Uma das maiores greves da histรณria recente da CP estรก a paralisar praticamente toda a circulaรงรฃo ferroviรกria na รกrea metropolitana de Lisboa e no paรญs. Convocada por mais de uma dezena de organizaรงรตes sindicais, a greve nรฃo tem serviรงos mรญnimos e estรก a dificultar a vida a milhares de pessoas. Quais sรฃo os argumento dos sindicatos? E o que diz a administraรงรฃo da CP? E o Governo?

Linhas de Cascais, Sintra, Azambuja e Sado paradas. Os painรฉis digitais nas estaรงรตes nรฃo dรฃo hora de partida de nenhum comboio e informam a existรชncia de “perturbaรงรตes” por greve. Onde hรก pรณrticos de acesso, estes estรฃo bloqueados. Hรก avisos afixados por todo o lado a avisar da nรฃo circulaรงรฃo de comboios e os seguranรงas nas estaรงรตes ajudam os passageiros mais distraรญdos. Tanto nas mรกquinas automรกticas como na application da CP nรฃo dรก para comprar bilhetes.
Les comboios estรฃo parados por toda a รกrea metropolitana de Lisboa e tambรฉm pelo paรญs, numa greve que tem uma adesรฃo de 100% e sem serviรงos mรญnimos. Sรณ a Fertagus estรก a funcionar normalmente. Em Lisboa, os escritรณrios estรฃo mais vazios porque muitas pessoas terรฃo optado por ficar em casa, os restaurantes dizem notar menor afluรชncia e, nas ruas, vai-se falando da greve para comentar mudanรงas de planos. Quem tem mesmo de vir para Lisboa trabalhar, vรช-se aflito com os autocarros, que nรฃo tรชm a mesma capacidade que os comboios.
Esta nรฃo รฉ a primeira greve da CP, mas รฉ uma das mais longas e, ao contrรกrio do que tem acontecido, nรฃo foram convocados serviรงos mรญnimos pelo Tribunal Arbitral do Conselho Econรณmico e Social. A greve arrancou na quarta-feira, dia 7 de Maio, e deverรก durar atรฉ ao prรณximo dia 14. ร convocada por um total de 16 organizaรงรตes sindicais, incluindo as que representam os maquinistas. Entre esta quarta e quinta-feira โ dias 7 e 8 โ รฉ que a greve terรก maior expressรฃo. A CP disse mesmo nรฃo garantir a circulaรงรฃo de comboios nestes dois dias e a verdade รฉ que estรฃo praticamente todos parados. Nos restantes dias, estรฃo previstas “fortes perturbaรงรตes”.
Os sindicatos dizem que a paralisaรงรฃo รฉ necessรกria, mas a Administraรงรฃo da CP afirma que a greve “compromete gravemente o interesse pรบblico e penaliza desproporcionalmente os cidadรฃos, afectando o acesso ao trabalho, ร saรบde e ร educaรงรฃo” e o Ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz (PSD), fala numa greve polรญtica. Pinto Luz e CP acusam os sindicatos de nรฃo estarem disponรญveis para negociar, referindo que foi proposta uma reestruturaรงรฃo das tabelas salariais no valor de 5,75 milhรตes de euros e que a mesma nรฃo foi aceite.
Greve “penaliza desproporcionalmente os cidadรฃos”, diz CP
Dans une dรฉclaration, o Conselho de Administraรงรฃo da CP disse estar “consciente da severidade dos danos que estas paralisaรงรตes causam nas centenas de milhar de passageiros/dia que usam o comboio como meio de transporte nas suas deslocaรงรตes diรกrias”. Acrescenta que o facto de o Tribunal Arbitral do Conselho Econรณmico e Social nรฃo ter decretado serviรงos mรญnimos “compromete gravemente o interesse pรบblico e penaliza desproporcionalmente os cidadรฃos, afectando o acesso ao trabalho, ร saรบde e ร educaรงรฃo”.
