio 4 Crescente, Santa Casa da Misericรณrdia de Lisboa, Junta de Freguesia de Marvila, Universidade Nova de Lisboa e Universidade Lusรณfona. O projeto de investigaรงรฃo-aรงรฃo participativa Gingada, que dรก origem ao presente livro, contempla trรชs atividades principais โ€” rede partilhada de bicicletas, laboratรณrio de reciclagem de plรกstico e estudo participativo sobre a mobilidade em Marvila โ€”, apresentadas neste capรญtulo intitulado โ€˜Do estudo e da aรงรฃo: o projeto Gingada na leitura e na intervenรงรฃo sobre o territรณrioโ€™ (pp. 105-127).

O estudo participativo sobre a mobilidade neste territรณrio รฉ novamente alvo de reflexรฃo no penรบltimo capรญtulo, intitulado โ€˜Investigaรงรฃo-aรงรฃo em Estudo participativo sobre a mobilidade em Marvila, Lisboa, por Inรชs Vieira, Henrique Chaves e Rรฉs do Chรฃoโ€™ (pp. 129-144), com um comentรกrio de Manuel Carlos Silva sobre o estudo da rede Gingada, ponderando os seus alcances e limitaรงรตes face a princรญpios de investigaรงรฃo-aรงรฃo, e com reflexรตes sobre modelos de cidade, formas de aรงรฃo coletiva e reflexos da desigualdade social no acesso aos transportes e nas prรกticas de mobilidade.

Por fim, o รบltimo capรญtulo, intitulado โ€˜Um ensaio fotogrรกfico de Marvila em bicicletaโ€™ (pp. 145-161), apresenta a bicicleta em Marvila atravรฉs de um percurso fotogrรกfico, com destaque para o Gingada e para outros projetos que procuram promover o uso da bicicleta em Marvila. Termina com um conjunto de quadras populares alusivas ao territรณrio e aos seus desafios de transporte, elaboradas por elementos de grupos comunitรกrios locais e postas no seu trono de Santo Antรณnio para as festas populares de Lisboa em 2024.

Henrique Chaves e Inรชs Vieira (fotografia LPP)

Esperamos que este livro possa contribuir para a pesquisa sobre a transformaรงรฃo territorial, partindo de Marvila, e ponderando os efeitos do uso da bicicleta nessa transformaรงรฃo, nos modos de mobilidades e nas relaรงรตes sociais, particularmente atravรฉs de abordagens participativas ร  investigaรงรฃo e ร  intervenรงรฃo social.

Henrique Chaves
Inรชs Vieira

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