A empresa adianta ainda que “apresentou um recurso, junto do Tribunal da Relaรงรฃo de Lisboa, contestando esta decisรฃo” de nรฃo haver serviรงos mรญnimos, e disse que, “no sentido de alcanรงar um acordo (…), envidou todos os esforรงos, em conjunto com a tutela [Ministรฉrio das Infraestruturas e Habitaรงรฃo], apresentando aos sindicatos uma proposta de reestruturaรงรฃo das tabelas salariais no valor de 5,75 milhรตes de euros, valor mรกximo que pode ser enquadrado dentro dos limites legais de um Governo em gestรฃo, o que nรฃo foi aceite“.
Na mesma nota, divulgada no Facebook, a CP “reafirma o compromisso com os seus trabalhadores, estando totalmente disponรญvel para dar continuidade ao processo de reestruturaรงรฃo salarial, assim que estiverem reunidas todas as condiรงรตes”. “A CP reitera o seu contรญnuo empenho em prestar, com seguranรงa, um serviรงo de qualidade aos seus clientes, bem como uma oferta de comboios adequada ร s suas necessidades”.
Tambรฉm o Ministro das Infraestruturas e Habitaรงรฃo acusou, atravรฉs das redes sociais, os sindicatos de nรฃo quererem negociar: “Propusemos 5,75 milhรตes de euros para cancelar esta greve e evitar prejudicar tantos milhares de portugueses โ e nรฃo para que as negociaรงรตes fossem fechadas. Houve boa-fรฉ do governo, mas, atรฉ ao momento, nรฃo houve abertura por parte dos sindicatos”, escreveu Miguel Pinto Luz nas redes sociais, classificando a greve de ser polรญtica e de acontecer numa altura em que o Governo estรก em gestรฃo e “legalmente limitado na sua capacidade negocial”.
“O Governo apela, aos sindicatos, mas tambรฉm a todos os trabalhadores da CP, que ponderem, faรงam um exame de consciรชncia e decidam se se justifica prejudicarem tantos portugueses e a prรณpria CP, numa acรงรฃo que nรฃo pode ter outro efeito prรกtico do que prejudicar milhares de concidadรฃos nossos”, referiu ainda o Ministro que tutela a CP.
Os argumentos dos sindicatos: “fomos os รบnicos empenhados em encontrar soluรงรตes”

A greve de dias 7 e 8 de Maio foi convocada por 14 organizaรงรตes sindicais (*), a que se junta uma greve convocada por outros dois sindicatos entre os dias 7 e 14. Estas estruturas representam maquinistas, revisores e outros ferroviรกrios, essenciais ร operaรงรฃo da CP. Sem eles, os comboios urbanos, regionais e de longo curso nรฃo podem funcionar.
Num comunicado conjunto, os sindicatos representativos dos trabalhadores da CP explicam que nรฃo aceitaram a “imposiรงรฃo” de um “aumento salarial inferior ao do salรกrio mรญnimo nacional” e criticam a Administraรงรฃo da empresa por nรฃo ter cumprido um acordo que tinha sido proposto por esta e aceite por todos os sindicatos no passado dia 24 e Abril. “Dois dias depois [26 de Abril], o Presidente da CP comunicou que nรฃo o podia implementar por falta de autorizaรงรฃo do Governo, argumentando que este estรก em gestรฃo e que nรฃo pode decidir sobre o acordo, que รฉ (apenas) suportado pelo orรงamento da empresa”, alegam as organizaรงรตes sindicais.
“Estes sindicatos, empenhados em resolver este problema, no dia 24 de Abril, flexibilizaram as suas posiรงรตes e aceitaram algumas alteraรงรตes (propostas pela a empresa) ao relatรณrio final, posteriormente entregue ao governo, de modo que as soluรงรตes tivessem acolhimento no Orรงamento da CP, mas pelos vistos, fomos os รบnicos empenhados em encontrar soluรงรตes que evitariam mais conflitos laborais na empresa”, acrescentam.
Ao contrรกrio de outras empresas pรบblicas de transporte, como o Metro de Lisboa ou a TTSL, que sรฃo “Sociedades Anรณnimas” (SA) com capital pรบblico, a CP รฉ uma EPE, isto รฉ, uma “Entidade Pรบblica Empresarial”. Uma EPE รฉ uma entidade integrada no sector pรบblico empresarial, enquanto que uma SA รฉ uma empresa de direito privado, mesmo quando รฉ 100% pรบblica. As EPEs tรชm menos margem de manobra para agir como uma empresa normal, pois dependem da aprovaรงรฃo do Estado para muitas decisรตes. Jรก a administraรงรฃo de uma SA tem mais liberdade para tomar decisรตes sem pedir autorizaรงรฃo constante ao Governo.
A CP รฉ uma Entidade Pรบblica Empresarial (EPE), permitindo ao Estado garantir que esta empresa actua como um braรงo direto da polรญtica pรบblica de mobilidade, mantendo controlo apertado sobre a sua gestรฃo, estratรฉgia e investimentos. Em termos simples: a forma EPE garante que o Governo tem a รบltima palavra sobre praticamente tudo o que a CP faz. Embora uma transformaรงรฃo da CP em Sociedade Anรณnima tenha sido jรก considerada, especialmente em contextos de reestruturaรงรฃo do setor empresarial do Estado, essa mudanรงa nunca se concretizou.
Se a CP fosse uma SA, talvez tivesse mais margem de manobra para responder aos sindicatos, sem depender politicamente do Governo, que neste momento estรก em gestรฃo.
Todavia, os sindicatos dizem que “o Governo que afirma nรฃo poder autorizar este acordo por estar em gestรฃo รฉ o mesmo que, durante este perรญodo, aprovou resoluรงรตes de investimento de muitas centenas de milhรตes de euros”. Afirmam que os trabalhadores lutam essencialmente por trรชs pontos: 1) “pela resoluรงรฃo de um problema estratรฉgico na empresa, que รฉ a incapacidade desta em reter os atuais trabalhadores e recrutar novos para preencherem as lacunas existentes”; 2) “contra a imposiรงรฃo de aumentos salarias que nรฃo repรตem o poder de compra”; 3) “ela negociaรงรฃo colectiva de aumentos salariais e pela implementaรงรฃo do acordo de reestruturaรงรฃo das tabelas salariais, nos termos em que foi negociado e acordado com todas as ORTs [Organizaรงรตes Representativas dos Trabalhadores]”.
Luรญs Montenegro, em campanha polรญtica, comentou a greve da CP referindo que รฉ “injusta” e assinalando “o prejuรญzo que รฉ causado ร vida das pessoas e ร vida do paรญs” e dizendo que “francamente, nรณs um dia vamos ter de pรดr cobro a isto”, atirou o Presidente do PSD e ainda Primeiro-Ministro. Comentando estas declaraรงรตes e tambรฉm as do Ministro Pinto Luz, o Sindicato dos Maquinistas (SMAQ), disse que a greve “nรฃo รฉ polรญtica, รฉ uma greve de trabalhadores que exigem o cumprimento de um acordo justo e negociado”, e que “a tentativa do Governo de associar esta luta a motivaรงรตes eleitorais รฉ absurda”, pois, “se a greve acontece neste momento, รฉ porque o incumprimento [da Administraรงรฃo da CP e do Governo] aconteceu agora”.
(*) Associaรงรฃo Sindical das Chefias Intermรฉdias de Exploraรงรฃo Ferroviรกria (ASCEF), Associaรงรฃo Sindical Independente dos Ferroviรกrios da Carreira Comercial (ASSIFECO), Federaรงรฃo dos Sindicatos dos Transportes e Comunicaรงรตes (FECTRANS), Sindicato Nacional dos Transportes Comunicaรงรตes e Obras Pรบblicas (FENTCOP), Sindicato Nacional dos Ferroviรกrios do Movimento e Afins (SINAFE), Sindicato Nacional Democrรกtico da Ferrovia (SINDEFER), Sindicato Independente dos Trabalhadores Ferroviรกrios das Infraestruturas e Afins (SINFA), Sindicato Independente Nacional dos Ferroviรกrios (SINFB), Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Transportes e Indรบstria (SINTTI), Sindicato Independente dos Operacionais Ferroviรกrios e Afins (SIOFA), Sindical Nacional de Quadros Tรฉcnicos (SNAQ), Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Setor Ferroviรกrio (SNTSF), Sindicato dos Transportes Ferroviรกrios (STF) e Sindicato dos Trabalhadores do Metro e Ferroviรกrios (STMEFE)
(**) Sindicato dos Maquinistas (SMAQ) e Sindicato Ferroviรกrio da Revisรฃo Comercial Itinerante (SFRCI)